Acórdão nº 0324/11.1BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

O Município do Seixal, inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a Impugnação Judicial, deduzida pela “REN – Rede Elétrica Nacional, S.A.” contra o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa relativa a taxa liquidada nos termos do art.º 18.º do Regulamento de Ocupação do Espaço Público do Município do Seixal (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 197, de 27-08-2003, com as alterações subsequentes), e contra o próprio ato de liquidação desse tributo, relativo ao ano de 2006, no valor global de € 287.139,00, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: «1- Nos presentes autos, a ora recorrida impugnou a liquidação da taxa devida pela ocupação de espaço público do Município do Seixal com as suas infra-estruturas, relativa ao ano 2006.

2- Para além dos demais vícios invocados, a recorrida reclama para si uma isenção fiscal da supra aludida taxa de ocupação do espaço público municipal.

3- Conhecendo verificado o invocado vício material, o Tribunal a quo julgou procedente a impugnação e a consequente anulação do acto de liquidação sub judice.

4- Para tanto, entendendo que a norma de isenção de taxas prevista no Decreto da Junta de Electrificação Nacional de 1940 (art.º 4º do Decreto-Lei n.º 30.349, de 2 de Abril de 1940) está em vigor.

5- Para fundamentar a douta decisão, o Mm.º Juiz a quo entendeu existir similitude entre a situação sub judice e aquela sobre a qual o Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se acerca de uma isenção de taxas, a favor da “PT Comunicações”, considerando tratar-se de uma isenção de natureza equivalente, o que não sucede, como adiante se procurará demonstrar.

6- Porém, o que o Tribunal a quo não diz, mas não poder desconhecer, é que a isenção das taxas de ocupação de espaço público municipais de que a “PT Comunicações, S.A.” beneficiava, foi revogada (art.º 29 al. e) do D.L. n.º 40/95, de 15 de Fevereiro) e substituída por uma Taxa, a TMDP.

7- O que sucedeu, porque a manutenção da mesma era ilegal e o Estado Português foi advertido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia para a necessidade de revogar tal isenção a favor da “PT Comunicações”, sob pena de condenação por violação do princípio constitucional da igualdade e do princípio supra constitucional, da livre concorrência e igualdade entre empresas.

8- A manutenção da referida isenção para além de inconstitucional violava direito comunitário pelo que foi revogada pelo D.L. 31/2003, de 17 de Fevereiro que no seu art.º 14º exclui dos direitos da concessionária a isenção de taxas municipais pelo uso do solo, subsolo e espaço aéreo municipais.

9- Paralelamente a este regime foi aprovado o regime legal que institui a denominada Taxa Municipal sobre Direitos de Passagem (abreviadamente, conhecida como, TMDP) que mais não é que a compensação devida a cada um dos Municípios pelo uso que as empresas de telecomunicações fazem do espaço público municipal.

10- Como é do conhecimento comum, o regime da “TMPD” foi aprovado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro que aprovou a denominada “Lei das Comunicações Electrónicas”, transpondo para o ordenamento jurídico português uma Directiva Comunitária que em matéria de telecomunicações estabeleceu um regime tão semelhante quanto possível em todo o espaço comunitário.

11- Se, por absurdo, fosse hoje aprovada semelhante isenção a favor da concessionária do serviço público de telecomunicações, a mesma não resistiria hoje, arriscaríamos dizer, ao crivo do Tribunal Constitucional.

12- Hoje, as empresas de telecomunicações, concessionárias ou não, pagam uma taxa municipal pelo direito de passagem (TMDP) no espaço público municipal, facto que não pode ser ignorado, desde logo porque do mesmo emerge, sem qualquer margem para dúvidas, que o uso do espaço público municipal, repete-se, não é gratuito.

13- Concluindo, a identidade de razões que o Tribunal a quo viu entre as duas situações, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se verifica.

14- Acresce que, as entidades em presença, não são sequer semelhantes já que, à época da Lei n.º 40/95 de 15 de Fevereiro a “PT Comunicações” era uma sociedade de capitais exclusivamente públicos, dominada pelo Estado, ao passo que a REN, S.A. é hoje, uma sociedade comercial, cujo escopo é o desenvolvimento de uma actividade comercial lucrativa.

15- Da mesma forma que não existe identidade de razões, entre uma decisão que julgou em vigor uma isenção fiscal, anterior à Constituição da República Portuguesa de 1976, a favor da “Santa Casa da Misericórdia” e aquela que se discute no caso sub judice.

16- O estatuto da recorrida não se confunde com o do Santa Casa da Misericórdia, a quem o Tribunal Constitucional reconheceu que beneficiasse de isenções, mercê do seu estatuto benemérito, da reconhecida utilidade social e dos óbvios fins não lucrativos e de solidariedade social.

17- Não existe, obviamente, qualquer semelhança entre a isenção conferida à Santa Casa da Misericórdia ou a qualquer outra entidade de natureza jurídica semelhante e aquela que infundadamente a REN, S.A. reclama para si.

18- É aliás, por isso, que, na própria decisão judicial em que se reconhece isenção de taxas municipais à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, se justifica a manutenção da mesma, dada a natureza jurídica daquela entidade, que em nada, mas absolutamente nada se confunde com a da REN, S.A.

19- Não nos deixemos iludir quanto a este aspecto essencial porque o facto da REN, S.A. ser concessionária do transporte da energia em média, alta e muito alta tensão, não a distingue de outras entidades, em tudo idênticas, como demonstraremos, que não fazem um uso gratuito do espaço público municipal, desde logo não a distingue das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, que como veremos e é sabido, pagam uma renda como contrapartida pelo uso do espaço público.

20- O uso do domino público municipal é em regra oneroso e a recorrida, ao fazer uso do mesmo não está isenta da taxa municipal devida por essa mesma utilização.

21- A decisão do Tribunal a quo, ao considerar que a REN, S.A. beneficia de uma isenção e, por consequência pode usar gratuitamente o espaço público municipal, cometeu um erro de julgamento, porquanto, s.m.o., aplicou uma norma inconstitucional, o art.º 4º do Decreto-lei 30349, na medida em que uma tal isenção, sem que tenham sido devidamente sopesados os interesses em presença (já que o diploma é anterior à Constituição de 1976) ofende o núcleo essencial do princípio constitucional do Autonomia Local, na sua dimensão de Autonomia financeira local (claramente prevista e consagrada na Revisão Constitucional de 1997), enquanto princípios fundacionais da Constituição da República Portuguesa de 1976, (cft art.ºs 6º, art.º 235 e 238 n.ºs 1 e 3, da CRP).

22- Com efeito, a isenção prevista no referido art.º 4º do Decreto-lei de 1940, foi aprovada num quadro constitucional completamente distinto do actual, no qual não se caminhava para a descentralização administrativa, no qual a autonomia local, a autonomia financeira local e a autonomia tributária pura e simplesmente não existiam e jamais se sobreporiam aos interesses do Estado Central, motivo pelo qual, o próprio texto constitucional de 1976 revogou à contrário sensu, todo o direito ordinário anterior à sua entrada em vigor, contrários à Constituição ou aos princípios nela consignados (cft. art.º 290º n.º 2 da CRP).

23- Apesar de ter sido alegado que no actual quadro constitucional, a isenção de taxas locais pressupõe a previsão legal de uma compensação a favor das autarquias, sob pena de inconstitucionalidade de uma tal norma de isenção, por violação dos citados princípios constitucionais da autonomia local, nomeadamente, na sua vertente de autonomia financeira (cft. art.º 293º da CRP, na versão de 1976, art.º 238º e ss. da CRP), já que o seu núcleo essencial sai irremediavelmente ferido, como adiante melhor veremos.

24- A REN, S.A., ora recorrida e toda e qualquer concessionária de serviço público, deve pagar pelo uso que faz desse mesmo espaço público.

25- A recorrida não beneficia de nenhuma “posição jurídica legitimada”. O estatuto de concessionária de serviço público, em regime de exclusividade, resulta da lei e do contrato de concessão, nos termos dos quais a recorrida, pelo facto de ser concessionária, como tantas outras empresas concessionárias de serviço público, tem direitos e obrigações e algumas prorrogativas que resultam do facto de desempenhar as suas funções em regime de serviço público (cft. D.L. 29/2006 de 15 de Fevereiro de 2006). Todavia, o direito a utilizar o domínio público municipal para instalação da rede, resulta da lei concretiza-se nos termos da lei (cft. D.L. 172/2006 de 23/8), da qual não resulta que a mesma possa usar gratuitamente esse mesmo domínio público municipal, mas antes e sempre nos termos da lei.

26- A circunstância da recorrida ser concessionária de um serviço público não obsta à qualificação do tributo como taxa, pois para além da satisfação do interesse público, a sua actividade proporciona-lhe a satisfação dos seus interesses enquanto empresa comercial privada, conforme emana, nomeadamente do Acórdão do Pleno do STA de 13/04/2011, Proc.º 0951.

27- Por isso, é absolutamente irrelevante que a recorrida se dedique única e exclusivamente à actividade de transporte de energia, o que aliás resulta de uma imposição das normas comunitárias aplicáveis em matéria de concorrência que separaram a actividade de comercialização da energia, aberta ao mercado concorrencial, da actividade de transporte de energia, desenvolvida unicamente pela recorrida, que assim fica obrigada pela lei a assegurar o transporte de energia em condições de igualdade para todas as entidades que a queiram comercializar e, para tanto têm, de utilizar as redes instaladas.

28- A...

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