Acórdão nº 517/05 de Tribunal Constitucional, 12 de Outubro de 2005

Data12 Outubro 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 517/05

Processo n.º 330/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    AUTONUM 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 20 de Junho de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade por ele interposto e condená-lo em custas, com seis unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:

    1. Por acórdão tirado em conferência, a 25 de Outubro de 2004, o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu negar provimento ao recurso interposto por A. do despacho do Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Braga que, no âmbito do processo de inquérito instaurado contra B., não pronunciou a arguida pelo crime de que vinha acusada. Consequentemente, confirmou a decisão recorrida. Pode ler-se nesse aresto:

    (...)

    Como se sabe, o juiz profere despacho de pronúncia se tiverem sido recolhidos indícios suficientes da prática de um crime pelo arguido (cfr. art.º 308.°, n.º 1, do CP), ou seja, se dos autos resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança (art.º 283.°, n.º 2).

    Pois bem, o Mm.º Juiz a quo considerou não existir essa possibilidade. E bem, como passaremos a demonstrar.

    Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública - cfr. ac. da Relação de Lisboa, de 6.2.96, CJ, I, 156.

    No entanto, vem-se entendendo, unanimemente, que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.ºs 180.° e 181.° do Código Penal, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa (uma vez que os crimes de difamação e de injúria são crimes de perigo).

    Como escreveu Beleza dos Santos “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível (...)” – v. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 92.°, pág. 167.

    Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou do bom nome alheio, aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não pode considerar difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena - ob. cit., págs. 165 e 166.

    Aliás, nesta linha, decidiu o Ac. da Relação de Évora, de 02/07/96, onde se escreveu: “Um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético – necessário à salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração” - (negrito nosso). cfr., CJ, 96, IV, 295.

    Pois bem, no caso em apreço, e sufragando, aliás, o entendimento do Ex.m.º Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, entendemos que a afirmação/pergunta em causa [Sabe que o assistente foi condenado num processo por difamação?] colocada pela arguida, na sua veste de defensora, a uma testemunha de acusação, a cuja instância então procedia, no interior de uma sala de audiências e no decurso de um julgamento crime, em que o ora recorrente tinha a veste de assistente, ainda que se tratando de uma condenação ainda sem trânsito em julgado, não constitui uma conduta eticamente reprovável, no sentido supra assinalado, a reclamar a tutela penal.

    Na verdade, face ao específico ambiente em que foi proferida, a mencionada afirmação/pergunta não tem idoneidade para atentar contra a honra e consideração do recorrente, e isto sem prejuízo de se tratar ou não de uma pergunta pertinente para o objecto do processo, designadamente para a estratégia da defesa. Mas isso já é outra coisa, e a respectiva aferição competia ao Sr. Juiz-Presidente, nos termos do art.º 323.°, al. f), do CPP.

    De resto, ainda que assim não fosse, como se nos afigura ser, não resulta sequer indiciado, como bem refere o Sr. Juiz a quo, que a arguida tivesse agido dolosamente, isto é com consciência de que a formulação da pergunta, noticiando a condenação do recorrente, nas aludidas condições de tempo e lugar, atentasse contra a honra e consideração do recorrente. De facto a pergunta em causa noticiava um facto objectivamente verdadeiro. O próprio recorrente aceita que tinha sofrido uma condenação por crime de injúria em 1.ª instância, embora a respectiva sentença ainda não tivesse transitado em julgado, sendo certo, por outro lado, que a ausência do trânsito, tudo o indicia, como bem salienta o Ex.mo Sr. Juiz a quo, era do desconhecimento da arguida.

    Concluindo, não resultando dos factos indiciados ter ocorrido ilicitude relevante para efeitos do tipo legal de crime de difamação agravado imputado à arguida (180.°, n.º 1, e 183.°, n.º 1, al. a), ambos do CP), nenhum reparo nos merece o despacho recorrido, e, por isso, o recurso tem de improceder.

    1. Notificado deste acórdão, o recorrente veio arguir a sua nulidade, nos seguintes termos:

      Como bem se transcreve no Venerando Acórdão aqui posto em causa nas conclusões h) e i) do recurso apresentado a este Colendo Tribunal para apreciação suscita-se ad cautelam a inconstitucionalidade interpretativa dos normativos contidos nos art.ºs 308.º, n.º 2, e 283.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.

      Uma tal questão de eventual inconstitucionalidade da interpretação feita por este Tribunal Superior a essas normas...

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