Acórdão nº 078/06 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução26 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: Relatório I.

O Sindicato dos Funcionários Judiciais veio intentar, com invocação de vícios de violação de lei geradores de nulidade ou anulabilidade, a presente acção administrativa especial, pedindo a) a declaração de nulidade ou a anulação - do acto administrativo consubstanciado na Resolução do Conselho de Ministros nº 169-A/2005, de 26.10.05, que reconheceu a necessidade de se proceder à requisição civil dos Oficiais de Justiça, - do acto administrativo consubstanciado na Portaria do Ministro da Justiça nº 1111-A/2005, de 26.10 - do Despacho Conjunto dos Ministros da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social, de 18.10.05, que definiu os serviços mínimos a serem prestados no dia de greve de 26 de Outubro de 2005, e b) a condenação dos Réus no ressarcimento dos danos sofridos e resultantes, como consequência directa e necessária, dos actos supra-referenciados.

Os Réus contestaram, sustentando a legalidade dos actos impugnados e defendendo que deles não resultaram os invocados danos tendo o Réu Primeiro Ministro sustentado, ainda, que lhe não assistia legitimidade para se pronunciar sobre a conformidade legal dos impugnados Despacho Conjunto dos Ministros da Justiça e do Trabalho e Solidariedade Social e Portaria do Ministro da Justiça.

Foi proferido despacho saneador, que julgou o Primeiro Ministro parte legítima na acção e, na ausência de outras excepções ou questões prévias obstativas do conhecimento do objecto do processo, determinou a notificação das partes para alegações.

Notificadas, as partes exerceram o direito de alegar.

O Autor rematou a respectiva alegação com as seguintes conclusões: 1ª A presente acção é a própria e é tempestiva, as partes são legítimas, o Tribunal o competente, os actos são recorríveis e a cumulação de pedidos inteiramente lícita, tudo nos termos das disposições conjugadas dos arts. 58°, nºs 1 e 2, al. b), 9°, n° 1, al. a), 21°, n° 1, 51°, n° 1 e 4°, n° 1, al. a) e n° 2, al. a) e f), todos do CPTA, 134°, n° 2 e 135° do CPA e 24°, n° 1, al. a) - iii) do ETAF.

2ª O 1 ° acto impugnado, consubstanciando uma verdadeira requisição civil "preventiva", decretada antes de efectivamente se verificar qualquer situação de real incumprimento das obrigações dos serviços mínimos padece desde logo de óbvio vício de violação da lei ordinária (Dec. Lei 637/74, de 20/11) e constitucional (art. 57° da CRP), 3ª Consubstanciando uma interpretação e aplicação da lei que restringe de forma em absoluto desproporcionada, desadequada e desnecessária o conteúdo essencial do direito fundamental à greve (consagrado no art. 55° da CRP). Por outro lado, 4ª Não estando constituído o Código arbitral a quem, nos termos do art. 599°, n° 4 do C.T., compete, em caso de greve na Administração directa do Estado, a definição dos serviços mínimos, não se pode considerar (designadamente por via analógica) atribuída tal competência ao Governo (que assim seria de certa forma simultaneamente "parte" e Juiz em causa própria), 5ª Mas antes, e tal como a melhor doutrina e jurisprudência já sustentava face à Lei 65/77, às associações sindicais, sujeitando-se estas, caso não definissem e assegurassem devidamente tais serviços mínimos, então e só então ao decretamento da requisição civil.

6ª Sendo o direito à greve um direito fundamental que, "ex vi" dos art°s 17° e 18° da CRP, só pode ser comprimido ou restringido nos casos especialmente previstos nesta, não é admissível aplicar analogicamente o regime do n° 3 às situações do n° 4 do artº 599°.

7ª O 1 ° acto impugnado não invoca e muito menos demonstra que a greve (mesmo com a impossibilidade do recurso a não grevistas e mesmo sem a prestação daqueles serviços mínimos que o Governo, unilateral e ilegalmente, se arrogou definir) pudesse vir a determinar, como sua consequência directa e necessária, prejuízos e prejuízos incomportáveis.

8ª Assim, tal 1º acto ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental constitucionalmente garantido (art. 57° da CRP), padecendo de óbvia nulidade, "ex vi" dos arts. 133°, n° 1, al. d) e 134°, n° 2 do CPA, 9ª Além de que ao determinar uma requisição civil fora dos casos estritos e precisamente definidos na lei (art. 599°, n° 4 e 601º do CT e 1º do Dec. Lei 637/74, de 20/11) e ao invocar pressupostos de facto em absoluto desconformes com a realidade material, padece de duplo vício de lei com a consequente anulabilidade.

10ª O 2° acto, desde logo, absorve e padece de todos os vícios do 1º, do qual é consequência directa e necessária, 11ª Além de que não define, em clara violação da lei [artº 4°, n° 4, al. a) do Dec. Lei 637/74, de 20/11] o objecto da requisição, antes procedendo a uma simples, genérica e abstracta remissão para o despacho ilegal de definição dos serviços mínimos.

12ª O 3° acto padece desde logo do vício de violação de lei por, desde logo e nos termos do já analisado art. 599°, n° 4 do CT, o Governo não ter competência legal para definir unilateral e autoritariamente os serviços mínimos, 13ª Mas também por o referido normativo, acaso fosse interpretado e aplicado como tal definição podendo possibilitar e conduzir a uma compressão e mesmo inutilização do direito constitucional à greve ser então materialmente inconstitucional, por violação dos artºs 57º e 18° da CRP, 14ª E ainda por no dia 26/1 não haver quaisquer serviços mínimos a prestar, até por os mesmos, a existirem, já estarem garantidos pelo normal serviço do Tribunal no dia seguinte (à semelhança do que acontece aos Domingos), 15ª E por, em violação da LOTJ, v. g. dos seus artºs 86°, n° 1, al. d) e 98°, n° 1, e ainda no respectivo Regulamento (artº 16°, n° 1), retirar ao Juiz Presidente do Tribunal a competência de direcção e orientação superiores dos serviços judiciais.

16ª E ainda por fixar serviços que não são mínimos mas sim máximos, obrigando a estar presente nos Tribunais um funcionário por cada secção (o que poderá significar 8, 9, 10 ou mais), quando para os turnos de Sábado são designados apenas dois, e ainda assim podendo os magistrados designarem mais funcionários dos que os supra-referenciados e sem qualquer limite.

17ª Acresce que, conforme já demonstrado, o Governo não tem competência legal para definir unilateralmente os serviços mínimos numa situação de greve na Administração directa do Estado.

18ª Para além de que foi proferido flagrantemente fora do prazo fixado pelo n° 3 do artº 599° do CT, padecendo assim de novo e evidente vício de violação de lei.

19ª Todos os três actos impugnados por via da presente acção são assim nulos - por, desde logo, todos eles afectarem o núcleo essencial fundamental à greve - ou, pelo menos anuláveis, por múltiplo vício de violação de lei, devendo assim proceder o pedido de condenação de todos os RR. a procederem à prática de todos os actos que se revelem adequados a fazer apagar todos os efeitos daqueles decorrentes.

20ª Os mesmos três actos atingiram o A. no âmago da sua actividade, não apenas ferindo gravemente a honra como igualmente a credibilidade, prestígio e confiança do mesmo A. enquanto associação sindical, quer junto dos seus associados, quer junto da opinião pública em geral.

21ª Verificam-se in casu todos os pressupostos da constituição da obrigação de responsabilidade civil: o(s) facto(s) ilícito(s), o nexo de imputação deste ao(s) agente(s), os danos (que são muito profundos e elevados) e o nexo de causalidade entre estes e a conduta daquele(s).

22ª Tendo todos os RR contribuído com a sua conduta ilícita para o resultado danoso final, a sua responsabilidade é, nos termos do art. 497°, n° 1 do CC, solidária.

23ª E atendendo à natureza, extensão e gravidade dos referidos danos, a situação do A., o elevado grau de culpa da conduta dos RR, a elevada condição económica destes e as demais circunstâncias relevantes do caso, e atentos os critérios dos arts. 496º e 494° do Cod. Civil, o peticionado valor de 50.000,00 euros revela-se em absoluto parcimonioso.

O Ministro da Justiça apresentou contra-alegação, com as seguintes conclusões: 1ª - A Resolução do Conselho de Ministros nº 169-A/05, de 26 de Outubro - conteve-se por inteiro dentro dos limites que a Constituição da República Portuguesa e a lei ordinária lhe impõem, designadamente os constantes dos arts. 57° da CRP, arts. 1° e 4° do Dec. Lei nº 637/74, de 20 de Novembro, e art. 601º do Código do Trabalho pelo que se mostra isento de qualquer vício.

2ª - Só após o eclodir da greve a requisição civil foi decretada, pois a RCM só foi emitida após o início da greve, que ocorreu às 0h do dia 26 de Outubro, conforme aviso de greve junto à p.i. como doc. 4; 3ª - Não só a greve já se havia iniciado, como se haviam já constatado os seus efeitos e foi esta constatação que fundou a autorização da requisição civil, conforme consta da RCM.

4ª - Não cabe ao Autor determinar se e quando a extensão da greve é justificativa da requisição civil, apreciação que, pelo art. 1°, n° 1 do Decreto-Lei n° 637/74, de 20 de Novembro, e pelo art. 601 ° do CT é atribuída ao Governo.

5ª - O Autor, após ter-se sempre manifestado no sentido de que não havia que assegurar o cumprimento de serviços mínimos, defende agora que cabia ao Governo provar (na Resolução!) que tais serviços não estavam a ser cumpridos.

6ª - As declarações prestadas pelo Autor sobre a desnecessidade de fixação de serviços mínimos não se enquadram no conceito de "declarações não sérias", como invoca, pois não reúnem os requisitos do art. 245° do C. Civil. O Autor bem sabia que a "outra parte" ora Réu as considerava como sérias, designadamente em face dos antecedentes.

7ª - Ora, "a declaração expressa do devedor de não querer cumprir", desde que séria, como aqui acontece, é uma causa de incumprimento definitivo da obrigação, como defende quase sem excepções a doutrina civilista (por todos, Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1990, 2° vol., pág. 457).

8ª - Não existe ligação necessária e contratual entre "serviços...

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