Acórdão nº 654/05 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução16 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 654/2005

Processo n.º 177/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira

ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

  1. A. e B. foram acusados pelo Ministério Público em processo comum, para julgamento em tribunal colectivo, como “co-autores de um crime de burla agravada p.p. nos termos do artigo 313º n.º 1 e 314º alínea c) do Código Penal – actual artigo 217º n.º 1 e 218º n.º 2 alínea a) – em concurso com um crime de falsificação de documentos transmissível por endosso, p.p. nos termos do artigo 228º n.º 1 alínea b) e n.º 2 do mesmo diploma – actual 256º n.º 1 alínea b) e n.º 3”.

    Por despacho de 31 de Janeiro de 1997, os arguidos foram declarados contumazes, sendo suspenso o processo até que se apresentassem ou fossem detidos, nos termos do artigo 336º do Código de Processo Penal, na redacção então em vigor.

    A 30 de Novembro de 2004, vieram requerer que o procedimento criminal fosse declarado extinto, por prescrição, nos seguintes termos:

    "A. e B., ambos com domicílio no Largo …, freguesia de S. Victor, da cidade de Braga, vêm ao processo crime identificado em epígrafe, dizer e requerer o seguinte:

    Os Arguidos encontram-se acusados pela prática, como co-autores, de um crime de burla agravada p. e p. nos termos dos art. 313º, n° 1 e 314° al. c) do Código Penal de 1982, actual art. 217° e 218°, n° 2, al. a) na redacção introduzida pelo DL 48/95 de 15 de Março, em concurso com um crime de falsificação de documento transmissível por endosso, p. e p. nos termos do art. 228°, n° 1 al. b) e n° 2 do CP de 1982, actual art. 256°, n° 1, al. b) e n° 3, na redacção introduzida pelo DL 48/95 de 15 de Março, por factos ocorridos no início do ano de 1993.

    Os Arguidos foram declarados contumazes, tendo sido publicado o respectivo anúncio no dia 3 de Fevereiro de 1997.

    Os factos constantes da acusação, a terem sido praticados, foram-no antes da entrada em vigor do Código Penal, na redacção introduzida pelo DL 48/95 de 15 de Março.

    O prazo de prescrição do procedimento criminal, no caso em apreço, é de cinco anos para o crime de falsificação e de dez para o crime de burla agravada e não se verificaram quaisquer factos que o interrompessem ou suspendessem, nos termos dos arts 119° e 120° do CP de 1982.

    No domínio da vigência deste diploma legal, legislação aplicável aos factos em alusão, a declaração de contumácia não tinha qualquer valor interruptivo ou suspensivo do prazo prescricional do procedimento criminal, uma vez que este instituto lhe era completamente desconhecido.

    Aliás, se assim não fosse não haveria necessidade, na reforma do CP ocorrida em 1995, de consignar expressamente tal efeito à declaração de contumácia.

    Acresce que, as causas de suspensão e interrupção do procedimento criminal não podem ser integradas por analogia ao Código de Processo Penal de 1987 por inconstitucionalidade orgânica (Cfr. Ac TRP de 10/10/2001 e Ac. TRP de 24/01/2001 em www.dgsi.pt), sendo certo que da autorização legislativa para a reforma do Código de Processo Penal ocorrida em 1987 não se vislumbra qualquer autorização para comutar o regime penal das causas de suspensão ou interrupção do prazo de prescrição do procedimento criminal.

    Deste modo, não é constitucionalmente lícito, e como tal tem vindo a ser entendido pelo Tribunal Constitucional – Ac. 205/99 de 7 de Abril, Ac. 122/00 de 23 de Fevereiro, 483/2002, publicados, respectivamente, no DR, II série de 5/11/99, 6/6/00 e 10/1103, respectivamente –, que se possa extrair do art. 336° do CPP de 1987 (actualmente arts 335° e 337°) a instituição de uma causa de suspensão do procedimento criminal.

    Embora o art. 119º do CP de 1982 consagrasse que a prescrição do procedimento criminal ocorria "para além dos casos especialmente previstos na lei, o instituto da contumácia expresso no art. 336° do CPP de 1987 – "suspensão dos termos ulteriores do processo" – tinha apenas dimensão processual e em caso algum se referia expressamente que determinava a interrupção ou suspensão da prescrição do procedimento criminal.

    De resto, a interpretar-se de forma diversa este preceito legal violar-se-ia de forma clara e inequívoca os princípios da legalidade e tipicidade e, consequentemente, os art.s 2°, 20°, n° 4, 27°, n° 1, 29°, n.s 1 e 3, 30°, n° 1 e 32° nºs 1 e 2 da CRP.

    Por outro lado, a causa de interrupção prevista na al. d) do art. 120° do CP de 1982 não pode ser equiparada à declaração de contumácia, sob o pretexto de a omissão desta dentre as causas de interrupção da prescrição, constituir uma "lacuna insusceptível de ser preenchida" (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Editorial Notícias, 1993, pág. 710), sob pena de violar o art. 29°, n.º 1 e 3 da CRP.

    Além disso, a declaração de contumácia e a marcação de dia para julgamento de Arguidos ausentes, não são equiparáveis, pois são actos processuais com sentidos totalmente diversos.

    Por um lado, a marcação de julgamento no processo de Arguidos ausentes não impedia a realização do julgamento e a sua eventual condenação à revelia.

    No entanto, a declaração de contumácia implica a não realização de julgamento e a suspensão dos ulteriores termos do processo até à apresentação do Arguido a juízo.

    Neste sentido foi proferido pelo Tribunal Constitucional o Ac. 412/03 (DR,II,5/2004, p. 2152) que declarou inconstitucionais os artigos 335° e 337° do CPP conjugados com o art. 120º, n° 1 alínea d) do CP de 1982 (redacção originária) por violação do art. 29°, n.º 1 e 3 da CRP na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada, como causa de interrupção do procedimento criminal, à marcação de dia para julgamento em processo de ausentes.

    Sem prescindir, a entender-se, o que não se concede face ao supra exposto, que a declaração de contumácia estatuída no Código de Processo Penal de 1987 é uma causa de suspensão da interrupção do procedimento criminal no domínio do Código Penal de 1982, ou uma causa de interrupção por equiparação da contumácia ao estatuído na al. d) do art. 120° deste diploma legal, o crime de falsificação, em apreço neste autos, está prescrito, uma vez que já decorreu o prazo normal da prescrição acrescido de metade, ressalvado o tempo em que esteve suspenso.

    Pelo exposto, deve declarar-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal, devendo perfilhar-se o entendimento expresso, no Acórdão 412/03 proferido pelo Tribunal Constitucional e não aplicar o Assento n° 10/2000 que, não constituindo jurisprudência obrigatória, tem vindo a ser contrariado pela mais recente jurisprudência - Acórdão do Tribunal Constitucional nºs 205/99 de 7 de Abril, 122/00 de 23 de Fevereiro, 483/2002, pub1icados, respectivamente, no DR, II série de 5/11/99, 6/6/00 e 10/1/03."

    Este requerimento foi indeferido, por despacho de 10 de Dezembro de 2004, nos seguintes termos:

    “Atentos os fundamentos que constam da promoção antecedente, nomeadamente a circunstância de a jurisprudência citada do Tribunal Constitucional não ser de natureza obrigatória para os tribunais judiciais, e ainda o entendimento perfilhado pelo Assento n.º 10/2000 do S.T.J., indefere-se o requerido pelo arguido”.

    Da promoção para a qual o despacho remete consta, para o que agora releva, o seguinte: “[...] nos termos do Assento n.º 10/2000 (e uma vez que a jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada não é de natureza obrigatória para os tribunais judiciais) promovo que os autos continuem a aguardar que os arguidos se apresentem em juízo pois só este é o modo de fazerem cessar o estado de contumácia”.

  2. Vieram então os arguidos recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro (LTC), pretendendo a apreciação de:

    – inconstitucionalidade material das normas contidas nos artigos 335º e 337º do Código de Processo Penal de 1987, conjugadas com o n.º 1 do artigo 119º do Código Penal de 1982 (versão originária) na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, por violação dos princípios da...

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