Acórdão nº 160/07 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Março de 2007

Data06 Março 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 160/2007

Processo n.º 390/06

Plenário

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em que são recorrentes o Ministério Público e a Fazenda Pública e recorrida A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 7 de Fevereiro de 2006.

      Foi determinado que o julgamento se fizesse com intervenção do plenário, ao abrigo do n.º 1 do artigo 79.º-A da LTC.

    2. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças, de 8 de Abril de 2002, decidiu-se prosseguir com a reversão da execução fiscal contra a ora recorrida, na qualidade de responsável subsidiária (fl. 29 dos autos), a qual foi citada, nos termos dos artigos 246.º do Código de Processo Tributário e 23.º da Lei Geral Tributária (fl. 30 dos autos).

      Deduzida oposição pela ora recorrida e admitidos os respectivos autos no 2.º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, foi proferido despacho no sentido de “as partes alegarem o que tiverem por conveniente” sobre a questão de saber se “a reversão pode efectivar-se por efeito de um mero acto administrativo”, atendendo ao disposto nos artigos 2.º, 13.º, 111.º, 202.º e 212.º e 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP). O Ministério Público e a Fazenda Pública pronunciaram-se no sentido da improcedência da questão de inconstitucionalidade.

    3. A sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida, anulando o despacho de reversão em causa e extinguindo a execução contra a oponente, decidindo a “questão prévia da inconstitucionalidade da reversão” do seguinte modo:

      “1) A fl. 113 dos autos, suscitou-se a questão de, sabendo-se que a execução decorreu de despacho do Chefe de Serviço de Finanças/Administração Tributária (vd. fl. 29 dos autos), se apurar se a reversão de que a oponente foi objecto pode efectivar-se por meio de um mero acto administrativo. Note-se que não se suscitou qualquer questão quanto à constitucionalidade da responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, mas antes quanto à conformidade dos preceitos que autorizaram a reversão por despacho do Chefe do Serviço de Finanças (AT) com os princípios constitucionais que garantem: a separação de poderes; a competência dos Tribunais; a tutela jurisdicional efectiva; o direito de defesa; e a igualdade de tratamento (tendo presente, p. ex., no direito privado, o regime aplicável em acções de responsabilidade, e, no direito público, a competência judicial em casos como os do direito de regresso: vd., p. ex., Ac. STA de 2/2/1995, Proc. 035151).

      Em causa estão os seguintes normativos constitucionais: os artigos 2.° (Estado de Direito Democrático), 13.º (Igualdade de tratamento), 111.º (Separação de poderes); 202.° e 212.° (Competência dos Tribunais), e 20.° e 268.°, n.° 4 (Tutela jurisdicional efectiva e direito de defesa).

      Como se trata de questão que ainda não tinha sido levantada nos autos, as partes foram convidadas a alegarem o que tivessem por conveniente sobre a mesma (vd. fl. 113 dos presentes autos).

      2) No caso dos autos, a reversão foi efectuada ao abrigo dos artigos 43.°, al. g) (“Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a eles respeitantes, salvo o que se dispõe no n.° 2 do artigo 237.°”), 239.°, n.° 2 [“o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

      1. Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Insuficiência do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.”], 13.º (n.° 1: “os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.”) e 246.° (n.° 1: “quando a execução reverta contra responsáveis subsidiários, o chefe de repartição de finanças mandá-los-á citar todos, depois de obtida informação no processo sobre as quantias por que respondem.”), todos do CPT, e ainda ao abrigo do artigo 23.º, n.º 1: “a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.”) da LGT (vd. fls. 29 dos autos).

      3) Pelas razões que em seguida se expõem, entendo que estes artigos são inconstitucionais, ao permitirem que o Chefe da Repartição de Finanças decida da reversão, o que configura clara violação da esfera reservada de competência judicial, e, por sua vez, a violação: a) do princípio da separação de poderes (art. 111.º CRP) e da competência dos Tribunais (art. 202.° e 212.° CRP); b) do princípio da tutela jurisdicional efectiva (art. 20.° e 268.°, n.° 4, CRP) e do direito de defesa (art. 20.° CRP); e c) do princípio da igualdade (art. 13.° CRP).

      4) Tendo em consideração o regime legal donde deriva a competência do Chefe da Repartição de Finanças para efectuar a reversão, verifica-se que, ao tempo do CPCI, a competência do mesmo decorria do respectivo art. 16.° (se preenchidos os requisitos constantes do art. 146.°), e que, no âmbito do CPT, a referida competência decorria dos mencionados arts. 43.º, al. g), 239.°, n.° 2, 13.° e 246.°, n.° 1, do CPT, e art. 23.°, n.° 1, da LGT, que se consideram inconstitucionais.

      5) Com efeito, consideram-se, desde logo, inconstitucionais, porque não parece que se possa afirmar que a reversão pode efectivar-se por meio de mero acto administrativo. Decorre, aliás, de diversa jurisprudência, o entendimento de que o despacho de reversão tem a natureza de uma condenação no pagamento de um montante por responsabilidade extra-contratual – neste sentido, vd., v.g., os seguintes arestos: “1 - A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores das sociedades de responsabilidade limitada tem natureza extra-contratual.” (Ac. TCAN de 31/3/2005, Proc. 00144/04); “Sendo as normas delimitadoras da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de sociedades relativas a responsabilidade extracontratual não pode deixar de se lhe aplicar a lei vigente no momento em que ocorre o facto gerador da responsabilidade.” (Ac. STA de 27/4/2005, Proc. 0576/04); “I - A responsabilidade subsidiária a que se refere o Dec-Lei 68/87 e o art. 78 do Cód. Soc. Comerciais tem natureza delitual ou extracontratual.” (Ac. STA de 17/12/1997, Proc. 022075).

      6) Estamos, assim, perante uma situação que a doutrina administrativa tradicional chamaria de usurpação de poder (vd., sobre este conceito, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed. Revista, 1993, p. 792). Isto porque, ainda que o acto ora sindicado seja autorizado por lei, fica claramente levantada a questão da conformidade dos preceitos que autorizaram a reversão por despacho do Chefe do Serviço de Finanças com os diversos princípios constitucionais que garantem: a) a separação de poderes e a competência dos Tribunais; b) a tutela jurisdicional efectiva e o direito de defesa; e c) a igualdade de tratamento.

      7) Por outro lado, não parecem existir dúvidas sobre a caracterização da reversão como uma “ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo” (José Alberto dos Reis). Assim sendo, este “incidente” deve ser conhecido, em primeira linha, pelo órgão jurisdicional competente. A este respeito, vd. o seguinte aresto: “como refere Jorge de Sousa, em anotação a este artigo [art. 15l.° CPPT » art. 237.°, n.° 2, CPT], as matérias cujo conhecimento é atribuído no n.° 1 deste artigo aos tribunais tributários são as que exigem uma decisão de carácter jurisdicional. Assim, devem ser conhecidos pelo tribunal os incidentes que exijam uma decisão de carácter jurisdicional, considerando-se incidente, no dizer do Prof. José Alberto dos Reis, «uma ocorrência extraordinária que perturba o movimento normal do processo».” (Ac. STA de 8/6/2005, Proc. 01244/04).

      8) O despacho de reversão ora em causa não configura, pois, uma simples entrada de novos sujeitos processuais, já de si contrária ao princípio da estabilidade da instância (vd. art. 268.° CPC), ele configura uma verdadeira acção de condenação com base em responsabilidade extra-contratual (como nota Jorge Lopes de Sousa, em CPPT Anotado, 4.ª Ed., 2003, p. 697, “a responsabilidade subsidiária não visa apenas a defesa directa dos interesses patrimoniais da administração tributária, mas tem ínsita uma ideia sancionatória”); o título executivo inicial serve apenas para determinar o montante da responsabilidade. Verifica-se, deste modo, que, por via da reversão, temos não só novos sujeitos, como também novos fundamentos que alteram completamente a natureza da execução: esta passa de execução com base em dívida tributária para uma execução com base em responsabilidade extracontratual.

      9) Na aparente simplicidade do despacho de reversão, o Chefe de Serviço profere uma condenação no pagamento de uma quantia determinada com fundamento em responsabilidade extra-contratual. Ora, a apreciação desta responsabilidade exige, pela sua natureza e pelas suas consequências, até para o cônjuge, uma protecção judicial de 1.º grau. No mesmo sentido, vd. a fundamentação para um caso relativo a custas, perfeitamente transponível para o processo sub judice: “IV – A decisão condenatória ou absolutória em custas consubstancia em si mesma uma «decisão jurisdicional» porque implica a determinação do respectivo responsável e, eventualmente, a repartição dessa responsabilidade por uma pluralidade de partes.” (Acórdão do Tribunal Constitucional de...

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