Acórdão nº 353/05 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução05 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 353/05

Processo n.º 32/2005

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Tendo, pelo 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto instaurado A., impugnação judicial relativamente ao acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das pessoas Colectivas referente ao exercício de 1997, o Juiz daquele Juízo, por sentença de 26 de Maio de 2004, julgou procedente tal impugnação.

Pode ler-se nessa peça processual para o que ora importa:-

“(...)

Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte matéria de facto com interesse para a discussão da causa:

  1. Pelos Serviços de Inspecção tributária foi elaborado o relatório de folhas 25 a 27 do processo administrativo apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

  2. Daquele relatório consta que o impugnante foi notificado para exercer o direito de audição antes da elaboração do mesmo - cfr. fls. 27 do proc. adm. apenso.-

  3. Com base naquele relatório a Administração Fiscal liquidou à impugnante com referência ao ano de 1997 o IRC a pagar no valor de € 2.722,87 cuja data limite de pagamento ocorreu em 2002-06-17 - cfr. fls. 29 do proc. adm. apenso.-

  4. Em 2002-09-30 a impugnante deduziu a presente acção - cfr. fls. 2 -

    (...)

    Compulsados os autos verifica-se que a liquidação impugnada foi efectuada com base no relatório dos serviços de fiscalização junto ao processo administrativo.

    Quanto a vícios da liquidação invoca o impugnante dois tipos, a saber, vício de forma por preterição de formalidade legal essencial traduzido na omissão da concessão do direito de audição antes da liquidação, por falta de fundamentação e vício de violação de lei por erro nos pressupostos uma vez que o crédito que a Administração Fiscal não aceitou como incobrável o é.

    Vejamos então!

    Quanto à preterição do direito de audição.

    À semelhança do que ocorria com o artº 100º do CPA consagrava o artº 60º da LGT, na redacção vigente na data em que foram praticados os actos, a obrigatoriedade de audiência dos interessados nos seguintes momentos:

    a) Direito de audição antes da liquidação;

    b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recurso ou petições;

    c) (...)

    d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;

    e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

    Segundo o artº 60º nº 2 da LGT «É dispensada a audição em caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.»

    Da sinopse dos autos não resulta ter sido dada ao contribuinte o direito de audição após o momento anterior à elaboração do relatório dos Serviços de Fiscalização Tributária.

    Posteriormente veio a lei a ser alterada, não havendo que conceder o direito de audição prévia antes da liquidação se o contribuinte já foi ouvido antes da elaboração do relatório dos serviços de fiscalização - Lei nº 16-A/2002 de 31/5 que veio dar nova redacção ao nº 3 do artº 60º da LGT, atribuindo-lhe o legislador efeito retroactivo -.

    Da letra do artº 60º nº 1 da LGT ao tempo em que os actos foram praticados, o que resulta é que em todas as fases que vão desde a inspecção e elaboração do subsequente relatório até à liquidação se tem que conceder ao contribuinte o direito de audição.

    Ou seja, o legislador diz que o contribuinte deve ser ouvido «antes da conclusão do relatório da inspecção tributária». No que a esta parte concerne, foi cumprida aquela disposição legal tendo sido notificado o contribuinte para exercer o direito de audição, como resulta da factualidade apurada.

    Posteriormente nunca mais foi concedido àquele o direito de audição.

    A lei, no nº 2 do artº 60º da LGT, apenas dispensa a audição nos casos já referidos supra, os quais aqui não ocorrem, ou seja, liquidação efectuada com base na declaração do contribuinte e ou a decisão do pedido ser-lhe favorável.

    Sustenta o impugnante que ao atribuir carácter interpretativo ao artº 13º da Lei nº 16-A/2002, o qual introduziu a alteração ao artº 60º da LGT o legislador violou o artº 103º da CRP uma vez que daí decorre a retroactividade da lei.

    O artº 103º nº 3 da CRP refere que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.» (sublinhado nosso).

    Por sua vez o nº 2 daquele preceito consagra que não só os impostos como também as garantias dos contribuintes são criados por lei.

    Assim sendo, não podemos entender que só a criação retroactiva de impostos é inconstitucional, mas também, todas as normas que colidam com os direitos e garantias dos contribuintes.

    Ao atribuir efeito de interpretação autêntica a uma norma legal que retira garantias ao contribuinte o legislador está dissimuladamente a atribuir efeito interpretativo a uma norma que concede determinados direitos aos contribuintes no que concerne ao processo de liquidação de impostos no sentido de lhos retirar.

    Não discutimos que o artº 60º da LGT na sua redacção original era excessivo no que concerne à atribuição do direito de audição, contudo isso não nos autoriza a que os direitos do contribuinte sejam coarctados sem qualquer correspondência na letra da lei.

    Pelo facto do contribuinte ter sido notificado para exercer o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção, face à letra do nº 1 do artº 60º da LGT - ao tempo em que se praticaram os actos - não podemos admitir que já não é necessário notificá-lo para exercer o direito de audição antes da liquidação feita na sequência daquele acto.

    Pelo que, ao atribuir o cariz de interpretação autêntica à redacção introduzida ao artº 60º da LGT pelo artº 13º da Lei 16-A/2002 e como tal efeito retroactivo, o legislador alterou retroactivamente o procedimento que conduz à liquidação do imposto e como tal violou o nº 3 do artº 103º da CRP.

    No princípio de audição prévia «estamos perante uma manifestação ao princípio do contraditório que, enquanto princípio geral do direito, não necessita de consagração expressa na lei.

    Com a observância do princípio da audição dos interessados, pretende-se consagrar o seu direito de defesa, por forma ‘a reduzir o risco de que as sanções (no caso dos procedimentos sancionatórios) sejam tomadas com mau conhecimento dos factos ou por motivos não relevantes (cfr. René Chapus, ‘Droit Administratif Géneral’, tomo I, 5ª ed., pág. 766).

    Trata-se da melhor garantia procedimental concedida aos interessados e que mais não é do que a aplicação ao procedimento administrativo do princípio segundo o qual ninguém deverá ser condenado sem ser previamente ouvido.» - cfr. CPA Anotado e citado supra, pág. 378-

    Não tendo sido concedido ao contribuinte o direito de audição antes da liquidação como naquela data [decorria] da letra da lei, enfermam os actos subsequentes, nomeadamente a liquidação aqui impugnada, de vício de forma por preterição de formalidade legal essencial traduzida na omissão da concessão daquele direito, o que, gera a sua anulabilidade por força do disposto no artº 135º com referência ao artº 133º, ambos do CPA.

    (...)”

    Da sentença de que a parte relevante se encontra transcrita recorreu para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, por seu intermédio visando a “apreciação da inconstitucionalidade do artigo 13º da lei n.º 16-A/2002, de 31.5, na medida em que” atribui “o cariz de interpretação autêntica à redacção que introduz ao artigo 60.º da Lei Geral Tributária e, como tal, efeito retroactivo, alterando retroactivamente o procedimento que conduz à liquidação do imposto”.

    Determinada a feitura de alegações, rematou a entidade recorrente a por si produzida com as seguintes «conclusões»:-

    “1 - O princípio da não retroactividade da lei fiscal não se aplica no âmbito das normas de índole processual, apenas obstando que às normas substantivas, reguladoras do facto tributário - e da ‘criação’ do imposto - possa ser atribuída eficácia retroactiva, fazendo surgir uma obrigação fiscal com base em factos ocorridos antes de a lei nova vigorar.

    2 - A norma constante do nº 3 do artigo 60º da LGT, na redacção emergente da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio, interpretada como dispensando a audição do contribuinte, prévia ao acto de liquidação, quando este já teve oportunidade de se pronunciar sobre todos os elementos de facto, de direito e probatórios que condicionam a referida liquidação, configurada como mera operação de execução de precedentes actos ou decisões, não viola o direito de audição ou participação, previsto no artigo 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.

    3 - A atribuição de natureza interpretativa a tal regime - de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
  • Acórdão nº 44/07.1 BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Setembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object]
    • 29 de setembro de 2022
    ...do imposto, que, por se tratar de uma norma adjetiva não colide com qualquer preceito ou princípio constitucional (acórdão do Tribunal Constitucional 353/2005 de 29 de Verifica-se que a Reclamante foi notificada das correções e dos respetivos fundamentos em 2001/11/29 (vide fls. 22 e 36 a 3......
  • Acórdão nº 44/07.1 BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 29-09-2022
    • Portugal
    • Tribunal Central Administrativo Sul
    • 29 de setembro de 2022
    ...do imposto, que, por se tratar de uma norma adjetiva não colide com qualquer preceito ou princípio constitucional (acórdão do Tribunal Constitucional 353/2005 de 29 de Julho). Verifica-se que a Reclamante foi notificada das correções e dos respetivos fundamentos em 2001/11/29 (vide fls. 22 ......
  • Acórdão nº 0193/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Maio de 2009
    • Portugal
    • [object Object],Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)
    • 27 de maio de 2009
    ...de 16-05-2007, Proc. 0186/07; Ac. STA de 26-09-2007, Proc. 0903/006; Ac. STA de 24-10-2007, Proc. 0131/07 e ainda Acórdão do Tribunal Constitucional n. 353/2005, de 29 de Julho -D.R. n. 145 Série Tal como não houve omissão de notificação da impugnante para exercer o direito de audição antes......
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT