Acórdão nº 425/05 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Agosto de 2005

Data25 Agosto 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 425/2005

Processo n.º 452/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

A – Relatório

1 – A., identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), pretendendo ver sindicada a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, do artigo 147.º do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual as formalidades dele constantes não se aplicam em audiência de julgamento.

2 – Na parte relevante para a decisão do presente problema de constitucionalidade, consta da decisão recorrida – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2005 – que:

[...]

O reconhecimento em audiência dos arguidos foi um dos meios de prova de que o tribunal se serviu para formar a sua convicção probatória - cf. fls.140 a 141, do acórdão de 1ª instância.

E a questão de direito que o arguido suscita respeita à não observância, no reconhecimento a que em julgamento se procedeu, do formalismo previsto no art. 147º do CPP, cuja infracção importa violação do seu direito de defesa.

Dispõe o n.º 1 do art. 147º do CPP que, no reconhecimento de qualquer pessoa, sendo necessário, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação da pessoa, a descrição completa e a indicação pormenorizada de todos os pormenores de que se recorda; depois, se já a tinha visto e em que condições, e, por fim, sobre outras circunstâncias que possam interferir na identificação.

De seguida, o preceito alude às dificuldades no reconhecimento, para o que descreve a metodologia a usar, no seu n.º 2; enuncia, em sequência, o n.º 3, as medidas a tomar quando a pessoa que identifica se sinta intimidada ou perturbada e não seja em audiência de julgamento, para, no seu n.º 4, cominar que o reconhecimento não vale como meio de prova, caso não obedeça ao formalismo amplamente descrito e rigorosamente exigido.

No que à prova por reconhecimento concerne, o Ac. n.º 408/89, in Acs. do TC, 13º Vol., II, 1147, sublinha que a sua importância e validade se projectam logo na fase inicial do processo, pois do que se trata é de reconhecer o verdadeiro culpado do crime; "o reconhecimento do culpado é, por isso, de importância decisiva e o resultado do reconhecimento pode, portanto, ser fatal para o arguido"; "uma vez reconhecido o erro de reconhecimento, difícil será não o repetir na audiência de julgamento, já que ele se converteu numa realidade psicológica para quem proceda ao reconhecimento"; "o auto de reconhecimento da identidade tende a merecer na prática judiciária um valor reforçado, funcionando quase como uma presunção de culpabilidade do suspeito, pelo menos na fase indiciária".

A validade do acto de reconhecimento é directamente proporcional à observância das formalidades: o acto vale assim tanto menos quanto mais seja "heterodirigido", escreve Francesco Paola, Rigognizioni, "Digesto delle Discipline Penalistiche", XII, Torino, 1997, 222.

Dada a relevância prática para a formação da convicção probatória do auto de reconhecimento e os perigos que acarreta, um reconhecimento tem que obedecer, necessariamente, para que possa valer como meio de prova, com segurança, a um rígido formalismo, definido no art. 147º do CPP, não valendo como meio de prova (n.º 4), se o infringir.

Essa não valia como meio de prova é considerada, pondera o Exmo Cons.º Maia Gonçalves, in Comentário ao CPP, ao supracitado preceito, como um "caso pontual de vício de inexistência".

Este STJ tem vindo a sufragar, de forma pacífica, o entendimento segundo o qual o reconhecimento do arguido em audiência não está sujeito ao formalismo previsto no art. 147º, do CPP, por tal apertado formalismo se restringir às fases de inquérito ou instrução, atenta a incompatibilidade entre as regras de reconhecimento naquelas e no julgamento – cf. os Acs. de 11.5.2000. in CJ-STJ, Ano VIII, T2, 190 , de 16.1.97, in Pº. n.º 54/96 - 3ª, de 1.2.96, in CJ-STJ , Ano IV, T1, 198, de 11.5.2000 , P.º n.º 75/2000 – 5ª Sec., 9.1.1997, P.º n.º 783/96 – 3ª, de 6.11.96 , P.º n.º 84/96 – 3ª e de 20.11.96, P.º n.º 788/96 – 3ª.

Se é possível descrever a pessoa enquanto autora do facto bem assim os pormenores em que o depoente funda a convicção, em inquérito ou instrução, já a reconstituição prevista nos nºs 2 e 3, do art. 147º, do CPP, é inviável, por irrepetível, ultrapassada.

No n.º 3 do art. 147º do CPP, afirma-se que se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento, e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela seja vista pelo identificando.

Donde ter de entender-se que a referência ao reconhecimento em audiência naquele n.º 3, apenas significa a possibilidade de admissão de reconhecimento como meio de prova, em tal fase, não havendo lugar, aí, à observância do formalismo descrito no art. 147º, n.º 3, do CPP, na parte em que se verificar aquele clima de perturbação.

Exprime o segmento normativo em causa que se pode lançar mão do reconhecimento enquanto meio de prova, tanto a requerimento do interessado, como oficiosamente, ao abrigo do art. 340º, do CPP, para a boa decisão da causa, em audiência de julgamento, sujeito a livre valoração, nos termos do art. 127º, do CPP, por se tratar de prova não vinculada.

A defesa, deve salientar-se, tem direito, no uso do contraditório - art. 327º, do CPP - a pôr em crise esse meio de prova, ou seja o auto de reconhecimento, advindo de fase processual anterior, do inquérito ou instrução, se nele não foram respeitadas as formalidades legais, como se decidiu, recentemente, no Ac. deste STJ, de 28.5.2003, P.º n.º 903/2002 – 3ª Sec., acessível in http://www.dgsi.pt/jstj, onde mais uma vez se acentuou que o formalismo processual do art. 147º, do CPP, não comporta aplicação em sede de julgamento.

O Ac. do TC, de 28.3.2001, n.º 137/01, P.º n.º 778/00, DR n.º 149, II Série, de 29/6, decidiu, de resto, ser inconstitucional, por violação do art. 32º, da CRP, interferindo no leque dos direitos e garantias de defesa do arguido, a norma do art. 127º, do CPP, quando interpretada no sentido de que o princípio da livre apreciação da prova consente a valoração em julgamento, de um reconhecimento do arguido sem observância de nenhuma das regras formais do art. 147º, do CPP, quando o reconhecimento se faça em inquérito ou instrução.

Em julgamento procedeu-se ao reconhecimento – fls. 6172 a fls. 6182 – através da inquirição de testemunhas (B. e C., D., E. e F.), que antes foram ouvidas pelo sistema de videoconferência, mas que compareceram pessoalmente em audiência, como consta da fundamentação depuseram sobre factos pertinentes à causa decisória, factos que a defesa teve toda a liberdade de investigar e contraditar, deixando no Colectivo, conjugadamente com outras e numerosas provas recolhidas, uma impressão sobeja e idoneamente identificativa da autoria dos factos por parte do arguido, sendo que só o C. e o D. o reconheceram como autor de factos penalmente relevantes -cf. fls. 140 do acórdão de 1ª instância.

Uma interpretação reconducente das regras do art. 147º, do CPP, à fase de inquérito e instrução, libertando da sua rigidez o Colectivo em sede de julgamento, em nada atenta contra os direitos fundamentais de defesa do arguido, primeiro porque já vem firmada a autoria dos factos e a sua identificação pessoal desde a formação da culpa, apoiada nos indícios probatórios até então recolhidos nos autos, depois, porque, não obstante essa atenuação de rigor formal, esse meio de prova, sujeito a amplo controle em julgamento, não foi o único em que se apoiou o Tribunal de 1ª instância para fundar a condenação, recorrendo a outros, após a imediação com eles, de livre valoração, nos termos do art. 127º, do CPP, não se afrontando a CRP.

Julga-se, assim, em conferência, manifestamente improcedente o recurso, que se rejeita em conferência, o que se delibera neste STJ, nos termos dos arts. 419º, n.º 4, a), e 420º, n.º 1, do CPP (...)

.

3 – Admitido o recurso interposto, nos termos supra mencionados, para este Tribunal, veio o Recorrente, em síntese conclusiva, sustentar que:

(...)

1. Os reconhecimentos realizados pelo tribunal "a quo" em audiência, não observaram o formalismo legal imposto pelos nºs 1, 2 e 3 do art. 147º do C.P.P., pelo que são nulos por força do n.º 4 mesmo preceito legal;

2. O reconhecimento é um meio de prova que consiste na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao acto;

3. Recorre-se a este meio de prova não já para introduzir ex novo um dado cognoscitivo, mas para confirmar um elemento de prova já admitido;

4. O cuidado que o legislador pôs na regulamentação do acto de reconhecimento evidencia a importância e fabilidade deste meio de prova, quando não forem tomadas as devidas precauções. Por isso que as estabelecidas na lei o são sob pena de invalidade do reconhecimento, art. 147º, n.º 4, do C.P.P.;

5. Os actos preliminares ao reconhecimento são constituídos por um conjunto de informações sobre a pessoa ou coisa a identificar, prestadas pela pessoa que deva proceder ao reconhecimento para permitir apreciar da credibilidade da identificação;

6. Assim, a pessoa que há-de proceder ao reconhecimento terá de previamente descrever a pessoa ou coisa a reconhecer, com indicação de todos os pormenores de que se recorda e sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação;

7. Se a identificação deixar dúvidas, a pessoa a identificar é apresentada juntamente com pelo menos outras duas que apresentem com ela as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, e só então são as três ou mais apresentadas juntamente à pessoa...

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