Acórdão nº 50/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução20 de Janeiro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 50/2004 Processo n.º 672/03 2ª Secção

Relator - Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1. No presente recurso de constitucionalidade, interposto por A., e B., foi proferida, em 19 de Novembro de 2003 a decisão sumária de fls. 871 e segs. dos autos, de não conhecimento do recurso e de condenação das recorrentes em custas. É o seguinte o texto dessa decisão:

    I. Relatório

    1. Em 6 de Julho de 2000, A., e B. propuseram, no Tribunal de Comércio de Lisboa, acção contra C., D., E., F., G., H., I., J., L. e M., para obter a condenação destes no pagamento da quantia de 25 007 474 pesetas espanholas à 2ª autora, e de 65 466 281$00 à primeira.

    Por despacho proferido em 8 de Maio de 2002, o juiz daquele Tribunal absolveu os réus da instância por, estando em causa actos tidos pelas demandantes como ilícitos e de concorrência desleal (artigos 483º do Código Civil, 195º a 197º do Código Penal, 260º, alínea i), e 266º do Código da Propriedade Industrial então vigente), o tribunal competente não ser o Tribunal de Comércio.

    Inconformadas, as demandantes agravaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 5 de Dezembro de 2002, confirmou a decisão recorrida.

    2. Ainda insatisfeitas, as demandantes recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 20 de Maio de 2003, negou provimento ao agravo, dizendo:

    ?3.- Na petição inicial, as autoras, ao procederem ao ?enquadramento jurídico? (art. 269 e ss), expressamente afirmam ?a ilicitude funda-se (i) na violação e aproveitamento indevido dos segredos relativos à actividade comercial das AA. (arts. 195º, 196º e 197º do Cód. Penal e art. 483º do CC), no desvio de trabalhadores, na apropriação e desvio de património e desvio de clientes das AA. (arts. 260º, i), e 266º do Cód. da Propriedade Industrial, relativos à prática do crime de concorrência desleal, e art. 483º, n° 1, do CC)? -art. 271º.

    Ilícitos criminais.

    Se bem que o tribunal não esteja sujeito às alegações das partes em matéria de direito (CPC ? 664º), será desta qualificação que, neste momento e respeitando a competência da secção cível do STJ, teremos de partir.

    As autoras apresentaram, como factos constitutivos da pretensão que deduziram, ilícitos criminais. Qualificados deste modo os factos que têm como relevantemente fundamentadores do pedido de indemnização que formularam.

    Contrariamente ao que se passa para a qualificação da acção, para o que apenas releva o pedido (CPC ? 4º, 2), na determinação da competência do tribunal em razão da matéria importa conhecer o objecto do processo e este é delimitado pelo pedido e pela causa de pedir, sendo que, como se referiu, a competência fixa-se no momento em que a acção é proposta.

    Em Portugal, vigora o pedido de adesão ? ?o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei? (CPP ? 71º).

    Não vem alegada matéria alguma que permita considerar estar-se presente a excepção a tal princípio [só em relação aos primeiros e a não ter sido instaurado procedimento criminal, poderiam demandar no foro cível ? CP, 198º e CPP, 72º,1 c)]. Sendo regra a adesão obrigatória, a competência é do foro criminal (LOFTJ ? 96º, 1).

    Ainda que se pudesse ou devesse considerar que o pedido de indemnização decorria não só de ilícito criminal mas também ? e com autonomia própria ? de causa passível de ser conhecida no foro cível e para a qual não devesse ou pudesse ser aplicado o princípio da suficiência do processo penal (CPP, 7º), a solução a trilhar não permitiria atribuir a competência aos tribunais de comércio.

    Com isto não se está a conhecer de questão nova, o que seria vedado sem ser exercido o direito de audiência prévia (CPC, 3º, 3) que, para o tribunal, constitui um dever de consulta.

    A questão a decidir ? competência do tribunal em razão da matéria ? mantém-se, não é nova; o que difere é a fundamentação da sua resolução, esta não é a considerada pelas instâncias. É a legalidade da decisão recorrida, pois, que continua a ser apreciada.

    4.- Não obstante, não nos escusaremos de, em linhas gerais, abordar a questão objecto do recurso tal como ela vem delineada o que, contudo, não retirará o carácter de obiter dicta ao que vier a ser referido.

    A única norma a cujo abrigo a competência poderia in casu ser decidida a favor do tribunal de comércio era a constante da al. f) do n° 1 do art. 89 LOFTJ ? «as acções de declaração em que a causa de pedir verse sobre propriedade industrial, em qualquer das modalidades previstas no Código da Propriedade Industrial».

    São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (art. 18º ? 1 ).

    Os tribunais de comércio são tribunais de 1ª instância de competência especializada [art. 64º-1 e 78º e)], cuja competência vem definida no citado art. 89º.

    Do pouco que veio a lume sobre o pensamento e vontade do legislador fica-se apenas a saber que, ao converter os tribunais de recuperação da empresa e de falências em tribunais de comércio, entendeu ter chegado ?a altura de lhes ampliar prudentemente a competência em razão da matéria? e, ao se referir a ?contencioso da propriedade industrial? não expressou o que com tal expressão se significava.

    Não podia ele desconhecer que a concorrência desleal não é um direito de propriedade industrial, um direito privativo, e que é regulada tão só como um meio específico de tutela daqueles sendo ainda que, dos factos descritos no CPI cuja prática a constitui, nem todos têm a ver com aqueles direitos, isto é, nem sempre a concorrência desleal assenta na lesão de um direito privativo como é verdade ainda que a violação de um direito privativo não consubstancia necessariamente concorrência desleal (cfr. Oliv. Ascensão in Concorrência Desleal, p. 69-73 ).

    Resulta deste apontamento não ser possível concluir ter o legislador demonstrado clara e inequivocamente a sua vontade.

    Defende alguma doutrina que a concorrência desleal, instituto autónomo em relação aos direitos privativos e não sendo ela própria propriedade industrial, não devia ter assento no CPI.

    O facto de o CPI a regular não significa que seja propriedade industrial nem por nele ter assento se pode concluir que o legislador a pretendeu incluir na expressão «... verse sobre propriedade industrial, ...» ou deva o intérprete aí incluí-la.

    E, como assinala Oliv. Ascensão (p. 265), a declaração de rectificação 7/99, de 16.02, onde mais que de rectificações se deve entender ter-se procedido a alterações, indicia, em confronto com a redacção original do citado art. 89º, que a vontade do legislador foi a de não incluir na competência dos tribunais de comércio uma tal matéria.

    Quando a questão relacionada com a concorrência desleal surgir em resultado de uma violação de um direito privativo, é este em si, e não aquela, o considerado, sendo causa de pedir o facto jurídico que constitui a violação do mesmo. Diversamente, será se a própria questão for a concorrência desleal e foi exactamente essa a que as autoras invocaram.?

    As recorrentes arguiram então a nulidade de tal acórdão e, ao mesmo tempo, requereram ?que o acórdão final a proferir [fosse] objecto de julgamento ampliado?, concluindo a pedir que:

    ?1º Seja declarada a nulidade por omissão consistente na audiência prévia do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do art. 107º, n.º 1, do CPC, anulando-se consequentemente o Douto Acórdão já proferido (arts. 107º, n.º 1, 201º, n.ºs 1 e 2, 203º, n.º 3, 205º, n.º 1, todos do CPC);

    1. Seja declarada a nulidade, por omissão de pronúncia, do Douto Acórdão recorrido por não haver fixado o tribunal competente (art. 668º, n.º 1, al. d), aplicável ex vi arts. 762º , n.º 1, 749º, 716º, n.º 1, todos do CPC);

    2. Uma vez declaradas as nulidades, sejam os autos conclusos a Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nos termos e para os efeitos do art. 732º-A, n.º 1, do CPC.?

    Por acórdão de 8 de Julho de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação com base: na junção atempada de parecer do Ministério Público (fls. 810-813 dos autos); na definição do tribunal competente na anterior decisão (ao ter decidido que esse era o que o Tribunal da Relação assim tivesse...

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