Acórdão nº 681/06 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Dezembro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Dezembro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 681/2006 Processo n.º 372/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório AUTONUM 1.O Ministério Público veio, “nos termos das disposições conjugadas dos artºs 70.º, n.º 1, a), e 72.º, n.ºs 1, a), e 3, 75.º, n.º 1, 75.º-A, n.º 1, e 78.º, n.º 4, todos da Lei n.º 28/82, de 15.11, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto despacho proferido nos autos à margem referenciados, a 18.2.2006,

1. Com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do art.º 20.º, n.º 4, da Constituição (consagração de um processo equitativo, que assegure a igualdade de armas na tramitação processual);

2. O douto despacho em apreço recusou a aplicação da disposição do art.º 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário na parte em que, prescrevendo que os meios de prova “devem revestir natureza exclusivamente documental”, impede o recurso à prova testemunhal.

O despacho recorrido assentou na seguinte fundamentação:

Na parte final da douta P.I., Recorrentes arrolam uma testemunha.

Analisado o conteúdo do petitório, verifico que, efectivamente, se alegam nos artigos 17.º a 30.º diversos factos. E que o meio idóneo para efectuar a prova de alguns deles – em especial dos alegados nos artigos 29.º e 30.º ? é, efectivamente, a prova testemunhal.

Sucede que o artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário só admite meios de prova de natureza documental.

Deve, contudo, questionar-se a constitucionalidade desta disposição legal à luz do princípio da tutela judicial efectiva, que emana do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Tem-se entendido, na verdade, que a efectividade da garantia de acesso à via judiciária implica a «consagração de um verdadeiro “direito à prova”, facultando-se a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para a demonstração da realidade dos factos que sirvam de base à acção ou à defesa» e «a eliminação das disposições especiais que (...) limitassem o tipo de meios probatórios admissíveis».

É verdade que este princípio não pode ser interpretado como a consagração constitucional da livre admissibilidade dos meios de prova. A lei ordinária consagra múltiplas limitações ao exercício do direito de defesa no acesso aos meios probatórios, algumas impostas por razões materiais, como são aquelas que consagram a inadmissibilidade da prova testemunhal em contrário ou além de documentos autênticos (ex.: artigos 364.º e 393.º, ambos do Código Civil), outras servindo finalidades meramente adjectivas. Quanto a estas, pondere-se que o livre e indisciplinado acesso aos meios de prova por uma parte pode servir para condicionar ou até inviabilizar a tutela dos direitos e interesses da outra parte. A Constituição não impõe um determinado modelo processual: delimita a configuração desse modelo, por forma a que razões de eficácia, de celeridade, de oportunidade não subvertam a finalidade última do processo, a realização da justiça.

No caso, porém, não são razões de celeridade que justificam a limitação dos meios de prova. A decisão no prazo de 90 dias não é incompatível com a prova testemunhal e o processo judicial tributário contêm múltiplos exemplos de processos urgentes que comportam prova testemunhal.

A eficácia da iniciativa da A.F. também não fica prejudicada pela inquirição das testemunhas. Aliás, o esforço probatório desenvolvido até poderá auxiliar a marcha do procedimento tributário em curso.

A oportunidade da admissão deste meio de prova é, no direito tributário, concretamente avaliada pelo juiz, que poderá dispensar as provas desnecessárias, impertinentes e inúteis, e é sindicada pelas partes, em via de recurso.

A restrição à prova documental só pode, assim, ter a sua razão de ser na intenção legislativa de eleger um meio de prova mais exigente e, tendencialmente, mais seguro.

Sucede que a A.F. não está, na proposta de derrogação do sigilo bancário, condicionada por idênticos limites. No procedimento em que assenta a derrogação do sigilo bancário, o órgão instrutor poderá utilizar todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários à decisão, nomeadamente tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas – artigos 72.º da Lei Geral Tributária e 50.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E, embora não possa renovar essa prova no presente processo, nada impede que junte ao processo a transcrição dessas declarações e desses depoimentos – artigo 55.º do Reg. Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

Ora, a tutela judicial efectiva passa também pela consagração de um processo equitativo, que assegure a igualdade de armas na tramitação processual – n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Sem dificuldade se admitirá também que a prova testemunhal possa revelar-se em concreto o meio de prova mais adequado e até o único meio de prova ao alcance do Recorrente quando – como é o caso – a decisão de levantamento do sigilo bancário assenta na invocada necessidade do recurso à tributação indirecta.

Bem vejo que a necessidade de recurso a informações bancárias supõe justamente que o procedimento de que constitui incidente não está concluído e que ainda não há uma decisão final quanto à necessidade de tributação e quanto ao método de tributação. Em teoria, o acesso à informação bancária pode até fazer retomar a fiscalização à avaliação directa. Mas se o legislador entendeu condicionar o acesso à informação bancária à demonstração de que é necessária para aceder à verdade fiscal do contribuinte, não podia deixar de admitir também que o contribuinte fizesse a demonstração do contrário pelos mesmos meios.

Assim sendo, julgando materialmente inconstitucional, à luz do artigo 20.º da Constituição, a disposição do artigo 146.º-B, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na parte em que, prescrevendo que os meios de prova «devem revestir natureza exclusivamente documental», impede o recurso à prova testemunhal, admito a inquirição da testemunha arrolada».

AUTONUM 2.Determinada a produção de alegações, no Tribunal Constitucional o Ministério Público defendeu que deve confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida, tendo concluído que:

“O segmento final da norma constante do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, ao restringir à prova documental o tipo de meios probatórios ao dispor do contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária – precludindo qualquer apreciação ou valoração judicial, susceptível de permitir adequar os meios probatórios requeridos à natureza dos factos controvertidos e à previsível utilidade para a justa composição do litígio – viola o direito de acesso aos tribunais, na dimensão do «direito à prova» por parte do litigante onerado com o «ónus da prova».”

Também apresentou alegações o recorrido A., que concluiu dizendo:

“Nestes termos, e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V.exas, deve a norma do artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, na parte em que limita o recurso interposto pelo contribuinte à prova documental, ser julgada inconstitucional por violação dos artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º e 26.º, todos da Constituição e, em consequência, deve ser mantida a decisão recorrida que recusou a sua aplicação”.

Cumpre decidir.

II. Fundamentos AUTONUM 3.A norma em causa, cuja aplicação foi recusada – e que o Tribunal Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso, sem que se detenha, como pretende o recorrido nos artigos 14.º a 22.º das suas contra-alegações, em saber se estão ou não verificados os pressupostos para o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável – é o artigo 146.º-B, n.º 3, parte final, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, artigo, este, introduzido no CPPT pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que tem o seguinte teor:

“Artigo 146.º-B Tramitação do recurso interposto pelo contribuinte

(…)

3 – A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental.

(…).”

A questão de saber se esta norma, no segmento final, em que veda a possibilidade de o contribuinte produzir prova testemunhal no recurso da decisão da administração tributária que determina o acesso à informação bancária para fins fiscais, viola ou não o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, não foi ainda apreciada por este Tribunal.

Não obstante, importa considerar o que no Acórdão n.º 209/95 (publicado no Diário da República, II Série, 23 de Dezembro de 1995) o Tribunal Constitucional afirmou já a respeito da norma do artigo 73.º, n.º 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 4 de Dezembro, que apenas admitia prova testemunhal no...

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