Acórdão nº 86/04 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 86/2004 Processo n.º 351/03 Plenário

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, no Plenário

do Tribunal Constitucional:

  1. A., instaurou no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto processo de execução de sentença, devidamente identificado nos autos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 146º do Código de Processo e de Procedimento Tributário e no artigo 102º da Lei Geral Tributária.

    Para o efeito, alegou ter obtido ganho de causa nos autos de impugnação judicial que vieram a ser julgados pelo acórdão de 31 de Janeiro de 2001 do Supremo Tribunal Administrativo, que anulou o acto de liquidação de emolumentos do registo comercial, relativos a inscrição de uma emissão de obrigações, cobrada pela Conservatória do Registo Comercial do Porto; e que, portanto, lhe devia ser restituída a quantia de Esc. 90.012.000$00, acrescida de juros legais desde 25.10.95 até integral reembolso.

    Invocou ainda ter-se esgotado o prazo de execução espontânea sem que a Administração tivesse cumprido o julgado ou, sequer, tivesse respondido ao requerimento que apresentou solicitando esse cumprimento, nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.

    Assim, concluiu pedindo que fosse declarada a inexistência de causa legítima de inexecução e que se determinasse ao Estado, através do Director-Geral dos Registos e do Notariado, o pagamento imediato do montante a restituir, acrescido dos juros de mora devidos.

    Na resposta de fls. 22, o Director-Geral dos Registos e do Notariado veio opor-se, dizendo, para o que agora interessa, o seguinte:

    ?2.º A Lei n.º 85/2001, de 04 de Agosto, que consubstancia a primeira alteração à Lei nº 30-C/2000, de 29 de Dezembro, «Orçamento do Estado para 2001», estabelece no artº 10.º, nº3, que ?As tabelas emolumentares a aprovar nos termos do número anterior [alteração, ao abrigo de autorização legislativa, no sentido da conformação ao disposto na Directiva nº 69/335/CEE, do Conselho, de 17 de Julho, e adaptação das demais em conformidade com o princípio da proporcionalidade da taxa ao custo do serviço prestado] aplicam-se aos actos registrais e notariais cuja anterior liquidação emolumentar tenha sido anulada por sentença judicial transitada em julgado?.

    E acrescenta, no nº 4 do mesmo artigo, definindo o conteúdo do dever de executar, que ?No prazo de 30 dias, contados da entrada em vigor das tabelas previstas no nº 2, serão integralmente executadas as sentenças anulatórias dos actos de liquidação, mediante a restituição da quantia paga, deduzida do valor correspondente aos emolumentos devidos nos termos das novas tabelas, e da parcela correspondente à participação emolumentar dos funcionários dos registos e notariado.?

    Deve, por conseguinte, reconhecer-se que ? actualmente ? não existe causa legítima de inexecução.

    II ? Conteúdo do dever de executar e prazo para o seu cumprimento.

    1. - O conteúdo do dever de executar e a restituição dos emolumentos liquidados resulta, como acima se referiu, do disposto no nº 4 do artº 10º da Lei nº 85/2001: restituição da quantia paga, deduzida do valor correspondente aos emolumentos devidos nos termos das novas tabelas, e da parcela correspondente à participação emolumentar dos funcionários dos registos e notariado.

    2. - A sentença apenas poderá ser executada quando entrarem em vigor as tabelas a que atrás se aludiu. Uma vez que estas estejam em vigor, deverá ser executada no prazo de 30 dias.?

    A requerente, a fls. 28, veio insistir na inexistência de causa legítima de inexecução e afirmar que ?qualquer alteração do valor a restituir à Requerente, em sede do presente processo de execução de sentença, implicaria necessariamente uma modificação do decidido no processo de impugnação e significaria o desrespeito por sentença transitada em julgado?.

    Por sentença de 20 de Março de 2002, de fls. 77, foi declarada a inexistência de causa legítima de inexecução. O tribunal entendeu, então, que estava em causa uma questão ?de extrema simplicidade, pois, nos termos do art. 6º n.º 5 [do Decreto-Lei n.º 256-A/77], quando a execução consistir no pagamento de quantia certa, não é invocável causa legítima de inexecução?.

    Explicitando em que consistia a execução, o tribunal observou que ?o conteúdo do dever de executar não deriva do disposto no n.º 4 do art. 10º da Lei n.º 85/2001 mas do próprio trânsito em julgado da sentença em execução, quer por força de preceitos constitucionais [arts. 205º n.º 2 e 266º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (...), quer da lei ordinária (art. 95º da LPTA)?.

    Entendendo útil, no entanto, analisar a referência à Lei n.º 85/2001, o tribunal considerou que a apreciação das questões suscitadas pelo seu artigo 10º, n.ºs 3 e 4 ?? designadamente ao nível da sua (in)constitucionalidade e da interpretação e aplicação das leis no tempo ?, não cabe no âmbito deste processo mas apenas aquando (e na medida em que tal venha a acontecer) duma nova liquidação, competindo então ao tribunal a declaração de nulidade dos actos praticados em desconformidade com a sentença (cf. art. 9º n.º 2 do Dec-Lei n.º 256-A/77).?

    E, acrescentando ser inconstitucional uma lei que mande desrespeitar casos julgados, a sentença afirmou que ?terá de qualificar-se como ilegal todo o acto administrativo de inexecução que só possa apoiar-se na aplicação retroactiva de normas adrede elaboradas?.

  2. Pelo citado acórdão de 31 de Janeiro de 2001, o Supremo Tribunal Administrativo concedera provimento ao recurso interposto por A., da sentença proferida no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, que negara a anulação pretendida.

    Para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se nos seguintes termos, no que agora interessa:

    ?No caso vertente está-se em presença de uma cobrança de emolumentos por inscrição no registo comercial de uma emissão de obrigações de uma sociedade anónima. Embora tal acórdão tenha sido proferido relativamente à Tabela de Emolumentos do Notariado, dele resulta claramente, como se refere no acórdão 25128 deste Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2000 que:

    ? não reveste carácter remuneratório, para efeitos do disposto no artigo 12.º, n.º1, alínea e), da Directiva 69/335/CEE, do Conselho, na redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303, uma imposição cujo montante aumenta directamente e sem limites na proporção do capital social subscrito;

    ? os emolumentos que são cobrados por funcionários públicos e são, em parte, entregues ao Estado para financiamento das missões deste, constituem uma imposição na acepção desta directiva;

    ? nos termos do artigo 10.º, alínea c), da Directiva, além do imposto sobre as entradas de capital, são proibidas as imposições devidas pelo registo ou por qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica (ponto 24 daquele acórdão).

    A inscrição que originou a liquidação de emolumentos reporta-se a um aumento do activo da sociedade, sendo por isso proibida em relação a ela a cobrança de imposições que não tenham carácter remuneratório (artigos 4° nº1 alínea c) e 12° nº1 alínea e) da Directiva 69/335/CEE) e os emolumentos cobrados são calculados nos termos do artigo 1° nº 3 da Portaria n° 883/89 de 13 de Outubro, sem que haja limite máximo, constituindo os mesmos receita do Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça inserido na Administração do Estado. Terá por isso de considerar-se ilegal a liquidação impugnada por incompatível com a Directiva referida, já que a jurisprudência do TJCE é vinculativa para os tribunais nacionais face à obrigatoriedade do reenvio por parte destes nos termos do artigo 234° (anterior artigo 177°) do Tratado de Roma. Embora o acórdão citado tenha sido proferido em outro processo e relativamente a outros emolumentos terá a sua decisão que ser transposta para o caso presente por serem idênticos os requisitos que concluíram pela incompatibilidade dos emolumentos possuidores de tais características com o direito comunitário.

    Terá pois de concluir-se que o acto impugnado sofre do vício de violação de lei pelo que deverá ser anulado, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela impugnante no seu recurso.

    *

    Em conformidade com o exposto, acorda-se em conferência neste Supremo Tribunal Administrativo em:

    - negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública;

    - conceder provimento ao recurso da impugnante, revogar a sentença recorrida e, julgando procedente a impugnação, anular o acto impugnado, declarando serem devidos juros indemnizatórios sobre a quantia liquidada e paga desde a data do pagamento até à emissão da correspondente nota de crédito ( artigo 24° n.º1 do CPT).

    Sem custas?

  3. Notificada da ?nota discriminativa da quantia a restituir à impugnante?, constante de fls. 92, na qual se procede ao abatimento de uma ?quantia devida pelo Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado?, no montante de ? 112,00, bem como da quantia de ? 25.995,83, a título de ?participação emolumentar?, a impugnante, a fls. 101, veio solicitar a declaração de nulidade da dedução da quantia a título de ?participação emolumentar?, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, e a requisição ao Conselho Superior de Magistratura de uma ordem de pagamento a seu favor no montante de ? 25.995,83, de acordo com o preceituado no artigo 12º do Decreto-Lei n.º 256-A/77.

    Respondendo, o Director-Geral dos Registos e do Notariado, a fls. 107, explicou que a referida nota discriminativa tinha sido elaborada com o objectivo de dar ?integral cumprimento? à decisão em execução e de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 10º da Lei n.º 85/2001: (...) poderá afirmar-se, salvo melhor entendimento, que a Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto, consubstanciou a criação de duas taxas (o emolumento notarial e registral e a participação emolumentar) aplicáveis aos factos tributários gerados no...

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