Acórdão nº 206/16.0PALGS.S1.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARTINS SIM
Data da Resolução26 de Junho de 2018
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, com o número mencionado do Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3), por acórdão de 11 de Outubro de 2017, deliberou-se: a)Condenar o Arguido AA, id. a fls 742, pela prática, em autoria material, de um crime de Tráfico de Produto Estupefaciente, previsto e punível pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro por referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; b) (…) c) Declarar perdidos a favor do Estado os produtos estupefacientes e os demais objectos apreendidos ao Arguido utilizados na prática do mesmo crime ou produto do mesmo, designadamente, os telemóveis, a balança, produtos de corte, recortes de plástico, sacos de plástico, rolo de alumínio e a quantia monetária, nos termos dos artigos 35º e 36º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; d) Determinar a destruição do supra referido produto estupefaciente, nos termos do artigo 62º, nº 6, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro; Inconformado o arguido recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:

  1. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR VALORAÇÃO DE PROVA PROIBIDA «1. O presente recurso versa exclusivamente matéria de direito e vem interposto do, aliás douto, acórdão proferido pelo tribunal “a quo” que julgando a acusação procedente, condenou o Recorrente pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do DL 15/93 de 22/01, por referência às Tabelas I-A, I-B anexas, na pena de 6 (seis) anos de prisão.

    1. Sucede que o tribunal “a quo” alicerçou a sua convicção e deu como provados, entre outros, os factos constantes nos pontos 1, 2 e 3 da matéria assente, com base nos depoimentos de testemunhas que efectuaram o reconhecimento do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, conforme melhor se explanou em sede de motivação supra e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.

    2. Estão nessa situação as seguintes testemunhas indicadas pela acusação: JN; FC; SR e JL, todas inquiridas por videoconferência; 4.Ora, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, entendemos que os reconhecimentos efectuados por estas testemunhas em audiência não podem nem devem ser valorados pelo tribunal “a quo”, uma vez que não foram respeitados nesse meio de prova os formalismos previstos no artigo 147.º do C.P.P..

    3. O reconhecimento de pessoas, como meio de prova, está previsto nos arts. 147º e 149º do Código de Processo Penal Português.

    4. Uma vez que a lei disciplina o modo como a prova por este meio deve ser admitida no processo, estamos perante um meio de prova legal e típico. Este meio de prova é utilizado, como a norma refere, “quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa”.

    5. Crucial será a sua distinção da prova testemunhal. No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05 de Maio de 2010, consultável em www.gdsi.pt, lê-se que: “Consagrado na legislação portuguesa como meio de prova com autonomia de declarações e depoimentos, o reconhecimento físico em Portugal perde a natureza de declaração ou depoimento”.

      – sublinhado nosso.

    6. As diferenças entre estas provas são tanto de estrutura, como de natureza.

    7. A prova por reconhecimento não se confunde com uma narratória; 10. Caso se entendesse que o reconhecimento seria complementar dos depoimentos, seria inútil a sua autonomização como prova nos arts. 147º e 149º e a estruturação desta de modo tão especial.

    8. Na verdade, a prova testemunhal não se encontra submetida ao formalismo legal estabelecido para a prova por reconhecimento, tanto no que diz respeito ao modo da sua realização, como quanto aos limites negativos da sua validade.

    9. Acrescentamos ainda, que a primeira é produzida em audiência e a segunda aqui examinada.

    10. No caso dos autos, na fase de inquérito não houve lugar à prova por reconhecimento nos termos prescritos e exigidos pelo a artigo 147.º do C.P.P..

    11. O art. 147º/1 do Código de Processo Penal prevê que a pessoa quem proceda à identificação deve começar por descrever a pessoa que se pretende identificar, com indicação de todos os pormenores de que se recorda (sexo, idade, estatura, cor dos olhos, cor do cabelo, deformidades, sinais, tatuagens…), não sendo confrontada presencialmente com a mesma.

    12. Quando o reconhecimento por descrição não for cabal, tem lugar o reconhecimento propriamente dito, previsto no art. 147º/2 CPP.

    13. Quando, como no caso vertente, o reconhecimento não ocorre nas fases do inquérito e da instrução há uma frequente prática nos nossos tribunais de perguntar à testemunha que esteja a prestar depoimento se reconhece o arguido presente como autor dos factos em questão.

    14. Não obstante, é necessário analisar se a identificação pela testemunha do arguido como autor dos factos criminosos, na sequência da supra-referida prática, caberá no âmbito da prova por reconhecimento e, como tal, deve ser admissível apenas quando respeitados os pressupostos legais ou se, pelo contrário, deverá esta identificação ser configurada como integrante do depoimento e, dessa forma, ser preteridas as formalidades previstas para a prova por reconhecimento.

    15. O tribunal “a quo” adoptou esta última posição, com a qual, ressalvado o devido respeito, discordamos frontalmente, até porque não encontra apoio no texto da lei.

    16. Por clarividente, passamos a transcrever parte do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Maio de 2011, onde se decide que: “com a nova redacção introduzida ao referido art. 147º CPP, ficou resolvida a querela doutrinária e jurisprudencial, sobre se o reconhecimento do arguido em sede de julgamento deveria ou não obedecer aos formalismos ali previstos (…) ficando agora sem margem para dúvidas assente que em todas as fases processuais, até mesmo em julgamento, o reconhecimento de pessoas só valerá como meio de prova quando respeitar os formalismos do art. 147º CPP”. – sublinhado nosso.

    17. Este entendimento é o único que encontra arreigo na nova redacção dada ao artigo 147.º, designadamente ao nº 7 desse preceito do C.P.P..

    18. A posição que defende que o reconhecimento em audiência não consubstancia um acto de reconhecimento mas uma mera identificação do autor dos factos pela testemunha, configurada como integrante do depoimento e, consequentemente, livremente apreciável pelo tribunal “a quo” nos termos do disposto no artigo 127.º do C.P.P.

      não encontra na letra da lei suporte legal.

    19. Ora, resulta do artº 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3). – sublinhado nosso.

    20. Decorre do nº 7 do artigo 147.º do C.P.P., que “O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.” Sublinhado nosso.

    21. Qualquer fase do processo inclui, obviamente, a audiência de julgamento.

    22. Estava por conseguinte o tribunal “a quo” obrigado a obedecer aos formalismos constantes do artigo 147.º, do C.P.P., ” em sede de audiência de julgamento, 26. O que não fez.

    23. Logo, os reconhecimentos efectuados em audiência não têm valor probatório.

    24. Destarte, e salvo o devido respeito, a prova produzida com base nesse meio de prova não pode ser valorada por força do disposto no artigo 355.º do C.P.P. uma vez que não respeitou os formalismos impostos pelo artigo 147.º do C.P.P.

    25. Salientamos, ainda, o disposto no art. 138º CPP que determina que as questões realizadas às testemunhas não devem ser sugestivas e, como Almeida Garret (GARRET, Francisco de Almeida, Sujeição do Arguido a Diligências de Prova e Outros Temas, 1ª Edição, Porto, Fronteira do Caos Editores, 2007, p.68.) clarifica: “sabendo o ‘homem médio’ que, no centro de uma sala de audiência, se ergue, como um troféu, a pessoa do arguido, a pergunta ‘olhe para trás, reconhece o autor do crime?’ não pode deixar de ser considerada manifestamente sugestiva”.

  2. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA INVESTIGAÇÃO (ARTIGO 340.º DO C.P.P.) E POR ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA (ARTIGO 410.º DO C.P.P.) 30. Em sede de contestação o arguido, aqui Recorrente, alegou além do mais que: a) Além disso, até à data da sua detenção à ordem destes autos, ocorrida em 28/01/2017, o arguido, além de outros, executava biscates de recolha de sucata, para o Sr. HS, auferindo mensalmente, cerca de € 300,00 (trezentos euros) mensais – cfr. documento nº 5 que junta.

    1. O arguido é ainda titular de uma promessa de trabalho outorgada pela empresa A… & C. – Gestão de Resíduos Lda., pessoa colectiva …, para aí exercer as funções inerentes à categoria profissional de empregado de armazém, relação laboral que terá início logo que for restituído à liberdade – cf. documento que juntou.

    2. O arguido conta com o incondicional auxílio económico dos pais e da irmã, como se constata pela leitura dos documentos que juntou.

    3. O arguido é pai da menor BB, nascida em 19/09/2014, de nacionalidade portuguesa, a quem sempre auxiliou na educação e no sustento – cfr. documentos que juntou.

    1. Sucede que o tribunal “a quo” deu tais factos como não provados, fundamentando essa decisão como segue: “quanto aos mesmos não se fez prova ou prova suficiente da sua verificação...

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