Acórdão nº 419/05 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Agosto de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução04 de Agosto de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 419/2005

Processo n.º 547/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A., melhor identificado nos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (“LTC”), pretendendo ver sindicada, por violação dos artigos 28.º, n.º 1, e 32.º, nos 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, a “inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 202º, 254º, 257º, e 141º, nº 4, todos do CPP, com a interpretação (...) [de] que, não tendo o arguido sido detido em flagrante delito, lhe pode ser imposta a prisão preventiva, quando o processo se encontra com julgamento realizado, mas a decisão ainda sem trânsito em julgado, sem que previamente o arguido seja sujeito a interrogatório judicial pelo tribunal competente, interrogatório onde se respeitem as regras previstas no artigo 141º, n.º 4 do CPP e, após tal interrogatório, a detenção, desde o inicio, classificada de prisão preventiva, seja fundadamente validada”.

2 – Perscrutando os autos, colhe-se, com relevância para o presente recurso, que:

2.1 – O Recorrente foi condenado como autor de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, no processo nº 4273/00.0TDPRT, da 1ª Vara de Competência Mista de Coimbra, na pena de 10 anos de prisão;

- Dessa decisão foi interposto recurso para a Relação de Coimbra, que por acórdão de 29-9-2004, confirmou a pena imposta;

- O Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que se encontra pendente;

- O Recorrente fora condenado na pena de 10 anos e 6 meses de prisão, e 45 dias de multa à taxa diária de 250$00, na Vara de Competência Mista de Braga, pena que englobou outras penas, aplicadas noutros processos;

- Porque em 26-3-2005 atingiu os 5/6 dessa pena, o Relator do processo em recurso no Supremo Tribunal proferiu despacho, datado de 16-3-2005, a ordenar que o arguido, preso no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, fosse desligado do processo da Vara Mista de Braga e colocado à ordem daquele processo, em situação de prisão preventiva, com o fundamento de receio de continuação da actividade criminosa;

- Em 24-3-2005, o Recorrente reagiu a esse despacho, com o fundamento de que não foi preso em flagrante delito nem sujeito previamente a interrogatório judicial, peticionando a sua imediata libertação a partir das 6h30 do dia 26 de Março, por ficar numa situação de detenção, impossível de mudar para prisão preventiva nas 48 horas seguintes (fls. 22);

- Durante as férias judiciais da Páscoa, o Exmo. Conselheiro de turno solicitou ao Tribunal Judicial de Marco de Canavezes (juiz de turno com competência sobre a comarca de Paços de Ferreira, onde se situa o Estabelecimento Prisional no qual o Recorrente se encontrava preso) a audição do mesmo «sobre as circunstâncias que entenda opor à necessidade da decretada medida de coacção de prisão preventiva», tendo o Recorrente sido ouvido pelo Magistrado Judicial;

- O Exmo. Conselheiro de turno, por despacho de 28-3-2005, indeferiu o requerimento apresentado em 24-3-2005, tendo aí consignado a legalidade da aplicação da prisão preventiva;

- O Recorrente encontra-se preso preventivamente à ordem deste processo desde 26-3-2005;

- Em 7-4-2005, o Recorrente deduziu providência de habeas corpus, tendo arguido, em requerimento superveniente, a inconstitucionalidade da “interpretação (...) dos artigos 202.º, 254.º e 257.º do CPP, no sentido de que a prisão preventiva pode ser aplicada desde que por despacho judicial sem que tenha ocorrido interrogatório judicial prévio respeitando a previsão do artigo 141.º, n.º 4, do CPP, por violação dos artigos 28.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 1 e 2, ambos da CRP”;

- Por Acórdão de 13 de Abril de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir o pedido de habeas corpus.

2.2 – Inconformado, o Recorrente argui a nulidade de tal decisão invocando, inter alia, a omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade arguida.

O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 1 de Junho de 2005, decidiu, quanto a essa matéria, que:

“(...) omissão de pronúncia sobre a arguida inconstitucionalidade

No que tange a esta questão alguma razão assiste ao Recorrente, não por desatenção dos juízes que subscreveram o acórdão, mas porque o Recorrente não levantou a questão da inconstitucionalidade no requerimento de habeas corpus e sim em requerimento superveniente, apresentado em 5-4-2005, que, por lapso da secretaria, só foi junto a estes autos já depois de proferido o acórdão.

Independentemente de se poder questionar a bondade, e quiçá a legalidade, da prática de os interessados virem suscitar questões de inconstitucionalidade em requerimentos supervenientes, para esse fim exclusivo apresentados, depois de dirigirem as suas petições ao tribunal, sem justificação para tal, iremos apreciar se ocorre a arguida inconstitucionalidade de alguns preceitos do Código de Processo Penal, extraindo daí as necessárias consequências processuais.

O requerimento de arguição de inconstitucionalidade tem a seguinte redacção:

Desde já, e por mera cautela, arguir a inconstitucionalidade da interpretação que vem sendo feita nos autos-mãe dos artigos 202º, 254º e 257º do Código de Processo Penal, no sentido de que a prisão preventiva pode ser aplicada, desde que, por despacho judicial, sem que tenha ocorrido interrogatório judicial prévio respeitando a previsão do artigo 141º, nº 4 do CPP, por violação dos artigos 28º, nº 1, e 32º, nºs 1 e 2, ambos da CRP.

O artigo 202º do Código de Processo Penal estabelece o quadro legal de casos de admissibilidade da prisão preventiva e da sua substituição por internamento preventivo.

O artigo 254º estabelece as finalidades da detenção (apresentação ao juiz no prazo de 48 horas para julgamento sob a forma sumária, para primeiro interrogatório judicial ou aplicação ou execução de uma medida de coacção, ou para assegurar a presença imediata ou no mais curto prazo sem nunca exceder 24 horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual).

O artigo 257º regula a detenção fora de flagrante delito, por mandado do juiz, do Ministério Público ou das autoridades de polícia criminal.

O artigo 141º, nº 4, refere-se ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido, destinando-se a verificar se existem os requisitos legais justificativos da detenção, da prisão preventiva ou da substituição dessa por outra medida e ainda a informar o arguido dos direitos que lhe assistem e dos motivos da detenção.

O artigo 28º, nº 1, da Constituição preceitua que a detenção será submetida no prazo máximo de quarenta e oito horas a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coacção adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.

O nº 1 do artigo 32º preceitua que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. O nº 2 dispõe que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

Do acórdão que decidiu a providência de habeas corpus considerou-se que se o arguido for preso preventivamente quando já estiver com culpa formada, encontrando-se o processo na fase de marcação do julgamento ou com este; realizado sem trânsito em julgado da condenação, tendo-lhe sido dadas possibilidades de se defender da imputação fáctica e jurídica que constitui o pressuposto da ordem de prisão, já não faz sentido a validação da prisão preventiva após interrogatório judicial.

Dele não consta a desnecessidade de audição do arguido para poder ficar preso preventivamente (o arguido foi ouvido «sobre as circunstâncias que entenda opor à necessidade da decretada medida de coacção de prisão preventiva») e tão-só a desnecessidade de um despacho de validação da prisão, nos casos como o dos autos, em que o arguido estava e continuou preso. Todavia, sempre se consignará que, como consta do despacho de fls. 50, referido no acórdão, houve uma tomada de posição sobre a prisão preventiva, após aquela audição, considerando-se que a mesma não era ilegal.

Em suma, entende-se que nesses casos, que não correspondem ao comum das situações em que os arguidos estando em liberdade são detidos fora de flagrante delito, sendo ordenada, após a condenação não transitada, a prisão preventiva, em despacho devidamente fundamentado e passível de recurso, não se torna necessário um despacho posterior de validação da prisão.

De qualquer forma, ainda que assim se não entenda, sempre seria de considerar que, no caso, após uma audição do arguido, foi proferida decisão no sentido de não declarar ilegal a prisão, o que, numa apreciação perfunctória e sem prejuízo do que vier a ser decidido em sede impugnação desse despacho, parece satisfazer minimamente as exigências legais sobre a imposição da medida de coacção de prisão preventiva.

O entendimento descrito não conflitua assim com o disposto nos artigos 28º, nº 1, e 32º, nºs 1 e 2, da Constituição.

Daí que a interpretação que da...

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