Acórdão nº 508/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 508/2022

Processo n.º 50/21

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente o Município do Seixal, e recorrida A., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 28 de outubro de 2020 que, confirmando a decisão proferida em primeira instância, julgou procedente a impugnação judicial do ato de liquidação de uma taxa pela ocupação de espaço público, referente ao ano de 2012.

O tributo cuja liquidação foi impugnada nos autos havia sido exigido pela utilização do espaço público aéreo municipal «com cabos condutores e similares», segundo o disposto no artigo 18.º do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal, na redação então vigente, depois de a recorrida ter prestado ao Município informação cadastral sobre as linhas elétricas da Rede Nacional de Transporte de Eletricidade existentes no concelho.

A A., S.A., reclamou do ato de liquidação, invocando, entre outros argumentos, a isenção do pagamento de quaisquer taxas pela utilização do domínio público, ao abrigo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.° 30349, de 2 de abril de 1940. Tendo a reclamação sido apenas parcialmente deferida, a ora recorrida propôs uma ação de impugnação do despacho que decidiu a reclamação, pugnando pela anulação do ato de liquidação da taxa exigida pelo Município.

O Município recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, alegando que a disposição legal em causa já não pode considerar-se vigente, por contender com diversas disposições constitucionais e legais subsequentes. Mais alegou que «uma norma de isenção igual à que está contida no Decreto de 1940 seria inconstitucional por violação do princípio da autonomia local na vertente da sua autonomia financeira, porque através da mesma se consentiria que o Estado se imiscuísse na administração do património local».

O Supremo Tribunal Administrativo concluiu, todavia, que a ora recorrida se encontra isenta do pagamento de taxas pela ocupação do espaço aéreo municipal com as linhas de transporte de energia elétrica, ao abrigo do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 30349, de 2 de abril de 1940, disposição que entendeu manter-se em vigor e não ofender nenhum preceito da Constituição ou do direito da União Europeia.

2. Desta decisão veio interposto o presente recurso. Uma vez admitido, foram as partes notificadas para alegar nos termos previstos no artigo 79.º da LTC, tendo o recorrente apresentado, em suma, as seguintes conclusões:

«Concluindo:

1- O presente recurso vem interposto da douta decisão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/10/2020 que aplicou o disposto no art.º 4º do Decreto-lei n.º 30:349, de 2 de abril de 1940, julgando procedente a impugnação das taxas devidas pela ocupação do espaço público do Município do Seixal.

(…)

5- A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade do art.º 4.º do Decreto-Lei n.° 30.349, de 2 de Abril de 1940, na qual se previa uma isenção pela utilização dos domínios públicos ou municipais com linhas para transporte e distribuição de energia, considerando-o inconstitucional, com fundamento, nomeadamente, no princípio da Autonomia Local, nomeadamente, na vertente da Autonomia Financeira e Tributária, vertido nos art.º 6.º (Estado Unitário), no art.º 235.° (Autarquias Locais), no art.º 237° (Descentralização Administrativa) e no art° 238° n.°s 3 e 4 (Património e Finanças Locais), todos da Constituição da República Portuguesa.

6- Com efeito, a isenção prevista no referido art.º 4.º do Decreto-lei de 1940, foi aprovada num quadro constitucional completamente distinto do atual, no qual não se caminhava para a descentralização administrativa, no qual a autonomia local, a autonomia financeira local e a autonomia tributária pura e simplesmente não existiam e jamais se sobreporiam aos interesses do Estado Central, motivo pelo qual, o próprio texto constitucional de 1976 revogou à contrário sensu, todo o direito ordinário anterior à sua entrada em vigor, contrários à Constituição ou aos princípios nela consignados (cft. art.º 290.° n.° 2 da CRP).

7- Apesar de ter sido alegado que no atual quadro constitucional, a isenção de taxas locais pressupõe a previsão legal de uma compensação a favor das autarquias, sob pena de inconstitucionalidade de uma tal norma de isenção, por violação dos citados princípios constitucionais da autonomia local, nomeadamente, na sua vertente de autonomia financeira (cft. art.º 293.° da CRP, na versão de 1976, art.º 238.° e ss. da CRP), já que o seu núcleo essencial sai irremediavelmente ferido, como adiante melhor veremos.

8- Para concluir que o art.º 4º se mantém em vigor, o Tribunal a quo refere o facto da recorrida ser concessionária, em exclusivo e em regime de serviço público, do serviço de estabelecimento e exploração da rede nacional de transporte de eletricidade, o que lhe confere uma: "posição jurídica de autoridade legitimada" (...), faz desaparecer qualquer contraprestação possível da estrutura de uma eventual taxa

9- No mesmo segmento do aresto, o douto Tribunal a quo constatou e reconheceu que o legislador não estipulou para o transporte de energia a mesma regra que vem acolhida no n.° 4 do art.º 44.º do D.L. 230/2008, de 27 de Novembro ("Estabelece a renda devida aos municípios pela exploração da concessão de distribuição de eletricidade em baixa tensão"), segundo o qual os municípios têm direito a uma contrapartida pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal, todavia, extrai dessa constatação, s.m.o., a conclusão contrária àquela que o ordenamento constitucional lhe impunha, já que nos termos do referido diploma, (D.L. 230/2008, de 27 de Novembro) a contrapartida a que os municípios têm direito pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal é uma renda e se é paga uma renda, as concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão ficam isentas de pagar as taxas municipais (sublinhado nosso) devidas pela ocupação do espaço público (cft art.º 3.° n.° 4 do D.L. 230/2008, de 27 de Novembro).

10- Não sendo por isso correta a afirmação produzida no douto aresto, quando se diz: “Ou seja, as redes de energia elétrica de distribuição em MT e BT estão isentas de taxas de ocupação do subsolo por força do disposto no n.° 4 do artigo 3.º do D.L. n.° 230/2008, de 27 de novembro. Já as redes de transporte de energia elétrica beneficiam de igual isenção (sublinhado nosso), por força do disposto no artigo 4.º, do Decreto-lei 30349, de 2 de abril de 1940” (cft. pag. 37 in fine).

O Tribunal a quo estabeleceu uma equiparação entre estas duas situações, que todavia não se verifica, já que as concessionárias da atividade de distribuição de energia elétrica em baixa tensão pagam uma renda e é-lhes atribuído o direito à utilização do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de eletricidade em alta, média e baixa tensão afetas ao Sistema Elétrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens, ao passo que, a recorrida, na conclusão do Tribunal a quo poderia fazê-lo gratuitamente, sem pagar qualquer contrapartida (sublinhado nosso).

11- As isenções de taxas de ocupação de espaço público legalmente previstas, no atual quadro constitucional foram negociadas com os municípios (cft. v.g. o preâmbulo do D.L. 230/2008, de 27 de novembro, onde se faz expressa referência à audição da Associação Nacional de Municípios), sob pena de inconstitucionalidade.

12- Porém, da decisão recorrida, resulta que a A..S.A. não pagaria qualquer contrapartida pelo uso do espaço público municipal, logo, a isenção de taxa, contrariamente ao que o Tribunal a quo concluiu, equivaleria a um o uso gratuito, desconforme à lei e à constituição.

13- Por esse motivo, repete-se, não existe o paralelismo entre as situações, sendo, ao invés, contrária à lei e à constituição, a isenção e o uso gratuito que a A., S.A., ora recorrida, se reconhece, quando se concluiu que o art.º 4.º do Decreto-lei 30:349 está em vigor.

14- A contrapartida pela utilização dos bens do domínio público ou privado municipal prevista no n.° 4 do art.º 44.° do D.L. 230/2008, de 27 de Novembro, que as concessionárias da atividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão (i.e., a B., S.A.) pagam, é um sucedâneo da taxa devida pela ocupação do espaço público e não uma verdadeira isenção de pagamento desse mesmo uso.

15- Da mesma forma que a A., S.A., ora recorrida e toda e qualquer concessionária de serviço público, deve pagar pelo uso que faz desse mesmo espaço público.

16- A recorrida não beneficia de nenhuma "posição jurídica legitimada". O estatuto de concessionária de serviço público, em regime de exclusividade, resulta da lei e do contrato de concessão, nos termos dos quais a recorrida, pelo facto de ser concessionária, como tantas outras empresas concessionárias de serviço público, tem direitos e obrigações e alguma prorrogativas que resultam do facto de desempenhar as suas funções em regime de serviço público (cft. D.L. 29/2006 de 15 de fevereiro de 2006). Todavia, o direito a utilizar o domínio público municipal para instalação da rede, resulta da lei concretiza-se nos termos da lei (cft. D.L. 172/2006 de 23/8), da qual não resulta que a mesma possa usar gratuitamente esse mesmo domínio público municipal, mas antes e sempre nos termos da lei.

17- A circunstância da recorrida ser concessionária de um serviço público não obsta à qualificação do tributo como taxa, pois para...

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