Acórdão nº 288/04 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2004

Data27 Abril 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 288/2004 Processo n.º 803/03 Plenário

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.O Ministério Público vem recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa (5.º Juízo), de 25 de Setembro de 2003, dizendo que esta “desaplicou o normativo inserto no artigo 29º, alínea e), do DL n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, por, pretensamente, violar o determinado nos artigos 168º, n.º 1, alínea s), e 240º, n.ºs 1 e 3”, da Constituição da República Portuguesa, na versão da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro, com este fundamento tendo julgado improcedente a impugnação deduzida por A. contra a liquidação, no montante de 9330$00, de taxa de ocupação da via pública (por um armário de distribuição telefónica) relativa ao ano de 1995, que lhe fora efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do artigo 16º, n.º 3, da Tabela de Taxas e outras Receitas Municipais do Município de Lisboa para 1995.

    Determinada a produção de alegações, concluiu assim o recorrente:

    «1 – Não se situa no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República a definição do regime particular e específico de cada taxa municipal, nada obstando a que, em decreto-lei, desprovido de credencial parlamentar, se estabeleça uma pontual isenção de certa taxa, em benefício de entidade concessionária do Serviço Público de Telecomunicações.

    2 – Não viola o princípio material da autonomia financeira das autarquias locais tal regime legal, já que se não mostra afectado o núcleo essencial de tal autonomia, tal como decorre do actual artigo 238º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.

    3 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade – material e orgânica – da norma que integra o objecto do presente recurso.”

    Por seu lado, a Câmara Municipal de Lisboa contra-alegou defendendo o decidido na 1ª instância, e concluindo:

    I. A concepção de organização do Estado consagrada na Lei Fundamental define as autarquias locais como pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas, as quais têm património e finanças próprios, sendo que as receitas próprias destas incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços, podendo estas dispor de poderes tributários, nos casos e termos previstos na lei. II. A Lei das Finanças Locais (1/87) estabelecia nas als. d) do n.º 3 do art.º 1º, g) do n.º 1 do art.º 4º, e c) do art.º 11º que o Município podia gerir o património autárquico, cobrar taxas por qualquer licença da sua competência ou podia autorizar a ocupação da via pública, competindo à respectiva Assembleia Municipal estabelecer essas taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos sob proposta ou autorização da Câmara.

    III. O Município exerce um direito que lhe foi legalmente atribuído, ao exigir que a utilização do domínio público municipal dependa de um acto de autorização que só a si lhe compete proferir e pelo qual o sujeito que retira especiais vantagens de tal acto deve pagar as taxas correspondentes, que constituem receitas próprias, no exercício dos poderes tributários constitucionalmente conferidos, nos termos do n.º 4 do artigo 238º da CRP.

    IV. Os Regulamentos têm assegurada a sua legalidade e constitucionalidade, nos termos dos art.ºs 235º, 238º e 241º, todos da CRP, e da própria Lei das Finanças Locais.

    V. Compete aos municípios a criação de taxas no âmbito da Lei n.º 1/87 (no qual se estabelece o regime geral das taxas), a qual estabelece no seu art.º 27º quais as isenções que devem ser respeitadas.

    VI. Aquela norma isentora deve ser entendida como definição taxativa, porquanto dessa mesma tipologia decorre uma perda de receitas para os municípios, para além do facto de que apenas poderia ser alterada pelo próprio Parlamento ou pelo Governo sob autorização, o que, como vimos, não sucedeu.

    VII. O contrato administrativo consubstanciado no Decreto-Lei n.º 40/95 foi celebrado entre o Estado e a A., [e] não pode por isso vincular o Município de Lisboa que para tal não foi ouvido.

    VIII. O artigo 29º do Decreto-Lei n.º 40/95, altera os meios de financiamento das autarquias locais, sem que detenha para tal autorização legislativa, e criando direitos para a A.:

    - Isenta a A. de pagamento de quaisquer taxas e outros encargos ao Recorrido, logo altera o seu regime de finanças locais;

    - Disponibiliza o domínio público cuja propriedade e gestão pertence ao Recorrido, alterando o regime dos bens do seu domínio público.

    IX. Concluímos (tal como a decisão judicial, ora recorrida), que um decreto-lei governamental não poderia, sem invadir a competência legislativa reservada da Assembleia da República e sem que violasse o regime de autonomia patrimonial, constitucionalmente consagrado (art.º 238º, n.º 3), cassar receitas patrimoniais às autarquias ou inovar em relação ao que se dispõe na Lei das Finanças Locais em matéria de licenciamentos do uso privativo do domínio público (ocupação da via pública).

    X. É mister considerar que sendo competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais e ainda a definição e regime dos bens do domínio público, o Contrato de Concessão ora em apreço viola indiscutivelmente o art.º 165º, n.º 1, als. q) e v), e 238º, n.ºs 1, 3 e 4, da CRP, padecendo de inconstitucionalidade o artigo 1º do DL n.º 40/95 e a al. e) do art.º 29º, ao estabelecer obrigações para o recorrido o qual não foi parte na celebração de tal contrato administrativo.

    Termos em que deve o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença recorrida e declarando-se a inconstitucionalidade orgânica e material da norma do art.º 29º, al. e), constante do anexo do DL n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, bem como do art.º 1º do mesmo diploma, fazendo-se assim a devida JUSTIÇA.”

    Cumpre apreciar e decidir.

    II. Fundamentação AUTONUM 2.A questão a decidir no presente recurso, interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, é a de saber se a norma do artigo 29º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, que aprovou as bases da concessão do serviço público de telecomunicações, é inconstitucional, como decidiu o tribunal recorrido. A norma cuja conformidade à Constituição se questiona neste recurso – relativa aos “direitos da concessionária” do serviço público de telecomunicações – tem a seguinte redacção:

    “Artigo 29º

    (Direitos da concessionária)

    Pelo contrato de concessão é a concessionária expressamente investida nos seguintes direitos:

    (…)

    e) Ocupar e utilizar, nos termos fixados na lei, as ruas, praças, estradas, caminhos e cursos de água, bem como terrenos ao longo dos caminhos de ferro e de quaisquer vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e de quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão;

    (…)”

    Segundo a decisão recorrida, esta norma violaria os artigos 168º, n.º 1, alínea s) e 240º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, na versão da Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro (correspondentes actualmente aos artigos 165º, n.º 1, alínea q), e 238º, n.ºs 1 e 3). Por sua vez, a recorrida invocou ainda, nas suas alegações no presente recurso, a violação, pela norma em apreço, dos artigos 165º, n.º 1, alínea v) (correspondente, em 1995, ao artigo 168º, n.º 1, alínea z)) e 238º, n.º 4, da Constituição.

    AUTONUM 3.Importa começar por apurar se este Tribunal poderá conhecer do recurso.

    Ora, está fora de dúvida que na decisão recorrida se verificou uma recusa de aplicação da norma em causa, com fundamento na sua inconstitucionalidade, constituindo tal recusa de aplicação a ratio decidendi para o tribunal a quo: isto é, para a decisão de improcedência da impugnação contra a liquidação, pela recorrida, de taxa de ocupação da via pública (por um armário de distribuição telefónica) relativa ao ano de 1995.

    Tanto basta para se poder concluir que estão preenchidos os requisitos específicos do tipo de recurso interposto. Designadamente, afigura-se irrelevante, para tal efeito, que a recente “Lei das Comunicações Electrónicas” (Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, que estabeleceu o “regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas e aos recursos e serviços conexos”, e, entre outros diplomas, revogou a Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto) tenha vindo prever a possibilidade de estabelecimento de uma “taxa municipal de direitos de passagem” – taxa, esta, com origem nos “direitos e encargos relativos à implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, em local fixo, dos domínios público e privado municipal” –, logo fixando os princípios a que tal taxa deve obedecer (artigo 106º, n.º 2) e a sua discriminação nas facturas dos clientes finais de comunicações (n.º 3). A previsão por este diploma da possibilidade de fixação de tal...

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