Acórdão nº 64/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 64/2005 Processo n.º 10/05 1.ª Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

I – A Causa

  1. A., preso preventivamente à ordem do processo comum/colectivo nº 364/03.4 JACB, da 2ª Secção da Vara Mista de Coimbra, no qual foi condenado, por Acórdão de 15/07/2004, na pena de seis anos de prisão (em co-autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes – artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), condenação da qual recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio requerer, em 7/12/2004, providência de habeas corpus.

    Para tal efeito alegou que, tendo sido reavaliada em 4/08/2004 a subsistência dos pressupostos da sua sujeição à medida de prisão preventiva, mantendo-a, deveria, em obediência ao disposto no artigo 213º, nº 1 do Código de Processo Penal (doravante, CPP), ter-se procedido a novo reexame desses pressupostos, o mais tardar até 4/11/2004, sendo que a falta de tal iniciativa processual determinaria, daí em diante, a ilegalidade da persistência da privação da liberdade do requerente e fundaria a dedução de providência de habeas corpus.

    Com efeito, segundo defende A., no requerimento através do qual suscitou a providência em causa:

    “[o artigo 27º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP)] estabelece que a prisão preventiva só poderá manter-se «pelo tempo e nas condições que a lei determinar», condições essas que são concretizadas pelo legislador ordinário, nomeadamente no artigo 213º do CPP que prevê a reapreciação trimestral.

    Assim, qualquer privação da liberdade que ocorra em incumprimento da lei processual penal terá inevitavelmente que se qualificar como ilegal.

    [Constituindo] circunstância que se integra no âmbito do habeas corpus, contrariamente ao que tem sido propugnado por alguma jurisprudência.

    [E o entendimento contrário violaria] o disposto no artigo 32º nº 1 da Constituição [...]”.

    Daí que o requerente, ao pedir a concessão da providência ao abrigo do disposto no artigo 222º, nº 2, alínea c) do CPP, tenha adiantado o seguinte argumento:

    “A interpretação do artigo 222º, nºs 1 e 2, alínea c) do CPP, no sentido de que o «facto de não ter sido estritamente respeitado o prazo a que alude o artigo 213º do CPP, para reexame dos pressupostos da prisão preventiva, não constitui de per si fundamento para a providência de habeas corpus» é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 27º, nº 1; 28º, nº 2; 31º, nº 1 e 32º, nºs. 1 e 2 da CRP.”

    Instruída a providência no Tribunal da Relação de Coimbra, onde se encontrava pendente o processo em causa (v. fls. 6 e vº), proferiu o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 15/12/2004, decisão, consubstanciada no Acórdão aqui recorrido (fls. 47/54), indeferindo, “por falta de fundamento”, o pedido de habeas corpus. Estribando o decidido, escreveu-se neste aresto:

    “[...] O que o Requerente sustenta é que a omissão do reexame oficioso trimestral da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, imposto pelo artº 213º do CPP, por determinar ilegalidade, constitui fundamento da providência, subsumível à previsão da invocada alínea c), sob pena de inconstitucionalidade material da respectiva norma, por violação dos arts. 27º, nº1, 28º, nº 2 , 31º, nºs. 1 e 2 da CRP.

    A argumentação, todavia, não procede.

    Já vimos a natureza que a providência assume na jurisprudência tradicional do STJ que, no essencial, tem sido perfilhada pelo Tribunal Constitucional (Cfr. Acórdão nº 423/2003, Pº nº 571/2003, de 24.09.03, no DR, II Série, de 15.04.04, pág. 5887 e segs.).

    Essa natureza de remédio urgente e expedito contra a ilegalidade da prisão concretizadora de abuso de poder, exige, como vimos, que deparemos com uma situação de «violação directa e substancial, em contrariedade imediata e patente da lei», estando consequentemente arredados do seu objecto «os juízos, verdadeiramente de julgamento de direito e de facto, quanto à interpretação e verificação dos pressupostos e condições da privação da liberdade»

    Ora, é o próprio Requerente a reconhecer que aquela omissão não cabe directamente na previsão da citada alínea c). Por isso, todo o esforço interpretativo feito no sentido de abalar a posição tradicional do STJ sobre essa concreta questão, fixada, entre outros, nos arestos que cita e que aqui sufragamos por inteiro – a de que essa omissão não determina a extinção da medida nem, por si, integra fundamento de habeas corpus –, com apelo à proclamada inconstitucionalidade material, no sentido de nela a encaixar, quando não mesmo de criar uma norma nova que a contemple.

    Mas um exercício desse tipo ultrapassa, repete-se, o âmbito e as possibilidades da providência, sem que com isso se afronte a Constituição, designadamente o núcleo essencial do direito à liberdade e à segurança ou se diminuam, minimamente que seja, as garantias de defesa consagradas pelo artº 32º, nº 1 da CRP. Basta ver, por um lado, que a falta daquele reexame oficioso de modo algum compromete irremediavelmente o direito à liberdade e segurança, como assevera o Requerente, porque não constitui, decididamente, o único meio de acautelar situações de prisão preventiva injustificadas. A omissão do juiz, com efeito, pode ser perfeitamente colmatada, sem dano irreparável ou intolerável para nenhum daqueles direitos e garantias, por requerimento do próprio arguido ou do Ministério Público e o despacho que sobre eles recair (como o despacho de reapreciação oficiosa, naturalmente) ser objecto de recurso, também ele a decidir em espaço de tempo muito curto (cfr. arts. 212º e 219º do CPP).

    Por outro lado, se é verdade que o artº 27º, nº 3, alínea b) da CRP estipula que cabe à lei ordinária estabelecer os prazos e as condições da prisão preventiva, já vimos que a matriz dessa regulamentação está também ela consagrada no artº 28º seguinte, onde não vemos indícios da condição alegadamente estabelecida no artº 213º do CPP.

    E de facto, a imposição do reexame periódico não tem a ver directamente com as condições em que a prisão preventiva pode ser decretada e muito menos com as condições em que a medida se extingue, as quais estão arroladas, taxativamente, como não podia deixar de ser, nos arts. 202º e 204º, por um lado, e 214º e 215º, por outro, todos do CPP. Constitui antes mero reflexo da natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva, sem dúvida para que a medida seja revogada ou substituída por outra menos gravosa, sempre que deixem de subsistir ou se alterarem os pressupostos substantivos que a determinaram. Não é, pois, remédio para o decurso do prazo máximo da sua duração, acautelado como se disse, pelo artº 215º, cuja violação, esta sim, se torna imediatamente visível.

    A violação do nº 2 do artº 32º pela não consideração da omissão do reexame daqueles pressupostos como fundamento de per si da providência é conclusão que sinceramente não alcançamos, pois não vemos em que é que o entendimento contrário pode colidir com os princípios da celeridade processual e da presunção de inocência do arguido ou traduzir-se em «... antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares». Não se discute, nem tem de se discutir aqui, a natureza do prazo fixado no artº 213º do CPP e muito menos que a prisão preventiva não deva estar sujeita a reavaliação oficiosa periódica. A lei obriga a essa reavaliação e a sua infracção constitui obviamente ilegalidade. É questão que temos por assente. Mas, repete-se, nem toda a ilegalidade do regime da prisão preventiva legitima o recurso ao habeas corpus. Só, como atrás se disse, a que traduz ofensa grave e grosseira à liberdade e concretize o abuso de poder. E, quanto a este pressuposto nuclear, o Requerente não intentou sequer demonstrá-lo. Como quer que seja, a subsistência ou a cessação das circunstâncias que justificaram a prisão preventiva ou a atenuação das exigências cautelares que estiveram na sua base, pela densidade dos juízos de facto e de direito que o seu julgamento pressupõe, de modo algum se coadunam com o caracter expedito do habeas corpus, tal como vem de ser caracterizado.[...]”

    1.1. Veio então o requerente interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), referindo ter esta decisão do STJ interpretado a norma do artigo 222º, nºs. 1 e 2, alínea c), do CPP, “no sentido de que a omissão do reexame trimestral, previsto no artigo 213º, nº 1 do CPP, não determina a extinção da prisão preventiva, nem integra, por si, fundamento de habeas corpus”. Este entendimento desse trecho do artigo 222º, violaria – na visão do requerente e aqui recorrente – os artigos 27º, nº 1; 28º, nº 2; 31º, nº1 e 32º, nºs. 1 e 2 da CRP.

    Admitido o recurso no STJ, os autos foram remetidos a este Tribunal onde o recorrente produziu as respectivas alegações, rematando-as com as seguintes conclusões:

    “[...]

  2. O art. 213º, nº 1 do CPP impõe ao juiz a obrigação de proceder oficiosamente, de três em três meses, ao reexame da subsistência dos pressupostos que determinaram a aplicação da prisão preventiva.

  3. A ausência dessa reapreciação viola aquela disposição legal...

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