Acórdão nº 96/05 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 96/2005 Processo n.º 682/02 Plenário Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

AUTONUM 1.O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto dos Eleitos Locais (aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, e alterado pelas Leis n.º 97/89, de 15 de Dezembro, n.º 1/91, de 10 de Janeiro, n.º 11/91, de 17 de Maio, n.º 11/96, de 18 de Abril, n.º 127/97, de 11 de Dezembro, n.º 50/99, de 24 de Junho, n.º 86/01, de 10 de Agosto), por violação do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º, n.º 1, e concretizado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

À data do pedido, esse artigo 7.º estabelecia o seguinte:

“Artigo 7.º

Regime de remunerações dos eleitos locais em regime de permanência

1 – As remunerações fixadas no artigo anterior são atribuídas do seguinte modo:

  1. Aqueles que exerçam exclusivamente as suas funções autárquicas recebem a totalidade das remunerações previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior;

  2. Aqueles que exerçam uma profissão liberal, quando o respectivo estatuto profissional permitir a acumulação, ou qualquer actividade privada perceberão 50% do valor da base da remuneração, sem prejuízo da totalidade das regalias sociais a que tenham direito.

    2 – Para determinação do montante da remuneração, sempre que ocorra a opção legalmente prevista, são considerados os vencimentos, diuturnidades, subsídios, prémios, emolumentos, gratificações e outros abonos, desde que sejam permanentes, de quantitativo certo e atribuídos genericamente aos trabalhadores da categoria optante.

    3 – Os presidentes de câmaras municipais e os vereadores em regime de permanência que não optem pelo exclusivo exercício das suas funções terão de assegurar a resolução dos assuntos da sua competência no decurso do período de expediente público.”

    Para sustentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o requerente:

    [...]

    5. De acordo com a letra da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, ao regime de permanência em exclusividade de funções corresponderá a totalidade da remuneração, definida em termos quantitativos no artigo 6.º do mesmo diploma.

    6. Por sua vez, os eleitos locais em regime de permanência que não optem pelo exercício exclusivo de funções autárquicas, em virtude do desempenho de profissão liberal ou de qualquer outra actividade privada, auferirão, nos termos do artigo 7.º, n.º1, alínea b), metade do valor base previsto na alínea a) do mesmo artigo e número.

    7. Relativamente aos eleitos locais em regime de meio tempo, determina o artigo 8.º do diploma em análise que os mesmos perceberão metade do valor das remunerações e subsídios dos vereadores em regime de tempo inteiro, independentemente de desenvolverem ou não qualquer outra actividade pública, privada, remunerada ou gratuita, prestada de forma regular e permanente ou ocasional.

    8. Da leitura do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), conjuntamente com o disposto no artigo 8.º da citada Lei, resulta a não distinção entre os autarcas em regime de permanência que cumulem as funções autárquicas com outras actividades e os autarcas que exercem as suas funções em regime de meio tempo.

    9. De acordo com a solução legal hoje constante da Lei n.º 29/87, os autarcas que desenvolvam actividade privada auferem, não obstante estarem abrangidos pelo regime de permanência, isto é, a tempo inteiro (com as obrigações e carga horária ínsitas no mesmo), o mesmo que os autarcas a tempo parcial, negligenciando o facto de os primeiros prestarem à autarquia o dobro do trabalho.

    10. Na realidade, o próprio legislador, não obstante tal igualitarismo remuneratório, considera ser distinta a situação de um autarca em regime de permanência de funções (independentemente de o mesmo cumular ou não com a função autárquica qualquer outro tipo de actividade) ao determinar, no art. 2.º, n.º 2, in fine, da Lei n.º 29/87, que dois vereadores em regime de meio tempo correspondem a um vereador em regime de permanência (também neste sentido, o artigo 58.º, n.º 3, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro).

    11. Deste modo, reconhece o legislador que o trabalho desenvolvido por um autarca em regime de permanência é diferente, em termos de quantidade, natureza e qualidade, da actividade prestada por um autarca em tempo parcial.

    [...]

    14. Não se considera [pelo contrário], compatível com um tratamento constitucionalmente adequado destas realidades, a igual remuneração atribuída a autarcas em regime de permanência e a autarcas em meio tempo, isto quando aqueles exerçam actividade privada, apesar de desempenharem a sua actividade pública pelo dobro do tempo destes últimos.

    15. Esta desigualdade torna-se mais gritante se se considerar que nada impede, sem perda de remuneração, o exercício de actividade privada pelos eleitos a meio tempo.

    16. As situações de facto, de um autarca em permanência sem exclusividade e a de um autarca a meio tempo, apenas se distinguem por um singular aspecto: o de o primeiro estar vinculado a prestar, em número de horas, o dobro do trabalho do segundo.

    17. E a esta desigualdade responde a Lei igualizando as respectivas remunerações.

    [...]

    22. Esta disposição (artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa), ao determinar que “para trabalho igual salário igual”, se considera que a trabalho igual em quantidade (duração e intensidade), natureza (dificuldade e penosidade) e qualidade (exigências em termos de conhecimentos, prática e capacidade), deverá corresponder igual retribuição, de igual modo determina também que a trabalho desigual deverá corresponder salário distinto.

    23. Muito embora se esteja a tratar da remuneração de titulares de órgãos públicos, aliás electivos, e não de qualquer relação laboral, crê-se aplicável à fixação da remuneração destes cargos a doutrina decorrente do princípio da igualdade.

    24. Assim, à luz do normativo constitucional invocado, tem-se que, na presente situação, os autarcas inseridos no âmbito do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 29/87, estarão a auferir a mesma remuneração que os autarcas que desenvolvem trabalho diverso, desde logo no que respeita à sua quantidade.

    [...]

    26. Face a tal, não parece razoável a equiparação estabelecida nos termos já anteriormente expostos, tendo o legislador optado por uma solução desproporcional e inadequada face à situação fáctica a regular, pondo em causa os princípios vertidos no artigo 13.º, n.º 1 e, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), ambos da Constituição da República Portuguesa.

    [...]

    28. Na realidade, da aplicação do actual normativo legal resulta que, coeteris paribus, um eleito local em regime de permanência, mas em exercício não exclusivo de funções, receberá exactamente o mesmo que um vereador em regime de meio tempo, resultando assim, que por ambos seja auferida igual remuneração, independentemente de os primeiros prestarem à autarquia o dobro do trabalho que os segundos prestam.

    [...]

    AUTONUM 2.Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e juntou cópia dos exemplares do Diário da Assembleia da República [DAR] que contêm os trabalhos preparatórios relativos ao diploma em apreciação.

    AUTONUM 3.Apresentado memorando, nos termos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, foi fixada a orientação deste Plenário, havendo agora que lavrar a respectiva decisão.

    1. Fundamentos

    AUTONUM 4.Importa começar por tratar de uma questão prévia.

    Na verdade, em data posterior à apresentação do presente pedido e, bem assim, da resposta do Presidente da Assembleia da República, foi publicada a Lei n.º 22/2004, de 17 de Junho, que procedeu à oitava alteração do Estatuto dos Eleitos Locais, dando nova redacção aos seus artigos 5.º e 7.º, e determinando o início de produção dos seus efeitos, quanto a este último artigo, em 1 de Outubro de 2003.

    O legislador manteve intacta a redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º, cuja apreciação é objecto do presente pedido de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade. Foi, todavia, alterada a redacção da alínea a) do n.º 1 desse artigo 7.º, que passou a dispor:

    [A]s remunerações fixadas no artigo anterior são atribuídas do seguinte modo:

    a) Aqueles que exerçam exclusivamente funções autárquicas, ou em acumulação com o desempenho não remunerado de outras funções públicas ou privadas, recebem a totalidade das remunerações previstas no artigo anterior

    .

    Por seu turno, o novo n.º 2 do artigo 7.º, aditado pela Lei n.º 22/2004 (tendo os anteriores n.ºs 2 e 3 passado a n.ºs 3 e 4), veio determinar que «[p]ara os efeitos do número anterior, não se considera acumulação o desempenho de actividades de que resulte a percepção de rendimentos provenientes de direitos de autor».

    Após esta alteração introduzida pela Lei n.º 22/2004, também os autarcas que exerçam funções em acumulação com o desempenho não remunerado de funções públicas ou privadas recebem a totalidade da remuneração (sobre o conceito de acumulação, cf. João Alfaia, «Acumulação», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. I, Atlântida Editora, Coimbra, 1965, pp. 166 e ss.). Era algo que não resultava – ou, para quem perfilhe outra interpretação, não resultava claro – do regime anterior, já que este último, para efeitos remuneratórios, não previa qualquer distinção entre eleitos locais que acumulassem o exercício de funções com outras actividades remuneradas e os eleitos locais que, além das funções autárquicas, desempenhassem actividades, públicas ou privadas, não remuneradas. Por conseguinte, no contexto do Estatuto dos Eleitos Locais, na versão anterior à Lei n.º 22/2004, tudo apontava para que um eleito local que exercesse outras...

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