Acórdão nº 516/05 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Outubro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Outubro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 516/05

Processo n.º 641/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 19 de Setembro de 2005, que decidiu não tomar conhecimento dos recursos de legalidade e de constitucionalidade por ela interpostos quanto às normas dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 86.º, n.º 5, 97.º, n.º 4, 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 3, e 204.º, alínea c), todos do Código de Processo Penal, e julgar não inconstitucional a norma dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, na sua dimensão enunciativa, e, ainda, condená-la em custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:

    «1. Nos autos de Inquérito n.º 377/04.9JAPTM, que correm seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves, e nos quais figura como arguida, entre outros, A., suspeita da prática de factos susceptíveis de constituírem crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi proferido pelo Juiz de Instrução, após realização de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, em 14 de Fevereiro de 2005, despacho a decretar a aplicação àquela da medida de coacção de prisão preventiva.

    Desse despacho recorreu a arguida, mas, por acórdão tirado em conferência em 24 de Maio de 2005, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, e, consequentemente, manteve o despacho recorrido. Pode ler-se nesse aresto:

    (...)

    2. O artigo 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

    Como escreve MAIA GONÇALVES, ibidem, p. 195 e 196, “Alguns dos direitos incluídos no estatuto do arguido têm dignidade constitucional, assim sucedendo com o direito a garantias de defesa, com a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória e com o direito à escolha de defensor que lhe assista em todos os actos do processo (art.º 32.°, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP).

    O direito a garantias de defesa tem conteúdo vago, tratando-se de uma norma da CRP destinada a eivar todo o processo penal de modo a dotar os arguidos de todos os instrumentos processuais necessários para poderem contrariar a posição do MP, entidade em relação à qual existe normalmente à partida uma grande desigualdade de meios, já que o MP se encontra apoiado pelo poder institucionalizado do Estado”.

    O artigo 61.° do CPP, que versa sobre os direitos e deveres processuais do arguido, alude a que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, e salvas as excepções da lei, dos direitos de:

    a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito;

    b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte; (...)

    Mas como se respiga do Acórdão do Tribunal Constitucional de 4 de Novembro de 1987, in BMJ, 371, 160, o conteúdo essencial do princípio do contraditório está em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência nem nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar. Ao princípio do contraditório estão subordinados a audiência de julgamento e bem assim os actos instrutórios que a lei determinar (n.º 5 do art.º 32.° da CRP); daqui não decorre, porém, que tenha que haver sempre uma instrução ou sequer que seja obrigatória a existência de uma fase de instrução. Na determinação dos actos instrutórios que hão-de ficar subordinados ao princípio do contraditório, goza o legislador de grande liberdade; ele só tem que ter sempre presente que o processo criminal há-de ser a due process of law, a fair process, onde o arguido tenha efectiva possibilidade de ser ouvido e de se defender, em perfeita igualdade com o MP.

    Nesta ordem de ideias, estabelece o artigo 141.º do CPP, que não foi declarado inconstitucional, referente ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que “o juiz informa o arguido dos direitos referidos no artigo 61.º, n.º 1, explicando-lhos se isso parecer necessário, conhece dos motivos da detenção, comunica-lhos e expõe-lhe os factos que lhe são imputados”.

    Esta comunicação e exposição dos factos imputados é legalmente obrigatória, e necessária, sem o que o arguido [não] pode exercer o seu direito de defesa.

    Na verdade, prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção.

    O conteúdo do contraditório no primeiro interrogatório judicial de arguido detido deve pois referir-se aos motivos da detenção, que devem ser comunicados ao arguido, e à exposição dos factos que lhe são imputados.

    Com efeito, já o artigo 27.°, n.º 4, da Constituição da República determina que “toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível da sua prisão ou detenção e dos seus direitos”, devendo o juiz, nos termos do artigo 28.°, n.º 1, da CRP, “conhecer das causas que a determinaram e comunicá-la ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”.

    Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 416/03, de 24 de Setembro de [2003] “(...) o critério orientador nesta matéria deve ser o seguinte: a comunicação dos factos deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos comportamentos materiais que lhe são imputados e da sua relevância jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada ‘oportunidade de defesa’ (artigo 28.°, n.º 1, da CRP)”.

    As circunstâncias pormenorizadas do modo, tempo e lugar da ocorrência dos factos imputados, relativamente ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, situado em fase investigatória do processo, não são absolutamente necessárias, desde que a comunicação e exposição dos factos sejam bastantes para a oportunidade da defesa, com vista à apreciação judicial para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada.

    Tanto assim é que o artigo 283.°, n.º 1, do CPP, ao referir-se aos requisitos da acusação – peça nobre por excelência da imputação jurídico-criminal e que define a temática do objecto do processo – apenas impõe, sob pena de nulidade a “(...) narração, ainda que sintética, dos factos... incluindo, se possível, o lugar, o tempo e motivação da sua prática”.

    A natureza acusatória do processo criminal implica que esteja subordinada ao princípio do contraditório a audiência de julgamento mas, quanto aos actos instrutórios, apenas os que a lei determinar – v. art.º 32.°, n.º 5, da CRP.

    Como assinala o Ac. do Tribunal Constitucional n.º 413/2004, de 7 de Junho de 2004, in DR, II série, de 23 de Julho de 2004: «(...) no Acórdão n.º 512/98 (Diário da República, 2.ª série, de 11 de Dezembro de 1998) deste Tribunal se escreveu que “o primeiro interrogatório judicial do arguido detido” destina-se “essencialmente” [...] ao controlo da verificação dos requisitos justificativos da detenção e da subsequente eventual aplicação de alguma das medidas de coacção legalmente previstas [...]”.

    Por outro lado, como afirma o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/97, de 19 de Fevereiro de 1997, in DR, n.° 100, II série, de 30 de Abril de 1997, “Deve notar-se que, durante a fase de inquérito, em especial à medida que este vai decorrendo, se vão inevitavelmente consolidando ou enfraquecendo os indícios que motivaram a aplicação de uma medida de coacção ao arguido, por força das actividades de investigação que se vão desenrolando. (...)

    Neste quadro legal não é possível sustentar que os princípios do contraditório e da igualdade de armas imponham ao legislador que consagre, em todos os casos, um acesso irrestrito e ilimitado aos autos na fase de inquérito pelo arguido, seja para recorrer do despacho que impôs a prisão preventiva, seja para requerer a sua revogação ou substituição e, porventura, recorrer do despacho que sobre tal requerimento vier a ser proferido. De facto, as circunstâncias podem variar de caso para caso no que toca ao tipo de crime investigado e ao próprio grau de desenvolvimento das actividades de recolha da prova...”

    3. Consta do auto de interrogatório judicial que:

    “Comunicando-lhe os motivos das suas detenções, expôs-lhe os factos que lhes são imputados, concretamente a circunstância de os arguidos fazerem parte de uma organização que se dedica ao tráfico de droga, cada um com funções definidas. O arguido B. terá feito o transporte de droga que veio a ser apreendida de Lisboa para o Algarve. C. armazenava a droga (cocaína), dinheiro e objectos relacionados com a actividade de tráfico. A arguida A. procederia à venda de produto estupefaciente a terceiros entregue pela D.. Esta, companheira do ‘E.’, a pessoa que coordenaria as operações desenvolvidas reportando-se a investigação de 2004 para cá.

    Os arguidos disseram querer responder à matéria dos autos, excepto a arguida A. que preferiu, entretanto, conferenciar com o advogado.

    (...)”

    Contudo, mais tarde, no mesmo acto, a mesma arguida prestou declarações sobre os factos.

    4. Refere o despacho recorrido:

    “1. Foi cumprido o prazo a que alude o artigo 141.º do CPP.

    Os arguidos foram confrontados com a factualidade sob investigação desde Outubro de 2004, sendo certo que a actividade de tráfico é caracterizada pela complexidade. Daí as referências que foram feitas na presença de todos e na sequência de que os arguidos prestaram declarações...

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