Acórdão nº 199/05 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Abril de 2005

Data19 Abril 2005
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 199/2005

Processo n.º 117/04

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório

1 – CP-Caminhos de Ferro Portugueses, EP, melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (“LTC”), do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Dezembro de 2003, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade do artigo 8.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, quando interpretado no sentido de que compete exclusivamente aos sindicatos e aos trabalhadores a definição em concreto dos serviços mínimos durante a greve, por violação do disposto nos artigos 55.º, 56.º, 61.º, n.º 1, e 199.º, alíneas f) e g), da Constituição da República Portuguesa.

2 - Conforme resulta dos autos, o Sindicato A. interpôs, para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso do despacho conjunto do Secretário de Estado dos Transportes e do Secretário de Estado do Trabalho e Formação de 28 de Abril de 2000 – proferido no primeiro dia de uma greve decretada pelo aí recorrente e onde se definiam, em concreto, os “serviços mínimos” que deviam ser assegurados –, imputando-lhe vários vícios de violação de lei.

Por Acórdão de 14 de Janeiro de 2003, a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tendo concluído que “o Governo actuou fora do âmbito das suas atribuições, em violação do disposto no artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto”, concedeu provimento ao recurso.

3 - Inconformada, a ora Recorrente interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, tendo sintetizado a sua argumentação discursiva na apresentação das seguintes conclusões:

“ (...)

  1. A exigência de garantia dos serviços mínimos constitui uma limitação legítima ao exercício do direito de greve;

  2. O n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve, ao determinar que "nas empresas ou estabelecimentos que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades", estabelece uma obrigação, isto é, constitui sindicatos e trabalhadores numa posição jurídica passiva;

  3. Ora, salvo o devido respeito, não parece lógico, nem razoável, transformar uma obrigação num direito, um dever numa prerrogativa ou uma posição jurídica passiva numa posição jurídica activa;

  4. A Lei da Greve é clara quando, neste domínio, impõe uma obrigação que tem como destinatários os sindicatos e os trabalhadores. E, por isso mesmo, não se descortina de que forma pode esta obrigação ser transformada na atribuição de um poder a estes sujeitos privados;

  5. Da mesma forma, não parece lógico, nem razoável, que o conteúdo desta obrigação, que se consubstancia, como se referiu, numa limitação ao exercício do direito de greve, seja definido pelos sujeitos passivos, pelos destinatários dessa exigência, por aqueles cujo direito é limitado;

  6. Estranho seria, com efeito, que fossem os sindicatos e os trabalhadores - aqueles que estão vinculados à prestação dos serviços mínimos - a definir a extensão dessa vinculação. Como seria estranho que fossem sindicatos e trabalhadores - aqueles cujo direito de greve é limitado - a estabelecer, em cada caso, a extensão dessa limitação do próprio direito;

  7. O n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve apenas impõe uma vinculação - a prestação de serviços mínimos -, fixando os seus destinatários - sindicatos e trabalhadores. Mas nada diz quanto à definição dos serviços mínimos;

  8. A declaração de inconstitucionalidade assentou, única e exclusivamente, em fundamentos de índole formal (processual) e que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 289/92, de 2 de Setembro de 1992 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º volume, pág. 7 e ss.), considerou materialmente conforme à Constituição a possibilidade de intervenção do Governo na fixação dos serviços mínimos;

  9. O artigo 8º da Lei da Greve, na redacção vigente, não resolve, pois, a questão da definição dos serviços mínimos. Ora, por força desta Lei e, desde 1997, também da Constituição (n.º 3 do artigo 57º) é imposta, como limitação ao direito de greve, a obrigação de prestação de serviços mínimos. Essa limitação funda-se na tutela de interesses gerais da comunidade e tutela de direitos fundamentais dos cidadãos;

  10. Assim, na falta de uma disposição que, neste particular, determine a quem cabe a fixação desses serviços, necessariamente se terá de recorrer aos princípios e regras gerais - com efeito, e como escreve MENEZES CORDEIRO, "num prisma mais ligado à decisão, pode dizer-se que, em cada problema concreto, não se aplica esta ou aquela norma particularmente vocacionada para nele intervir: é sempre o Direito em bloco (...) que, em cada saída jurídica, intervém";

  11. É, justamente, por força destes princípios e regras gerais que, fatalmente, se terá de concluir que cabe em geral ao Governo, no exercício da competência administrativa, garantir "a execução da lei no tocante à satisfação de necessidades colectivas a cargo do Estado-colectividade";

  12. Competências, em suma, claramente delineadas no artigo 199º da Constituição, cuja alínea f) faz incumbir ao Governo a defesa da legalidade democrática, enquanto que a alínea g) lhe atribui competência para "praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas";

  13. Não se trata, portanto, de uma competência presumida ou ficcionada. Muito pelo contrário, é uma competência que se infere da conjugação sistemática dos preceitos constitucionais e legais pertinentes, como se reconheceu no Parecer da PGR n.º 1/99;

  14. Assim, ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido, os n.ºs 1 e 2 do artigo 8º da Lei da Greve não permitem - nem no plano literal, nem nos planos lógico e substancial - sustentar um qualquer poder dos sindicatos e dos trabalhadores quanto à fixação dos serviços mínimos, sob pena de inconstitucionalidade (violando o referido artigo 199º da Constituição);

  15. Quando a lei refere os sindicatos e os trabalhadores não opera, com isso, uma rígida distribuição de tarefas, Limita-se, apenas e só, a reconhecer que a greve pode ser decretada e gerida tanto por sindicatos como, directamente, pelos trabalhadores, que para o efeito poderão constituir estruturas ad hoc (art.ºs 2º e 3º da Lei da Greve);

  16. Por outro lado, não pode dizer-se que, na medida em que as associações sindicais não efectuam, por si, qualquer prestação, o sentido da obrigação a que se refere o n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve se prende com a gestão da prestação de serviços mínimos;

  17. Seria, aliás, absurdo pretender que a gestão dos serviços mínimos pudesse ser directamente assegurada pelos sindicatos: tal envolveria que o funcionamento, no seio de cada empresa, de tais serviços fosse dirigido pelas associações sindicais;

  18. Não pode, como é evidente, ser este o sentido do n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve;

  19. Por outro lado, também não procede a argumentação para a conclusão formulada no douto aresto em recurso assente na circunstância de a intervenção do Governo ter ocorrido logo no primeiro dia do processo grevista e não ter invocado o incumprimento, em concreto, das obrigações decorrentes do n.º 1 do artigo 8º da Lei da Greve, pelo que o Governo teria actuado "fora do âmbito das suas atribuições, em violação do disposto no artigo 8º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 65/77”;

  20. Se bem entendemos, este raciocínio tem por premissa a ideia de que a competência do Governo se cinge às hipóteses referidas no n.º 4 do artigo 8º da Lei da Greve, razão pela qual apenas poderia intervir em caso de incumprimento dos serviços mínimos;

  21. Trata-se, como se referiu, de entendimento que não aceitamos e que, a nosso ver, não tem base legal;

  22. Na verdade, os valores fundamentais e eminentes que fundamentam a imposição da obrigação de assegurar os serviços mínimos postulam, necessariamente, uma definição a anteriori por forma a evitar a lesão dos interesses gerais da comunidade ou dos direitos fundamentais dos cidadãos;

  23. Acresce que no douto Acórdão recorrido não foram devidamente ponderadas as circunstâncias referidas na fundamentação do despacho de fixação dos serviços mínimos, designadamente a frustração das tentativas de definição por acordo dos serviços mínimos;

  24. Com o devido respeito, pela nossa parte, consideramos que o entendimento que o Acórdão recorrido perfilhou, para além de não ter apoio constitucional ou legal, fere o quadro constitucional de competências cometido ao Governo e é susceptível de legitimar lesões de interesses gerais da comunidade e de direitos fundamentais dos cidadãos, uns e outros objecto de tutela constitucional;

  25. O entendimento do Acórdão recorrido é tanto mais estranho quanto em face do quadro constitucional e legal vigente os sindicatos se apresentam como puros sujeitos de direito privado, cuja representação é naturalmente limitada pelo interesse colectivo da categoria sindical definida nos seus estatutos;

  26. Não se alcança, de facto, como se possa atribuir a estes sujeitos um poder que vai muito para além dessa representação e se prende com interesses alheios aos da categoria sindical;

  27. Trata-se, a nosso ver, de um entendimento que colide com a própria visão constitucional das associações sindicais, introduzindo uma componente publicística de representação de interesses gerais que é, de todo, alheia à abordagem da Constituição, assente numa leitura privatística da autonomia colectiva;

  28. Com efeito, não se pronunciando a lei vigente expressamente sobre a atribuição da referida competência, a solução surge naturalmente ponderados os interesses que estão em causa na prestação de serviços mínimos, e a entidade a quem, em termos gerais, se...

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