Acórdão nº 26/20.8YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC. N.º 26/20.8YFLSB * ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. Partes Autora: AA Entidade demandada: Conselho Superior da Magistratura (CSM) II. Actos impugnados Da leitura conjunta da petição inicial e dos dois articulados supervenientes resultam impugnados os seguintes actos: 1 - Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 7.07.2020, que decidiu pela improcedência do pedido de revisão apresentado pela autora, relativo à decisão do procedimento disciplinar n.º 269/....

2 - Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 19.11.2019, que decidiu pelo indeferimento do recurso apresentado pela autora do despacho do Senhor Inspector instrutor de 11.10.2019.

3 - Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 23.03.2021, que decidiu pelo indeferimento do requerimento apresentado pela autora em 12.02.2021.

4 - Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 20.04.2021, que decidiu pelo indeferimento do requerimento apresentado pela autora em 8.04.2021.

  1. Saneamento 1.

    O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território [cfr. artigos 169.º e 170.º, n.º 1, do EMJ; cfr. ainda Acórdãos do Tribunal Constitucional de 22.06.1999 (Acórdão n.º 373/99, Proc. 90/97), 23.06.2015 (Acórdão n.º 345/15, Proc. 1041/14) e 16.11.2020 (Acórdão n.º 640/2020, Proc. 1040/2019)].

    2.

    A petição inicial não é inepta.

    3.

    O processo é o próprio e é válido (cfr. artigos 66.º e s. do CPTA, ex vi do artigo 169.º do EMJ).

    4.

    As partes têm capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas.

    5. Das excepções suscitadas na contestação da entidade demandada 5.1.

    Embora não o fazendo separada e especificadamente, a entidade demandada suscitou, nos artigos 30.º a 32.º da contestação, as excepções de inimpugnabilidade contenciosa ratione temporis de um segmento do acto impugnado e de aceitação de acto nesse segmento.

    A autora replicou.

    Cumpre apreciar e decidir.

    5.2.

    Para conhecimento das excepções, importa deixar desde já enunciadas as seguintes ocorrências processualmente relevantes:

    1. No âmbito de um procedimento de revisão de sanção disciplinar, a ora autora apresentou em 30.09.2019 requerimento no qual solicitou a sua audição presencial (bem como a repetição da audição do Senhor Participante), perante o novo instrutor nomeado.

    2. O requerimento referido em A) foi indeferido pelo Senhor Inspector instrutor, por despacho de 11.10.2019, no que respeita às audições requeridas, o qual determinou o prosseguimento do procedimento de revisão com a audição pública da Senhora Juíza de Direito no Conselho Plenário, tomando por referência o relatório final de 21.12.2011, com as retificações de 30.01.2012 (fls. 124 a 139 do P.A.).

    3. Não se conformando com o teor do despacho referido em B), a ora autora apresentou a 4.11.2019 recurso hierárquico impróprio para o Conselho Plenário do CSM, cujo teor se dá por transcrito (fls. 150 a 156 do P.A.).

    4. As questões suscitadas no recurso hierárquico impróprio referido em C) foram ponderadas na deliberação tomada a 19.11.2019, que concluiu assim: “foi deliberado por unanimidade aprovar o projeto de deliberação do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Dr. Jorge Raposo, que contém o seguinte trecho decisório: 'Não admitir a reclamação apresentada, e proceder como proposto pelo Ex.mo Sr. Inspetor Judicial, prosseguindo o procedimento com a audição pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura da Senhora Juíza de Direito AA, atendendo-se então ao relatório final constante de fls. 1142 a 1178 verso, datado de 21.12.2011, com as retificações decorrentes do despacho de fls. 1289 a 1298, datado de 30.1.2012'”(fls. 160 a 163 do P.A.) E) A autora não impugnou contenciosamente a deliberação referida em D) no prazo de 30 dias contados da respectiva notificação.

    5. Os autos de procedimento disciplinar prosseguiram com a audição pública da autora, na sessão do Conselho Plenário de 11.02.2020.

    6. Em 7.07.2020 o Conselho Plenário da entidade demandada deliberou, por unanimidade, julgar improcedente o pedido de revisão formulado pela autora.

    7. Em 25.09.2020 a autora instaurou a presente acção administrativa de impugnação da deliberação referida em G).

    5.3.

    É inegável que a deliberação referida em D), porque objecto de notificação oportuna à autora, poderia ter sido impugnada no prazo a que alude o artigo 171.º, n.º 1, do EMJ. E é também inequívoco que esse acto, por ter eficácia externa, se projecta na esfera jurídica da autora.

    Mas será que o facto de aquele acto se ter tornado inimpugnável, por decurso do prazo para impugnação, impede que este Tribunal se pronuncie sobre as eventuais ilegalidades de que padeça e que se tenham repercutido no acto final, entendido como a deliberação referida em G), de 7.07.2020, pela qual se julgou improcedente o pedido de revisão de sanção disciplinar que a demandante formulara? Entende-se que não.

    É aplicável ao caso o disposto no artigo 51.º, n.º 3, do CPTA, ex vi dos artigos 166.º, n.º 2, 169.º e 173.º, todos do EMJ.

    Na sua versão inicial, o artigo 51.º, n.º 3, do CPTA dispunha: “salvo quando o ato em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer ato procedimental não impede o interessado de impugnar o ato final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento”.

    O texto foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, 21.10, passando a dispor: “os atos impugnáveis de harmonia com o disposto nos números anteriores que não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas ilegalidades digam respeito a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento ou a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma”.

    Em anotação ao preceito citado, na sua versão inicial, refere, em termos que permanecem actuais, a doutrina da especialidade o seguinte: “Em termos inovatórios, e que são de aplaudir, vem o art. 51.º/3 do CPTA estabelecer que (com exceção das hipóteses previstas logo no seu início) o facto de não se ter impugnado qualquer ato administrativo procedimental — é dizer, qualquer ato administrativo com eficácia externa localizado no início ou no seio de um procedimento administrativo — não impede o interessado de impugnar o ato administrativo final com fundamento nas ilegalidades que afetavam aquelas decisões anteriores.

    Anteriormente ao Código, o que sucedia (embora não se tratasse de posição unânime) era que a falta de atempada impugnação de um ato administrativo destacável determinava a sua consolidação na ordem jurídica e a preclusão da possibilidade de invocação das respetivas ilegalidades em sede de impugnação dos atos subsequentes do procedimento ou do ato final. Ou, como também se dizia, este tornava-.se inimpugnável com base naquelas ilegalidades, porque, nessa parte, se traduzia num ato meramente conformativo.

    Hoje, porém, já não é assim, passando a impugnação judicial dos atos administrativos procedimentais a ser vista como uma faculdade do interessado, não um ónus seu, pois — mesmo tendo-se tornado inimpugnáveis por força do decurso do prazo de reação judicial — as suas ilegalidades são sempre invocáveis a final, contra o ato constitutivo (quando, claro, se repercutam negativamente no seu conteúdo ou procedimento), tornando este derivadamente inválido.

    Quer isto dizer então que, sem prejuízo da faculdade de impugnação autónoma (e tempestiva) das suas ilegalidades — que é o que os distingue dos meros trâmites ilegais do procedimento —, vale hoje, para os atos administrativos com eficácia externa localizados no início ou no seio do procedimento, a mesma solução que sempre valeu para as ilegalidades desses trâmites procedimentais: as respetivas ilegalidades são invocáveis através da impugnação do ato final.

    O que implica, além do mais, que não se veja na respetiva falta de impugnação, ou na continuação da participação do interessado no procedimento, uma aceitação sua desses atos”[1].

    No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência mais recente dos tribunais superiores da jurisdição administrativa[2] e também deste Supremo Tribunal de Justiça[3].

    Tudo visto e ponderado, improcede esta excepção.

    5.4.

    Também improcede – diga-se já – a aludida excepção de aceitação do acto.

    Seguindo de perto a exposição da doutrina da especialidade[4], é seguro que a aceitação tácita do acto administrativo é um pressuposto processual autónomo da acção administrativa de pretensão conexa com actos administrativos, que implica a impossibilidade de impugnação ou a ilegitimidade superveniente, consoante a aceitação ocorra após a prática do acto (impugnado, e não um qualquer outro acto situado a montante), antes da interposição da acção ou já na pendência desta. Trata-se de uma vicissitude que não se confunde com a renúncia ao recurso contencioso, podendo antes caracterizar-se como “[…] um ato jurídico voluntário a que a lei reporta um certo efeito de direito – a perda da faculdade de impugnar – independentemente de o particular ter ou não querido a efetiva produção desse resultado”[5].

    Certo é que, para os efeitos que ora interessam, a aceitação do acto é apenas aquela que deriva da prática espontânea e sem reservas de facto incompatível com a vontade de recorrer, devendo tal comportamento ter um significado unívoco e não deixar quaisquer dúvidas quanto ao seu significado de acatamento integral do acto, de acatamento das determinações nele contidas. É este, aliás, o sentido do disposto no artigo 56.º, n.º 2, do CPTA. Se não fosse assim, configurar-se-ia uma limitação da garantia constitucional de impugnação contenciosa e, portanto, violar-se-ia o princípio da tutela jurisdicional efetiva[6].

    Daí que, como adverte a...

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