Acórdão nº 38/04 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2004
Magistrado Responsável | Cons. Mota Pinto |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2004 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 38/2004 Processo n.º 754/02 2ª Secção
Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional,
-
Relatório AUTONUM 1.A. e marido, B., propuseram acção de reivindicação com processo sumário contra C. e marido, D., relativa a prédio urbano devidamente identificado nos autos. Por sentença de 28 de Agosto de 2002, o Tribunal Judicial da Comarca de Olhão da Restauração decidiu absolver os réus do pedido e condenar os demandantes no pagamento integral das custas. Pode ler-se nesta decisão:
?(?)
O pedido dos Autores divide se em duas pretensões distintas:
- Exigência de entrega do imóvel por via de nulidade do acto que lhe subjaz.
- Exigência de indemnização por danos emergentes da não desocupação do imóvel.
A procedência da segunda pretensão depende da procedência da primeira. Mas a primeira pretensão, tal como se apresenta, improcede. Vejamos, porém.
- Na verdade, os Autores invocam a nulidade formal do acto, por não haver sido vertido em escritura pública, tudo ao abrigo do artigo 7º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano, na redacção vigente ao tempo do contrato [Janeiro de 1999], e dos artigos 220º e 285º e seguintes do Código Civil.
- À data, porém, da instauração da acção, havia entrado já em vigor a nova redacção do referido artigo 7º, conferida pelo Decreto-Lei n.º 64-A/00, de 22 de Abril, segundo a qual ?o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito?. Tão-somente. Aliás, o mesmo diploma revoga, do mesmo passo, as alíneas l) e m) do n.º. 2 do artigo 80º do Código do Notariado, que exigia precisamente a forma de escritura pública para os contratos de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal, integrando-se claramente nesta categoria (para comércio e indústria) o contrato prometido celebrar.
- Logo, o contrato promessa dos autos tem valor de contrato de arrendamento. E isto, não por abusiva aplicação retroactiva da lei, mas precisamente pela razão contrária: a nova redacção visa não somente conferir mais agilidade à celebração de contratos daquele tipo, mas ainda, e também, tornar legais, válidos e regulares os contratos daquele mesmo tipo que ainda não estivessem reduzidos a escritura pública.
- É certo que, no plano puramente dogmático, poderá sempre colocar-se a questão dos contratos promessa que tenham sido queridos como tais, isto é, relativamente aos quais não tenha havido qualquer acto integrável no cumprimento do contrato prometido, ou seja, do contrato a celebrar, e então poderia dizer-se que não existia qualquer vínculo contratual, ou que este era de considerar extinto, por não ter sido celebrado o contrato, ainda que por escrito meramente particular, sem que houvesse de parte a parte qualquer acto de execução deste último.
- Sucede, porém, que no caso vertente o que viria a ser o contrato prometido foi de imediato posto em execução: houve (e há) ocupação e utilização do imóvel, houve pagamentos e, precisamente, os Autores reivindicam ? e bem ? a realização de pagamentos em falta. Isto para além de que o conteúdo a atribuir ao contrato prometido coincide claramente com o do contrato-promessa. Prevalece, pois, o princípio da conservação dos negócios jurídicos que, informando o mencionado Decreto-Lei n.º 64-A/00, de 22 de Abril, se mostra de há muito consagrado na lei portuguesa, maxime nos artigos 292º e 293º do Código Civil.
- Daí que tenhamos em presença, não uma situação jurídica assente num contrato nulo por falta de forma, mas antes um contrato de arrendamento para comércio e indústria lavrado em forma escrita, e por isso válido nos termos expostos.
- Chegados a este ponto, no entanto, quid juris? Será agora de aplicar o disposto no artigo 265°-A do Código de Processo Civil? Para tanto, haveria a acção de passar a acção de despejo, com todas as suas especificidades, com alteração do pedido e da causa de pedir fora dos limites que lhe são impostos pelos artigos 272° e 273° do Código de Processo Civil. Na realidade, teriam os Autores de propor uma acção inteiramente nova, com novos e apropriados trâmites nesta fase de decisão Estaríamos perante um recomeço, cujas vantagens não vislumbramos, quer no plano substancial, quer no plano processual.
- Por isso, e sem mais, improcederá a pretensão de declaração da nulidade do negócio com entrega do imóvel.
Vejamos agora o pedido de indemnização.
(?)
- Cotejando o valor mensal das rendas não pagas (?) com o valor mensal das rendas que os Autores perceberiam (?) verifica-se que o valor que os Autores têm efectivamente a haver é superior (?) àquele que hipoteticamente poderiam receber. Isto é, tal como os próprios Autores colocam a questão, o mero cumprimento pelos Réus das obrigações decorrentes do contrato proporcionar-lhes-á um benefício superior àquele que, segundo sustentam e se provou, poderia ter-lhes advindo. Logo, não se verifica o prejuízo invocado pelos Autores, ou melhor, a provada susceptibilidade de obtenção dum valor menor não constitui prejuízo, porque o dano efectivamente causado pelos Réus consiste na falta de pagamento das rendas, que suplanta o prejuízo invocado e provado, e que os Autores não pediram
Por tais razões, e pelas que já ficaram expostas, também o pedido de indemnização improcede na íntegra.?
AUTONUM 2.Inconformados com esta decisão, os demandantes vieram então interpor o presente recurso de constitucionalidade, ?nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 70º e n.º 2 do art.º 75º-A da L[T]C?, para apreciação da ?inconstitucionalidade da norma do art.º 7º do Dec.-Lei n.º 64-A/00, de 22 de Abril, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida?, pois ?tal interpretação viola o artigo 12º do Código Civil?, acrescentando ainda que ?os recorrentes, não tiveram oportunidade de suscitar a questão da inconstitucionalidade ?durante o processo? atendendo a que este se resumiu à petição inicial e sentença, apenas o tendo feito agora pela primeira vez, dado que a interpretação dada à norma na decisão recorrida ? sentença ? foi totalmente imprevisível, não podendo os recorrentes contar razoavelmente com a sua aplicação.?
Concluso o processo ao relator no Tribunal Constitucional, foi proferido por este despacho-convite para os recorrentes ?indicarem a norma ou interpretação normativa, devidamente enunciada, que pretendem ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, bem como a norma ou princípio constitucional que consideram violado.? Em cumprimento do ordenado, os recorrentes vieram dizer o seguinte:
?A norma em questão é a do art. 7º do Regime de Arrendamento Urbano, na redacção conferida pelo Decreto Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, que determina que o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.
A sentença extrai a conclusão de que a menor exigência em matéria de forma aproveita a todos os contratos nele previstos, mesmos os celebrados à luz do anterior regime, assim convalidando negócios que, de outro modo, seriam nulos.
(...)
Fez-se uma errada interpretação do art.º 7º do Regime de Arrendamento Urbano, na redacção conferida pelo Dec.-Lei n.º 64-A/00, de 22 de Abril, violando-se assim o princípio da não retroactividade das leis constante no artigo 12º do Código Civil, que não tem natureza constitucional.
(...)
A retroactividade é uma solução legislativa que necessita de se compatilibilizar com os valores constitucionais e nunca uma solução absolutamente disponível pelo legislador ordinário. As limitações constitucionais à retroactividade hão-de ser compreendidas a partir da prevalência, em certas situações, dos valores de segurança, da igualdade e da protecção dos direitos fundamentais relativamente aos interesses prosseguidos pelas normas retroactivas (cf. Acórdãos n.ºs 5/84 e 86/84, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2º vol., págs. 239 e segs., e 4º vol., págs. 81 e segs., respectivamente).
Todavia, onde não existirem especiais razões para afastar o conceito de retroactividade adoptado pelo Código Civil, ele será constitucionalmente adequado, por exprimir uma linguagem jurídica comum, tendencialmente válida em todos os sectores do ordenamento jurídico (no sentido de o art. 12º do Cód. Civil, embora não estando inserido na Constituição, funcionar como uma autêntica bitola profunda da ordem jurídica).
Deste modo, são os princípios constitucionais da igualdade e da segurança que se consideram violados.?
AUTONUM 3.Determinada a produção de alegações, os recorrentes vieram concluir as suas da seguinte forma:
?I ? De acordo com o disposto no artigo 6º do D.L. preambular ao RAU, as regras constantes dos artigos 7º e 8º do RAU só se aplicam a contratos celebrados a partir de 15 de Novembro de 1990, data da sua entrada em vigor (cfr. artigo 2° do mesmo DL preambular).
II ? O art. 7º do RAU só se aplica para futuro.
III ? Na sua redacção originária, o art. 7º do RAU no seu n.º 2, al. b), exigia a celebração por escritura pública dos arrendamentos para comércio, indústria ou profissão liberal.
IV ? Esse artigo foi objecto de modificações, introduzidas pelo DL n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, entrado em vigor em 1 de Maio de 2000, o qual veio dispensar os contratos de arrendamento aí previstos de celebração por escritura pública.
V ? O novo regime de forma só se aplica, todavia, a contratos celebrados a partir de 1 de Maio de 2000, de acordo com a regra geral vigente nesta matéria (art. 12º, n.º 2, 1ª parte, do CC).
VI ? Carecendo, ao tempo em que foi feito ? 1 de Janeiro de 1999 ? o contrato de arrendamento comercial dos autos de escritura pública, a celebração do contrato sem essa formalidade importa a sua nulidade.
VII ? Na falta de norma legal em sentido diverso, parece-nos que não se poderá assacar ao DL n° 64 A/2000 o efeito de convalidar contratos, até então inválidos.
VIII ? E é esta solução que normalmente resulta do sistema do art. 12º CC.
IX ? O Mm.º Juiz ?a quo? ao decidir de forma diversa, ou seja, ao extrair a conclusão de que a menor exigência em matéria de forma aproveita a todos os...
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