Acórdão nº 693/06 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução19 de Dezembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 693/2006

Processo nº: 816/2006.

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Em 3 de Novembro de 2006 o relator proferiu a seguinte decisão: –

1. Tendo, pelo Tribunal de comarca da Marinha Grande, A., Ldª., e B., S.A., peticionado a declaração de insolvência de C., Ldª., foi a requerida citada na pessoalmente na pessoa do seu legal representante.

Fez então esta juntar aos autos requerimento por via do qual – dando a conhecer que, no acto de citação, lhe foi entregue duplicado do petitório e informada de que na secretaria do Tribunal se encontravam, para consulta, cópia dos documentos apresentados com aquele petitório, nos termos do nº 2 do artº 26º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa – requereu que fosse considerada nula a citação, visto que, na sua óptica, aquele preceito se aplicava aos «interessados» e não à requerida – que havia de ser citada nos termos do nº 3 do artº 228º do Código de Processo Civil – ou, se assim se não entendesse, que fosse deferida a prorrogação, por dez dias, do prazo para oposição.

Por despacho exarado em 19 de Janeiro de 2006 pela Juíza daquele Tribunal de comarca, foi desatendida a arguida nulidade, o que motivou a requerida a dele agravar para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Na alegação adrede produzida, a requerida foi dito, em dados passos, para o que ora releva: –

‘(…)

3 – O artº 26 nº 2 do CIRE remete os ‘interessados’ para a consulta dos documentos na secretaria judicial mas não a Requerida, ora Agravante, que deve ser citada nos termos do artº 228 nº 3 do CPC, aplicável ex vi artº 17 daquele diploma legal, sob pena de se encontrar violado o princ[í]pio do contraditório;

4 – Os destinatários daquela norma, artº 26º nº 2 do CIRE, são os credores e/ou a comissão de credores e não a Requerida, ora Agravante, que deve ter acesso pleno a todos os documentos sob pena de ficar prejudicado o exercício do princ[í]pio do contraditório;

5 – O artº 26 CIRE, in casu os seus nº 2 e 4, a ser interpretado literalmente, como foi no despacho agravado viola o artº 228 nº 3 do CPC prejudicando um direito que assiste à Requerida, ora Agravante;

6 – Ao não ser[ ] facultad[a] à Requerida, ora Agravante, uma cópia dos documentos está a mesma impedida, de facto e de direito, de exercer em pleno o direito de se opor ao Requerimento de insolvência;

(…)

11 – O nº 2 do artº 26 do CIRE não pode, considerando os princ[í]pios que norteiam o processo civil ser interpretado, como se fez no despacho recorrido, de forma literal reforçando tal interpretação com o disposto no nº 4 da mesma norma;

(…)

14 – Com a interpretação que é feita no despacho recorrido do nº 2 e nº 4 do art. 26 do CIRE, está de facto em causa ‘o exercício do princípio do contraditório entendido na sua plenitude.’;

15 – A interpretação de tal norma, nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE, tal como foi feita no despacho recorrido viola o disposto no artº 228 nº 3 do CPC, trave mestra do nosso Direito Processual Civil no que toca à regra que devem seguir as notificações e citações das partes num qualquer processo;

16 – A interpretação daquela norma como foi feita no despacho recorrido viola o princípio constitucional do contraditório que embora não se ache formulado expressamente na Constituição da República Portuguesa para o processo civil ou para o processo especial de insolvência, não pode ele deixar de valer também nesse domínio, já que se trata de uma exigência da própria ideia de Estado de Direito;

17 – A interpretação do artº 26 do CIRE, conjugando o teor do seu nº 2 com o do nº 4, tal como é feita no despacho recorrido é manifestamente inconstitucional;

18 – Ou, in casu, a norma na parte em causa, de per si, deve ser declarada inconstitucional por violar o princípio do contraditório consagrado na Constituição sem que o seja, como se afirmou, expressamente;

19 – O conhecimento efectivo e pleno da propositura de uma acção contra uma determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrados nomeadamente no nº 1 do artº 20º da Constituição da República Portuguesa que é violado com a interpretação da supra citada norma tal como é feita no despacho recorrido;

(…)

23 – A interpretação feita no despacho do nº 2 e 4 do artº 24 do CIRE é manifestamente ilegal e inconstitucional;

(…)

Conclusões:

(…)

D – O nº 2 do artº 26 do CIRE remete os ‘interessados’ para a consulta dos documentos na secretaria judicial mas não a Requerida, ora Agravante, que deve ser citada nos termos do artº 228 nº 3 do CPC, aplicável ex vi artº 17 daquele diploma legal, sob pena de se encontrar violado o princ[í]pio do contraditório;

E – Os destinatários daquela norma, artº 26 nº 2 do CIRE, são os credores e/ou a comissão de credores e não a Requerida, ora Agravante, que deve ter acesso pleno a todos os documentos sob pena de ficar prejudicado o exercício do princ[í]pio do contraditório;

(…)

G – Está de facto em causa, a interpretar-se o nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE conforme se fez no despacho Recorrido ‘o exercício do princípio do contraditório entendido na sua plenitude. ‘ (vide doutrina supra citada);

(…)

I – O conhecimento efectivo e pleno da propositura de uma acção contra uma determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva princ[í]pio este consagrado no nº 1 do artº 20º da Constituição da República Portuguesa;

J – A interpretação que foi feita no despacho recorrido do nº 2 e 4 do artº 26 do CIRE que nega à Agravante o acesso pleno e sem limitações de qualquer ordem a todos os elementos e cópias legíveis dos documentos e peças do processo necessários à plena compreensão do seu objecto, viola o princípio constitucional do contraditório que embora não se ache formulado expressamente na Constituição da República Portuguesa para o processo civil ou para o processo especial de insolvência não pode ele deixar de valer também nesse domínio, já que se trata de uma exigência da própria ideia de Estado de Direito;

K – O conhecimento efectivo e pleno da propositura de uma acção contra uma determinada pessoa traduz-se na primeira das garantias mais relevantes para o cumprimento dos princípios do contraditório, da igualdade e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrados nomeadamente no nº 1 do artº 20º da Constituição da República Portuguesa que é violado com a interpretação da supra citada norma tal como é feita no despacho recorrido;

L – A interpretação do nº 2 e 4 do artº 24 do CIRE tal como é feita no despacho recorrido é assim manifestamente inconstitucional devendo o despacho ser revogado também com esse fundamento;

M – Ou em última instância, in casu, a norma, o nº 2 e 4 do artº 26 do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, de per si, deve ser declarada inconstitucional por violar o princípio constitucional do contraditório e o nº 1 do artº 20 [d]a CRP;

(…)’

O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27 de Junho de 2006, negou provimento ao agravo, tendo, para tanto, carreado a seguinte fundamentação: –

‘(…)

  1. – Quanto à primeira questão:

A Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto, autorizou o Governo a aprovar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, revogando o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (art. 1.º, n.º 1).

O Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (art. 1.º, n.º 2).

O Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, aprovou o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, publicado em anexo ao mesmo Decreto-Lei, do qual faz parte integrante (art. 1.º).

O referido Diploma entrou em vigor 180 dias após a data da sua publicação (art. 13.º). Como este Decreto-Lei foi publicado em 18 de Março de 2004, a sua entrada em vigor ocorreu em 15 de Setembro desse mesmo ano.

O Decreto-Lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto, introduziu alterações de redacção a vários artigos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, entrando também em vigor em 15 de Setembro de 2004.

No relatório do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, salientou-se que:

O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.

Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma actividade comercial, assume por esse motivo indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes repercute-se necessariamente na situação económica e financeira dos demais. Urge, portanto, dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas

– (cfr. n.º 3 do relatório).

Mais adiante, salientou-se:

A presente reforma teve também por objectivo proceder à harmonização do direito nacional da falência com o Regulamento (CE) n.º 1346/2000, de 29 de Maio, relativo às insolvências transfronteiriças, e com algumas directivas comunitárias relevantes em matéria de insolvência.

Estabelece-se ainda um conjunto de regras de direito internacional privado, destinadas a dirimir conflitos de leis no que respeita a matérias conexas com a insolvência

– (cfr. n.º 48 do mesmo relatório).

No artigo 1.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, dispõe-se que «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor...

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