Acórdão nº 275/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução20 de Abril de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 275/04 Proc. n.º 03/04 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figuram como recorrente o IEP - Instituto das Estradas de Portugal, (ex - ICOR - Instituto para a Construção Rodoviária) e como recorridos A. e outros, o ora recorrente promoveu contra os ora recorridos a expropriação por utilidade pública das parcelas 91.1 e 91.2 da planta cadastral do Projecto de Construção da Variante Nascente de -------------------------. Inconformados com o montante fixado na decisão arbitral, recorreram expropriante e expropriados, tendo a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de ------------------ julgado parcialmente procedente o recurso dos expropriados e improcedente o recurso do expropriante, fixando o valor da indemnização em 571.542,88 euros.

  2. Desta decisão foi interposto recurso de apelação pelo ora recorrente, que alegou, concluindo da seguinte forma:

    “1ª. Dos dois relatórios apresentados resulta que a área integrada em "Espaços Industriais" é de 2.050 m2, e a restante (22.019 m2) em RAN.

    2ª. Não pode concordar-se com a metodologia seguida no laudo maioritário e sancionado pela douta sentença no que respeita à classificação de parte do terreno integrado em RAN (5.956 m2) como "equiparado a apto para a construção".

    2ª.O legislador, ao distinguir o solo apto para construção do solo para outros fins, não adoptou um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído ou integrado em prédios rústicos, é passível de edificação, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa.

    3ª. Para que determinado solo seja classificado como apto para construção não basta a verificação de alguma das circunstâncias enumeradas nas quatro alíneas que integram o referido n° 2 do art. 25° - necessário se torna que, na prática, de acordo com as leis e regulamentos em vigor, seja possível a construção nesse solo e que esta constitua o seu aproveitamento económico normal.

    4ª. A interpretação integrada das regras de classificação e avaliação dos solos impostas pelo Código das Expropriações obriga a que sejam classificados e avaliados como solos para outros fins aqueles cujo destino efectivo ou possível numa utilização económica normal e tendo em conta as suas circunstâncias e condições de facto - não possa ser a construção, de acordo com as leis e regulamentos em vigor.

    5ª E assim será mesmo que, relativamente a tais solos, se verifique alguma das situações previstas no n° 2 do art. 25° do CE.

    6ª. Na verdade, nos termos do princípio geral enunciado no n° 1 do art. 23° do CE/99, a justa indemnização visa «ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data» - sublinhado nosso.

    7ª.A aplicação "cega" das regras constantes do art. 25° do CE, nos casos em que a construção não é possível face às leis e regulamentos em vigor, (ou nos casos em que, sendo a construção possível, não constitua o aproveitamento económico normal) conduziria à violação do princípio geral do n° 1 do art. 23°, determinando que a indemnização não correspondesse ao valor real e corrente do bem, «de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal».

    8ª. Aliás, mesmo o n° 1 do art. 26° do CE/99, impõe que «O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor» (sublinhado nosso).

    9ª. A própria redacção da al. a) do n° 2 do art. 25° reforça a interpretação defendida, ao exigir que o acesso rodoviário e demais infraestruturas nela referidas tenham «as características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir».

    10ª. Assim, face ao actual Código das Expropriações, são inconstitucionais, por violação do princípio da justa indemnização por expropriação, as normas do n° 1 do art. 23° e n° 1 do art. 26° desse código, quando interpretadas por forma a incluir na classificação de "solo apto para a construção" solos em que, de acordo com as leis e regulamentos em vigor (no caso, em virtude da sua integração em RAN) não é permitida a construção ou esta não constitua o seu aproveitamento económico normal, expropriados para implantação de vias de comunicação.

    11ª. A interpretação das normas citadas do actual Código das Expropriações segundo a qual os terrenos integrados em RAN - expropriados com o fim de neles se implantarem vias de comunicação - podem/devem ser classificados como aptos para construção viola o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62°/2 da CRP, uma vez que conduz a que seja atribuído ao expropriado uma indemnização que ultrapassa o valor real e corrente, ou valor de mercado, distorcendo, deste modo, em benefício do expropriado, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.

    12ª. Porque assim é, na avaliação do solo integrado em RAN, deve seguir-se o laudo do Sr. Perito indicado pelo apelante, único que respeita os critérios legais e atende à realidade da área em causa, distinguindo a parte do solo de culturas arvenses da do solo de vinha em ramada.

    [...]

    19ª. A douta sentença em crise violou, entre outros, o disposto nos artigos 62° da CRP, nos arts. , 22° a 27° do CE.

  3. Por acórdão de 6 de Novembro de 2003, o Tribunal da Relação do Porto não deu razão à recorrente quanto às conclusões 1ª a 12ª das alegações, concedendo apenas parcial provimento ao recurso quanto aos valores indemnizatórios atribuídos ao terreno expropriado “com aptidão para a Construção Industrial” e “equiparado a Apto para Construção Industrial”, fixando a indemnização total a arbitrar aos expropriados em 554.096,99 euro. A decisão assentou, na parte ora relevante, na seguinte fundamentação:

    “[...] No que tange à determinação do conceito de justa indemnização, é óbvio que o legislador constitucional deixou a cargo da lei ordinária a definição dos critérios concretos que permitem, caso a caso, preencher tal conceito, por forma a ser fixado o quantum indemnizatório.

    Assim, dispõe o art.º 23° do Cód. das Exp. Na redacção supra referida, que “A justa indemnização não visa compensar o beneficio alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.

    Já na jurisprudência e doutrina anteriores ao CE aqui aplicável se defendia que, para efeito da fixação da justa indemnização, há que atender ao valor que as parcelas expropriadas têm na livre concorrência, devendo a indemnização justa corresponder ao valor que no mercado atingem as coisas equivalentes.[1]

    Esse valor de mercado ou corrente do bem expropriado continua a ser uma referência para conduzir à compensação plena dos prejuízos sofridos constitucionalmente pelo expropriado, à justa indemnização consagrada [2]

    Também o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 50/90, in DR, 1-A, de 30/3/90, decidiu que a "justa indemnização" há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização deve ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer, positiva ou negativamente, a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.

    Também Alves Correia [3] refere que “A indemnização por expropriação visa compensar o sacrifício especial suportado pelo expropriado, ou, por outras palavras, garantir a observância do princípio da igualdade que tinha sido violado com a expropriação, apresentando-se como uma reconstituição em termos de valor da posição de proprietário que o expropriado detinha" - negrito nosso.

    O mesmo é dizer - como também já sustentava o autor acabado referir (ob. e loc. cits.) – que o dano patrimonial suportado pelo expropriado só é ressarcido de forma integral e justa se a indemnização for correspondente ao valor comum do bem expropriado, ou seja, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda.

    Nos termos do art.º 38°, n.º 1, do Código das Expropriações citado, dispõe-se que não havendo acordo sobre o valor global da indemnização, este é fixado por arbitragem, com recurso para os tribunais, aos quais caberá fixar a indemnização a pagar pela entidade expropriante.

    Vejamos, então, das questões suscitadas nas conclusões das alegações da recorrente.

    Quanto à primeira questão - da classificação do solo:

    Para a determinação do valor dos bens expropriados, e portanto da indemnização devida pela expropriação, interessa conhecer o solo, classificando-o em solo apto para a construção e em solo para outros fins –art.º 25° do C.E.

    É fundamentalmente sobre a classificação do solo que se insurge a recorrente/expropriante, insurgindo-se, por consequência, contra o valor indemnizatório atribuído aos expropriados.

    Conforme se vê dos relatórios de peritagem de fls. 353 a 362 e 372 a 381, são substancialmente divergentes os valores indemnizatórios encontrados nos dois relatórios juntos: o dos Peritos nomeados pelo tribunal e pelos expropriados fixado...

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