Acórdão nº 214/05 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução20 de Abril de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão N.º 214/05 Processo n.º 218/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.A. e B. vêm reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), da decisão sumária de 30 de Março de 2005, que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade por eles interposto e condená-los em custas, com sete unidades de conta de taxa de justiça, por cada um. Tal decisão teve o seguinte teor:

    1. No processo comum n.º 974/03.0PCBRG, que correu seus termos na Vara Mista do Tribunal Judicial de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos A. e B., tendo sido: o primeiro condenado na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão por cada um dos dois crimes de roubo, p. e p. no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão pela prática de um crime de furto simples, previsto no artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, e na pena de oito meses de prisão pela prática de um crime de evasão, nos termos do artigo 352.º, n.º 1, do Código Penal; e o segundo condenado na pena de dois anos de prisão por cada um dos dois crimes de roubo que praticou, previstos e puníveis pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal. Efectuado o cúmulo jurídico, o arguido A. foi condenado na pena única de quatro anos de prisão e o outro arguido na pena única de dois anos e oito meses de prisão. Foram ainda ambos os arguidos condenados ao pagamento de indemnização cível, nos termos dos pedidos contra si deduzidos por C., D., E. e F..

    Desta decisão interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, concluindo na sua motivação:

    “1.ª - A condenação infligida ao muito jovem arguido A. é excessiva no contexto dos autos e desproporcionada, ademais verificada agora a circunstância de, entretanto, ter indemnizado completamente as pessoas que lesou.

    E também pela circunstância de a tal condenação dever vir a adicionar-se a anterior condenação cuja execução vinha estando suspensa.

    Ficando, assim, também longamente privado de tirar proveito do Curso de Formação Profissional que, com êxito, frequentou.

    - Cf. documento novo superveniente n.º 7.

    2.ª - A participação do co-arguido A. relativamente ao sucedido ao pequeno veículo X. - rapidamente recuperado pelo dono - deverá enquadrar-se no art.º 208.º do Código Penal (‘furto de uso de veículo’) e não na disposição relativa a furto qualificado (art.º 204.º, n.º 1, do Código Penal).

    3.ª - E a toxicodependência de que padece - e de que, com persistente apoio familiar pretende libertar-se - só beneficia com a não sujeição ao promíscuo ambiente prisional.

    4.ª - A análise e o enquadramento da conduta do arguido B. deverá ser feita à luz das perturbações de que sofre com a sua toxicodependência (presentemente muito atenuada com as solicitações profissionais que o ocupam) e da perturbação pessoal com o processo de divórcio litigioso que contra si pende.

    - Cf. documento novo superveniente n.º 6.

    E deverá beneficiar do facto de, entretanto, ter indemnizado totalmente os lesados pela sua conduta.

    5.ª - À luz do que o arguido B., com responsabilidades familiares (três filhos menores, a favor de quem foi já estabelecido o regime de pensão de alimentos provisórios de 300 €/mês!), profissionalmente bem integrado, com acolhimento assegurado pelos seus pais - só beneficiaria com a efectiva suspensão da pena aplicada, como se propugna, agora que as pessoas que lesou foram por si completamente indemnizadas.

    6.ª - À atenuação especial das penas aplicadas deverá seguir-se pois a suspensão da sua execução, visto que, afinal, há reacções penais não detentivas que, em concreto, se mostram mais adequadas.

    E a pena de prisão apenas deve lograr aplicação quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de reprovação e prevenção.

    - Cf. Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.”

    O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Braga respondeu suscitando a questão prévia da incompetência do Tribunal da Relação para conhecer do recurso, e ainda, a não ser declarada a incompetência, no sentido da improcedência do recurso, tendo estas posições sido defendidas também pelo representante do Ministério Público no Tribunal da Relação de Guimarães.

    Por acórdão de 3 de Maio de 2004, o Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou, por manifestamente improcedente, o recurso interposto pelos arguidos. Pode ler-se nesse aresto:

    “Questão prévia

    O Ministério Público, em ambas as instâncias, suscita a questão da incompetência do Tribunal da Relação para conhecer dos recursos interpostos pelos arguidos do acórdão do tribunal colectivo, atribuindo a competência ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art.º 432.º, al. d), do Código de Processo Penal, por entenderem que os recursos visam exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    Salvo o devido respeito que nos merecem as opiniões daqueles magistrados do Ministério Público, entendemos que a competência cabe à Relação.

    Com efeito, conforme se vê das conclusões formuladas pelos recorrentes, as quais, como sabido, delimitam o âmbito dos recursos, os recorrentes para além da questão da qualificação jurídico-penal de alguns dos factos, discordam da medida das penas aplicadas, mas fazem-no, neste último aspecto, baseados em factos que pretendem ver apreciados.

    Consequentemente, a competência para conhecer dos recursos interpostos cabe ao Tribunal da Relação nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Penal.

    Improcede, assim, a questão suscitada.

    *

    Conforme flui da motivação de recurso, os recorrentes, em boa verdade, não observam o disposto no artigo 412.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Porém, um eventual convite que lhes pudesse ser endereçado para o devido aperfeiçoamento apenas se traduziria, in casu, numa inobservação ao princípio da celeridade processual, uma vez que é possível descortinar a fundamentação da pretensão dos recorrentes.

    Posto isto.

    Conforme supra referido, uma das questões suscitadas é a da dosimetria penal. Porém, a discordância dos recorrentes, neste particular, está interligada à alegação de factos novos e supervenientes à decisão recorrida, os quais pretendem que sejam apreciados por este tribunal, fazendo acompanhar a motivação de documentos destinados à prová-los.

    Acontece, porém, que as Relações, quando conhecem de facto, reapreciam a decisão fáctica da primeira instância e apenas em face da prova por esta conhecida ou que podia conhecer.

    Às Relações não compete conhecer de questões novas (sejam elas de direito ou de facto), isto é, de questões que não foram, porque o não podiam ser, apreciadas pelo tribunal recorrido (cfr. art.º 410.º, n.º 1, do CPP: ‘...o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida’).

    Daí que este tribunal não conheça dos documentos juntos com a motivação.

    E chegados aqui, uma conclusão logo se impõe: é manifesta a inviabilidade dos recursos.

    Assim, sustenta o recorrente A. que a sua participação ‘...relativamente ao sucedido ao pequeno veículo X. - rapidamente recuperado pelo dono - deverá enquadrar-se no art.º 208.º do Código Penal (‘furto de uso de veículo’) e não na disposição relativa a furto qualificado (art.º 204.º, n.º 1, do Código Penal)’.

    Acontece que o recorrente não indica quais as razões da sua discórdia. Ora, alegar não é só afirmar que se discorda. É preciso ainda dizer as razões da discordância. E o motivo da discórdia quanto à qualificação jurídico-penal não assentará certamente no facto de o veículo ter sido, nas palavras do recorrente, ‘rapidamente recuperado pelo dono’...

    Destarte, a factualidade provada, e que está estabilizada na ausência de qualquer um dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, afasta claramente a pretensão do recorrente. Como bem refere o Ministério Público na resposta à motivação, ‘Da matéria de facto provada resultam todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de furto qualificado p. p. pelos art.ºs 203.º e 204.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal: a subtracção, como violação do poder de facto para guardar o objecto do crime e de dispor dele e a substituição desse poder pelo agente, a qualidade de ‘coisa móvel alheia, propriedade de alguém e com um valor’ e a ilegítima intenção de apropriação da coisa’, além de que se verifica a qualificativa da al. a) do n.º 1 do citado art.º 204.º, face ao valor do veículo de 13.000 euros (cfr. art.º 202.º, a), do CP).

    Quanto à impetrada atenuação especial das penas, entende-se que a imagem global dos factos provados não justifica a aplicação do instituto em causa. De resto, os próprios recorrentes fazem alcandorar tal pretensão em factos supervenientes à decisão recorrida, os quais, já o dissemos, não podem ser tomados em consideração.

    Por outro lado, as penas parcelares aplicadas aos recorrentes estão correctamente doseadas à luz do disposto nos art.ºs 71.º, n.ºs 1 e 2, e 40.º, n.º 2, ambos do Código Penal (cuja violação nem sequer se mostra invocada), como correcta é a pena única aplicada a cada um deles (também aqui não se mostra invocada a violação do disposto no art.º 77.º do Código Penal).

    Quanto à impetrada suspensão da execução da pena é manifesto que a possibilidade...

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