Acórdão nº 0599/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Agosto de 2007

Data14 Agosto 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório FENPROF - FEDERAÇÃO NACIONAL DE PROFESSORES e FNE - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DA EDUCAÇÃO, interpuseram recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso oportunamente interposto da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, na ACÇÃO DE INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS (com a tramitação prevista nos artigos 109º e seguintes do CPTA) absolveu do pedido o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e o MINISTÉRIO DO TRABALHO E DA SOLIDARIEDADE SOCIAL.

A argumentação das recorrentes, no Tribunal Central Administrativo, quanto ao mérito do recurso foi a seguinte : As recorrentes entendem que a sentença de 1ª instância não fez correcta aplicação do direito em matéria de especial delicadeza, por estarem causa situações de limitação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e que os actos dos recorridos ao qualificar a greve de ilícita por ter sido declarada com inobservância da tramitação legal exigida, são ilícitos e violam a Constituição da República Portuguesa (conclusão 1ª, a fls. 143).

Segundo as recorrentes, o sector do ensino não se enquadra em nenhuma das alíneas do nº 2 do artigo 598º do Código do Trabalho, para efeitos de necessidade do aviso prévio de greve a que alude o nº 2 do artigo 595º do Código do Trabalho (conclusão 4ª).

E o mesmo se deve entender em relação à proposta de serviços mínimos, que só tem de existir quando a greve se realize em empresa ou estabelecimento destinado à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (artº 595º nº 3 do Código do Trabalho), sendo certo que o sector de ensino não tipifica este género de necessidades, como aliás já o entendeu, em 1983, o Comité de Peritos da Organização Internacional do Trabalho (conclusões 5ª a 12ª).

Por outro lado, o direito à greve é um direito fundamental, não sacrificável em absoluto aos interesses de terceiros e da comunidade, e a interrupção das actividades de ensino não determina uma situação impreterível, maxime no caso de exames, pois são actividades sempre susceptíveis de repetição. Não havia, pois, no caso dos presentes autos, lugar a uma intervenção lícita do Governo à luz do artigo 199º, alíneas f) e g) da Constituição, por não se tratar de acautelar a satisfação de necessidades sociais impreteríveis (conclusões 14ª e 15ª).

Acresce que, no caso dos exames nacionais do 12º ano, os mesmos teriam lugar em estabelecimentos de ensino públicos, o que obrigava a que os serviços mínimos fossem estabelecidos por colégio arbitral a constituir pelo Conselho Económico e Social, nos termos previstos no artigo 599º nº 4 do Código do Trabalho e 493º e seguintes do Regulamento do Código do Trabalho, não possuindo os recorridos competência para a fixação de tais serviços (cfr. conclusões 18ª e 19ª).

E não é por demais recordar que estamos no âmbito do artigo 57º nº 2 da C.R.P. e 18º nº 2 do mesmo diploma fundamental, razão porque não é lícito ao intérprete suprir uma lacuna da lei (a de não estar ainda completa a lista de árbitros do Conselho Económico e Social), com o recurso a uma previsão normativa que o legislador quis expressamente afastar (conclusão 24ª).

A douta sentença recorrida, ao considerar válidos os actos recorridos, por haver necessidade de restringir o exercício do direito à greve de forma a conciliar o seu exercício para evitar a colisão do direito ao ensino, violou os artigos 595º, números 2 e 3, e 599º, números 4 e 6 do Código do Trabalho, o artigo 133º, alíneas a), b) e d) do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 57º da Constituição, ao fazer uma interpretação excessiva da protecção do direito ao ensino quando confrontado com o exercício do direito à greve, e que conduziu à limitação deste último direito, não consentida pelo artigo 18º nº 2 da Constituição e pela legislação a que este último normativo deu execução (conclusão 34ª).

O Tribunal Central Administrativo manteve a decisão proferida na 1ª instância, argumentando, na parte que agora interessa destacar: "Considerando que o direito à greve é susceptível de restrição ou limitação pela necessidade de tutela de outros valores presentes no ordenamento jurídico, observou o Mmo. Juiz "a quo" que, no caso concreto estão em conflito dois direitos fundamentais (a greve e o ensino), podendo o governo, no caso as requeridas, preencher o conceito de necessidades sociais impreteríveis, conceito esse que não pode ser cristalizado (sublinhado nosso). No caso em análise, concluiu a decisão recorrida, os serviços mínimos decretados não violam o princípio da proporcionalidade, e o núcleo fundamental do direito à greve foi garantido.

Analisando a questão mais concreto, desde logo verificamos que a enumeração legal dos sectores que se destinam à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, constante do artigo 598º nº 2 do Código do Trabalho, é meramente exemplificativa, como deriva do uso da expressão nomeadamente.

A nosso ver, o conceito de necessidades sociais impreteríveis é um conceito indeterminado, que deve ser integrado com recurso às circunstâncias concretas do caso, podendo ser considerados outros sectores vitais, para além dos expressamente consignados no artigo 598º do Código do Trabalho.

Ora, ninguém duvida de que o sector do ensino é um sector vital para qualquer sociedade democrática e evoluída, que não pode ficar desprovido da tutela conferida pelo conceito de necessidades sociais impreteríveis, sobretudo quando, como sucede no caso concreto, estão em causa exames finais nacionais (9º e 12º anos de escolaridade) cuja eventual repetição se afigura difícil. Sem menosprezar a importância do direito à greve como direito fundamental, parece-nos que, no caso concreto, o Governo detinha competência para a definição dos serviços mínimos a observar no decurso da greve decretada pelas estruturas sindicais e que coincidiu com as datas dos exames nacionais do 9º e 12º ano.

Dada a impossibilidade de funcionamento do colégio arbitral previsto no nº 4 do artigo 599º do Código do Trabalho, nada impedia, a nosso ver, que a definição de serviços mínimos fosse efectuada pelo Governo, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 599º do Código do Trabalho, como efectivamente foi, assim se concluindo que o despacho conjunto de 16.06.2005 não padece de qualquer ilegalidade ou incompetência. Assim teve de se proceder uma vez que o aviso prévio da greve convocada pelas estruturas sindicais era completamente omisso quanto à definição de serviços mínimos, nem os mesmos puderam ser definidos por acordo. Ou seja, verificando-se a impossibilidade de aplicação do disposto no nº 4 do artigo 599º do Código do Trabalho (arbitragem dos serviços mínimos no âmbito do Conselho Económico e Social), tornou-se inevitável o recurso à aplicação da norma geral prevista no número 3 do mesmo artigo, sob pena de grave lesão do interesse público.

E, no tocante à ponderação relativa de valores (direito à greve e direito ao ensino), em abstracto trata-se de valores equivalentes e igualmente essenciais, e apenas numa circunstância concreta se poderá, a nosso ver, optar pela prevalência de qualquer deles. E embora o direito à greve constitua um direito fundamental, não possui carácter absoluto, podendo colidir com outros direitos fundamentais.

Na específica situação dos autos, o direito ao ensino derivava da realização dos exames nacionais do 9º e 12º anos, envolvendo milhares de alunos e a generalidade dos estabelecimentos de ensino. Tais exames dependem de complexas medidas de preparação e segurança, para além de posteriores operações materiais de correcção, sendo óbvia a dificuldade da sua repetição, que apenas poderia ser efectuada no mês de Agosto, que coincide com as férias escolares e é tradicional época de repouso. Ou seja, os autos evidenciam uma situação em que a não realização de exames acarretaria perturbações e instabilidade a nível familiar e pedagógico, que num sistema educativo já tão debilitado como é o nosso, não podem deixar de ser qualificadas como potencialmente graves. Além disso, nada garante que no mês de Agosto não viesse a ser decretada nova greve, nas mesmas condições.

Em face destas considerações, nada há a censurar à decisão recorrida, quando esta dá prevalência, no caso concreto, ao direito ao ensino, reconhecendo a competência dos recorridos, no âmbito da alínea g) do artigo 199º da C.R.P., para o preenchimento do conceito indeterminado de necessidades sociais impreteríveis e possibilidade de determinação de serviços mínimos (cfr. a propósito desta questão os Acs. STA (Pleno da 1ª secção) de 20.03.2002, Proc. nº 42 934, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 42, p. 22, e o Ac. TCA Sul de 31.03.04, Rec. nº 452/04)." Inconformadas com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul as recorrentes retomam a argumentação aí defendida, destacando-se o seguinte: - é ilícito o acto do Ministério do Trabalho que qualificou de ilícita a greve declarada pelas recorrentes por não ter sido respeitado o prazo de 10 dias de aviso prévio, sendo incorrecta a interpretação do n.º 2 do art. 595º do Código do Trabalho, uma vez que a norma do art. 598º se destinava a prevenir que necessidades sociais impreteríveis deixassem de ser satisfeitas (conclusões 1ª a 10ª); - não se pode entender que o sector do ensino integre "os sectores afectos à satisfação de necessidades sociais impreteríveis", pelo que não havia, no presente caso, lugar à intervenção lícita do Governo à luz do art. 199º, al. f) e g) da Constituição (conclusão 11ª a 17ª); - não foi observada a tramitação legalmente prevista na definição dos serviços mínimos, tendo as recorridas actuado em manifesta usurpação de poder. Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, a fixação dos serviços...

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