Acórdão nº 186/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 186/2004 Processo n.º 693/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório

    No Tribunal da Comarca de -------------, em processo comum singular, foram julgados os arguidos A. e B., vindo a ser condenados: o primeiro, pela prática de dois crimes de fraude na obtenção de subsídio, nas penas de 18 meses de prisão e 80 dias de multa por cada um dos crimes, e, em cúmulo, na pena de 2 anos de prisão e 130 dias de multa à razão diária de ? 4,00, com suspensão da execução da pena de prisão pelo período de três anos; e o segundo, pela prática de três crimes de fraude na obtenção de subsídio, na forma tentada, na pena de 8 meses de prisão e 50 dias de multa por cada um dos crimes, e, em cúmulo, na pena de 18 meses de prisão e 100 dias de multa à razão diária de ? 4,00, com suspensão da execução da pena de prisão pelo período de três anos. Quanto ao pedido civil deduzido pelo INGA ? Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, foi o primeiro arguido condenado na restituição das quantias por si recebidas, acrescidas de juros à taxa legal desde a notificação do pedido.

    A sentença foi lida na audiência de 15 de Julho de 2002, tendo, finda a leitura, o mandatário dos arguidos ditado para a acta que, nos termos do artigo 399.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), dela interpunha recurso.

    A sentença foi depositada na secretaria no dia 26 de Setembro de 2002.

    A motivação do recurso deu entrada no tribunal em 15 de Outubro de 2002, enviada pelo correio com carimbo do precedente dia 14.

    Após várias vicissitudes, o recurso foi admitido por despacho de 6 de Dezembro de 2002.

    Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Coimbra, o respectivo representante do Ministério Público, no visto inicial, suscitou a questão prévia da rejeição do recurso, nos termos conjugados dos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do CPP, por falta de apresentação da motivação, por entender que esta devia ter sido apresentada no prazo de 15 dias contados da data da interposição do recurso para a acta (artigo 411.º, n.º 3, do CPP), e não da data do depósito da sentença na secretaria.

    Notificados os recorrentes, estes responderam, sustentando o desatendimento da questão prévia suscitada e aduzindo que outra interpretação do artigo 411.º diversa da por eles defendida (no sentido de que o prazo de apresentação da motivação se conta da data do depósito da sentença na secretaria) seria violadora da Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente do direito ao recurso, consagrado no seu artigo 32.º, n.º 1.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Maio de 2003, foi o recurso rejeitado, com base na seguinte argumentação:

    ?Estatui o artigo 411.º do Código de Processo Penal:

    1. O prazo para interposição do recurso é de quinze dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em acta, o prazo conta-se a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente

    2. O recurso de decisão proferida em audiência pode ser interposto por simples declaração na acta.

    3. O requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso. Se o recurso for interposto por declaração na acta, a motivação pode ser apresentada no prazo de quinze dias, contado da data da interposição.

    4. ...

    5. ...

    6. ...

    Da lei decorre, sem margem para dúvidas, nos casos aplicáveis à sentença, como é o presente, que:

    ? uma coisa é a interposição de recurso, outra é a motivação do mesmo;

    ? se pode interpor recurso no prazo de 15 dias, contado do depósito da sentença na secretaria;

    ? podendo interpor-se logo por declaração na acta da audiência;

    ? por sua vez as motivações devem acompanhar a interposição do recurso, excepto se o mesmo foi interposto por declaração na acta, caso em que devem ser apresentadas no prazo de 15 dias, contado da data da interposição.

    Assim sendo, não há qualquer apoio legal para se entender que as motivações de um recurso interposto na acta podem ser apresentadas nos 15 dias após o depósito da sentença na secretaria. A data deste depósito releva apenas para a interposição do recurso. E é desta que depende a data da apresentação das motivações.

    Ora, se os arguidos interpuseram recurso na acta, no dia 15 de Julho (de 2002), os 15 dias para apresentarem as respectivas motivações terminavam no dia 29 de Setembro (16 de Julho a 14 de Setembro, férias judiciais) que recaiu num Domingo, pelo que o último dia foi o de 30 de Setembro. Os dias subsequentes, previstos no artigo 145.° do Código de Processo Civil, foram os de 1, 2 e 3 de Outubro.

    A remessa das motivações no dia 14 do mesmo mês foi, obviamente, extemporânea.

    *

    Nem se argumente que não faria sentido decorrer o prazo de apresentação das motivações antes do pagamento das guias, já que este é apenas uma das condições da admissão do recurso, para além da condição da tempestividade das motivações que é o que está em causa.

    Nem há que colocar aqui a questão do prolongamento do prazo devido à transcrição, referido no artigo 698.°, n.º 6, do Código de Processo Civil (que uniformemente neste tribunal se tem decidido como não aplicável), já que os recorrentes não impugnam a matéria de facto nos termos do artigo 412.°, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.

    Por outro lado, os recorrentes não demonstraram, nem sequer invocaram, qualquer razão objectiva para fundamentar o justo impedimento. A única coisa que alegaram foi uma claramente errada interpretação das normas legais.

    *

    Na sua resposta ao parecer do Ministério Público nesta Relação, os recorrentes alegam que o Juiz se limitou a ler uma súmula da sentença na audiência e que sem a sentença, depositada, não se pode motivar um recurso.

    Em primeiro lugar, não é isso que resulta da acta (fls. 612). Aí consta que «foi proferida a sentença, tendo a mesma sido notificada a todos os presentes que disseram ficar em tudo cientes». E a sentença tem a data do dia da leitura: 15 de Julho de 2002.

    E não se descortina razão para ter havido apenas uma súmula da sentença, já que o julgamento teve início no dia 11 de Janeiro de 2002 (fls. 494), teve a última sessão em 10 de Abril de 2002 (fls. 585), designou-se a leitura da sentença para 10 de Maio de 2002, depois para 28 de Maio de 2002, depois, ainda, para 21 de Junho de 2002 e, finalmente, para o dia 15 de Julho de 2002.

    Depois, se isso fosse assim, deveriam os recorrentes ter alegado tal facto e dele retirar as consequências, invocando o impedimento de motivar. Como vimos, não o fizeram.

    Finalmente, não se compreende que apenas com base numa súmula de uma sentença se tenha desde logo recorrido. Se é certo que para recorrer não é necessário ter o texto da sentença, já não se compreende que se recorra sem saber do que se recorre. Se se recorre é porque se não concorda com a decisão e (ou) seus fundamentos. E para não concordar é necessário conhecê-los.

    Não há qualquer «armadilha». Os arguidos é que optaram por recorrer quando o fizeram, podendo não o fazer então. E não se mostrava qualquer necessidade de obstar (como, dizem, ser esse o fundamento da possibilidade de recurso para a acta) à aplicação de qualquer medida de coacção.

    O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a questão (Acórdão n.º 260/2002, Diário da República, II Série, de 24 de Julho de 2002), admitindo que, no caso como o dos autos, o recorrente poderá juntar as motivações no prazo de recurso havendo lapso objectivamente desculpável.

    Não é, claramente, o caso.

    *

    E sem motivações apresentadas no prazo legal, o recurso deve ser rejeitado, nos termos dos artigos 411.º, n.º 3, 414.°, n.º 3, e 420.°, n.º 1, do Código de Processo Penal.?

    Contra este acórdão interpuseram os recorrentes o presente recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade ? por violação do direito de acesso ao direito e à justiça e do direito ao recurso, consagrados nos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da CRP ? da norma do artigo 411.º, n.º 3, do CPP, interpretada no sentido de que a motivação do recurso deve ser apresentada, no caso de recurso interposto para a acta, no prazo de 15 dias, independentemente de ter sido depositada, ou não, a sentença na secretaria.

    No Tribunal Constitucional, os recorrentes apresentaram alegações, concluindo:

    ?A ? O juiz de 1.ª instância proferiu por súmula a decisão condenatória.

    B ? Aos arguidos é permitido a interposição imediata do recurso da sentença, sem que a mesma tenha sido depositada na secretaria.

    C ? O prazo para a motivação de recurso só pode ser contado a partir da data em que a decisão já recorrida se encontra depositada na secretaria.

    D ? Pois só a partir desse momento é que os arguidos conhecem a totalidade da decisão, bem como dos seus fundamentos.

    E ? É, pois, natural que os arguidos tenham desde logo uma opinião contrária à decisão proferida, mas só com o acesso à totalidade da sentença tenham a argumentação suficiente para motivar o recurso imediatamente interposto.

    F ? Não faz qualquer sentido, pois, o recurso à figura do justo impedimento.

    G ? Primeiro, porque o mesmo é objectivamente impossível de determinar quanto ao seu início.

    H ? Segundo, porque isso seria colocar nas mãos de um juiz o direito quase discricionário para a efectivação do exercício de um direito constitucionalmente garantido, como é o direito ao recurso.

    I ? Sendo assim que a interpretação do artigo 411.º, n.º 3, do CPP que serve de apoio ao douto acórdão agora recorrido traduz-se na violação dos artigos 20.º e 32.º, n.º 1, da CRP, na medida em que impede o exercício por parte do arguido do seu direito de acesso à justiça e o direito de...

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