Acórdão nº 41/04 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2004

Data14 Janeiro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 41/2004

Proc. nº 375/2003

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A., B. e C. foram condenados pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal por 29 contra-ordenações previstas na alínea h) do artigo 211º do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro), com referência ao disposto no nº 2.1 conjugado com o nº 4, ambos da Instrução nº 88/96 do Banco de Portugal (violação do limite de risco) e numa contra-ordenação prevista na alínea i) do referido artigo 211º, com referência ao disposto no artigo 85º, nº 1 do mesmo diploma. As coimas e sanções acessórias em que os recorrentes foram condenados foram as seguintes:

    a) A. foi condenado em três coimas de 250.000$00, 24 coimas de 450.000$00, 1 coima de 500.000$00 e 2 coimas de 550.000$00 e, em cúmulo, na coima única de 6.500.000$00 e na sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de 6 anos;

    b) B. e C. foram condenados em 3 coimas de 200.000$00, 24 coimas de 300.000$00, 1 coima de 350.000$00 e 2 coimas de 400.000$00, e, em cúmulo, na coima única de 4.500.000$00 e na sanção acessória do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras por um período de 4 anos e seis meses.

    Desta decisão interpuseram os ora recorrentes recurso para o Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, o qual manteve integralmente as condenações decididas pelo Conselho de Administração do Banco de Portugal.

    Posteriormente, vieram os arguidos a recorrer dessa sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando várias questões de constitucionalidade, nos seguintes termos:

    3.5. Ora, a norma sancionatória ? alínea h) do artigo 211° e artigo 99° do RGICSF ? é uma norma ?em branco?, que, para a definição do tipo, remete para outras normas e que, neste caso, seriam as constantes de avisos do Banco de Portugal (cfr. artigo 99°) e não para avisos do Ministro das Finanças, como é o Aviso n° 10/94, nem para instruções do Banco de Portugal.

    3.6. O que se passa, pois, é que a norma sancionadora da contra-ordenação em causa contém na definição do respectivo tipo o reenvio ?em branco? para disposições administrativas de conteúdo regulamentar.

    3.7. Tal reenvio não respeita o princípio da tipicidade e da legalidade, que também vigora no âmbito das contra-ordenaçães.

    3.8. E ainda menos tais princípios seriam respeitados se ? como pretendem a acusação e a decisão recorrida ? viessem a relevar para a definição do tipo da contra-ordenação em causa simples instruções do Banco de Portugal que não os avisos a que alude o artigo 99º do RGICSF, com o que se excederia claramente o conteúdo admissível da remissão prevista na norma sancionadora.

    8.3. A fixação dos limites da sanção entre 200.000$00 e 200.000.000$00, sem quaisquer outras referências ou marcas individualizadoras, viola os referidos princípios, deixando nas mãos da Administração uma excessiva latitude na fixação da sanção, que, assim, se torna arbitrária e excessivamente dependente de critérios de mera oportunidade e não de legalidade.

    9.1. A decisão recorrida aplicou a sanção acessória de inibição do exercício de cargos sociais e de funções de administração, direcção, gerência ou chefia em quaisquer instituições de crédito ou sociedades financeiras, nos termos da alínea c) do n° 1 do artigo 212° do RGICSF, que é materialmente inconstitucional, por violação do disposto no n° 4 do artigo 30°/CRP e dos nºs 1 e 5 do artigo 32°/CRP ? princípios do contraditório e das garantias de defesa ? e ainda do n° 1 do artigo 29°/CRP.

    9.2. De facto, essa disposição atribui à entidade decisora uma faculdade de aplicação das sanções acessórias, mas não define os pressupostos de que depende essa aplicação e que, assim, fica dependente de meros critérios de oportunidade e conveniência e não de legalidade.

    9.4 Acresce ainda que a disposição que impõe a imediata execução da sanção acessória viola o princípio constitucional da presunção da inocência do arguido.

    Admitido o recurso, veio o Ministério Público, junto da 1ª instância, juntar resposta nos termos do artigo 411º, nº 5, do Código de Processo Penal, na qual tirou as seguintes conclusões:

  2. Inexiste uma ?Segunda? decisão da autoridade administrativa, como bem demonstrado está logo no início da douta sentença recorrida.

  3. Nos factos dados por provados e não provados constam todos os elementos objectivos e subjectivos para a boa decisão da causa e os recorrentes têm de conformar-se com essa matéria, não se divisando alteração substancial de factos.

  4. Os arguidos não apontaram qualquer erro ou contradição nesses factos, aliás nem podiam, pois inexistem.

  5. A Mma Juiz recorrida firmou livremente a sua convicção e condenou e bem os recorrentes, não tendo os mesmos que invocar a absolvição da C.C.A.M. pelo B.P., já que foram os próprios arguidos que excluíram a ilicitude desta instituição, ao agirem em prejuízo da mesma e levando-a a um autêntico descalabro.

  6. Por tudo quanto antecede e o mais que consta da douta sentença, deverá ser negado provimento ao recurso e mantida, nos seus precisos termos, a douta decisão recorrida, que é justa, proporcional e adequada às infracções cometidas.

    No Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público, nos termos do artigo 416º, nº 1, do Código de Processo Penal, apenas apôs o seu visto.

    Foi proferido, entretanto, em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão rejeitando um recurso que fora interposto do despacho que condenara à reparação de uma irregularidade da decisão administrativa, ordenando-se o prosseguimento do processo.

    Posteriormente, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu por acórdão de 26 de Março de 2003 julgar parcialmente procedente o recurso, alterando a decisão recorrida quanto a coimas aplicáveis, decidindo, nos seguintes termos:

    a) julgar parcialmente procedente o recurso, decidindo:

    · alterar a decisão recorrida na parte em que condenou os arguidos A., B. e C. pela prática de 29 contra-ordenações p. e p. pela alínea h) do artigo 212° do Decreto-Lei n° 298/92, de 31 de Dezembro, sendo os mesmos condenados pela prática de uma única contra-ordenação prevista em tal disposição nas coimas no valor em euros correspondente a 6.300.000$00 (seis milhões e trezentos mil escudos), 4.350.000$00 (quatro milhões trezentos e cinquenta mil escudos) e 4.350.000$00 (quatro milhões trezentos e cinquenta mil escudos), respectivamente;

    · cumular essas coimas parcelares com as que foram aplicadas aos mesmos arguidos por violação da alínea i) da mesma disposição, mantendo as coimas únicas (agora convertidas em euros) de cada um dos arguidos em 6.500.000$00, 4.500.000$00 e 4.500.000$00, respectivamente;

    · no restante, manter a decisão recorrida.

    Nesse acórdão, quanto às questões de inconstitucionalidade, foi decidido o seguinte:

    Inconstitucionalidade, por infracção dos princípios da legalidade e da tipicidade, da norma que prevê como contra-ordenação a violação dos limite de risco

    13 ? Como se disse, os arguidos foram condenados pela prática de 29 contra-ordenações p. e p. pela alínea h) do artigo 211° do RGICSF, disposição que tem o seguinte teor:

    Artigo 211°

    (Infracções especialmente graves)

    São puníveis com coima de 500.000$000 a 500.000.000$00 ou de 200.000$00 a 200.000.000$00, consoante seja aplicável a ente colectivo ou a pessoa singular, as infracções adiante referidas:

    (...)

    h) A inobservância de relações e limites prudenciais constantes do n° 2 do artigo 96°, sem prejuízo do n° 3 do mesmo artigo, bem como dos artigos 97°, 98°, 100°, 101º, 109°, 112° e 113°, ou de outros determinados em norma geral pelo Ministro das Finanças ou pelo Banco de Portugal nos termos do artigo 99°, quando dela resulte ou possa resultar grave prejuízo para o equilíbrio financeiro da entidade em causa;

    Nestes autos, apenas pode estar em causa o artigo 99°, que dispõe:

    Artigo 99°

    (Relações e limites prudenciais)

    Compete ao Banco de Portugal definir, por aviso, as relações a observar entre rubricas patrimoniais e estabelecer limites prudenciais à realização de operações que as instituições de crédito estejam autorizadas a praticar, em ambos os casos quer em termos individuais, quer em termos consolidados, e nomeadamente:

    (...)

    d) Limites à concentração de riscos;

    Da conjugação deste último preceito com a mencionada alínea h) resulta, no que para o caso importa, que constitui contra-ordenação a inobservância dos limites prudenciais estabelecidos, em norma geral:

    a) pelo Ministro das Finanças;

    b) pelo Banco de Portugal, nos termos do artigo 99°,

    quando, em ambos os casos, dela resulte ou possa resultar grave prejuízo para o equilíbrio financeiro da entidade em causa.

    Entre essas normas gerais de carácter prudencial conta-se, certamente, o Aviso do Banco de Portugal n° 10/94, assinado pelo Ministro das Finanças e publicado na II Série do Diário da República, de 18 de Novembro de 1994.

    Determina o ponto 2) do n° 10° do citado Aviso que ?O Banco de Portugal definirá os limites aplicáveis em base individual às instituições pertencentes ao sistema integrado de crédito agrícola mútuo?.

    Foi ao abrigo dessa disposição, e não tendo em consideração as atribuições que lhe eram conferidas pelo citado artigo 99° do RGICSF, que o Banco de Portugal aprovou a Instrução n° 88/96, da qual resultava que, para a D. de -----------, o limite do valor de risco de cada cliente não podia exceder os 10.000 contos (nºs 2.1 e 4 da citada Instrução).

    Trata-se de norma de carácter geral, emanada do Banco de Portugal, que menciona expressamente a fonte de onde deriva o poder regulamentar. Porque esse poder regulamentar foi conferido pelo Ministro da Finanças no citado Aviso, foi utilizada a...

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