Acórdão nº 618/06 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2006
Magistrado Responsável | Cons. Bravo Serra |
Data da Resolução | 16 de Novembro de 2006 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 618/2006
Processo nº 826/2006.
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Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 16 de Outubro de 2006 o relator proferiu a seguinte decisão:
1. Os arguidos A. e B., condenados por acórdão lavrado pelo tribunal colectivo do 1º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Cascais em, respectivamente, 10 anos de prisão e na coima de 5486,78, e 9 anos de prisão, pelo cometimento de factos que foram subsumidos ao cometimento, também respectivamente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelos artigos 21º e 24º, alínea b), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B a ele anexas, de uma contra-ordenação ao disposto no artº 36º do Decreto-lei nº 13/90, de 8 de Janeiro, e de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelas citadas disposições do Decreto-Lei nº 15/93, interpuseram recurso de tal decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, com tal recurso vindo a «subir» um outro incidente sobre um despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal e que indeferira a arguição de nulidade atinente a acto de intercepção de comunicações telefónicas.
Tendo aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 21 de Janeiro de 2004, negado provimento à totalidade dos recursos, requereu o arguido A. a sua correcção, peticionando, a final, a respectiva aclaração, esclarecimento e correcção de ambiguidades, pretensão que foi indeferida por despacho proferido em 19 de Março de 2004 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
Posteriormente, o mesmo arguido A. arguiu a nulidade do acórdão de 21 de Janeiro de 2004, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa, por aresto de 15 de Dezembro de 2004, a decidir não tomar conhecimento da arguição, já que, entendeu, a invocada nulidade haveria de ser invocada em recurso a interpor daquele primeiro acórdão, recurso que nem sequer ainda havia sido interposto.
Quanto ao acórdão de 15 de Dezembro de 2004, o arguido A. solicitou a sua aclaração, tendo, no requerimento consubstanciador desse desiderato, dito, a dado passo, que Ao entender como entendeu o Tribunal da Relação e Lisboa, fez interpretação inconstitucional da[s] disposições conjugadas dos artº 425 n.º 4 e 379 n.º 1 c) do CPP por violação do disposto nos artº 32 n.º 1 d[a] CRP, inconstitucionalidade que aqui se vem arguir.
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 5 de Março de 2005, indeferiu a requerida aclaração.
Do acórdão de 21 de Janeiro de 2004 recorreu, em 11 de Fevereiro de 2004 para o Supremo Tribunal o arguido B., vindo também o arguido A., em 12 de Janeiro de 2005, a interpor recurso para aquele Alto Tribunal.
Ainda este arguido A., por requerimento de 19 de Janeiro de 2005, à cautela, interpôs, ao abrigo, segundo disse, do disposto no artº 75-A da lei 28/82 de 15 de Novembro alterada pela lei 113/85 de 26 de Novembro, pela lei orgânica nº 85/89 de 7 de Setembro e lei 13-A/95, recurso para o Tribunal Constitucional do indicado acórdão de 21 de Janeiro de 2004, e para a hipótese de o Supremo Tribunal de Justiça vir a entender não ser admissível recurso para ele das decisões interlocutórias, visando, com esse intentado recurso para o Tribunal Constitucional, a apreciação do nº 1 do artº 188º do Código de Processo Penal, numa interpretação que «defenda» que as escutas telefónicas não têm que ser imediatamente levadas ao conhecimento do juiz e que as escutas telefónicas podem ser utilizadas sem que haja motivo fundamentado para tal.
Este recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido a subir imediatamente e em separado, determinando-se a extracção da pertinente certidão e envio imediato a este órgão de administração de justiça.
Na motivação produzida quanto ao recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão de 21 de Janeiro de 2004, o arguido B. formulou as seguintes «conclusões»:
1. O artigo 127º do CPP padece de inconstitucionalidade material, por violação do princ[í]pio constante do artº 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa quando interpretado (como foi o caso dos autos), no sentido do Tribunal a quo poder dar como provados factos delituosos a que ninguém assistiu ou referiu ter assistido, factos esses nem sequer discutidos na audiência [d]e julgamento (vd. Ac. recorrido factos provados: 4,5,6,7,8,9,10,11,12, 23 a), 23 g), 28, 30, 47, 53, 80,)
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O artigo 374º nº 2 do CPP é inconstitucional, por violação do disposto no princ[í]pio constante no artº 32º da C.R.P. (revista), no sentido de que a simples indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal não é suficiente para que o Tribunal superior possa reapreciar a validade (ou acerto) dessa valoração. Na verdade, essa simples indicação não garante, nem possibilita a existência de um duplo grau de jurisdição, agora consagrado no texto constitucional.
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No douto ac[ó]rdão recorrido, há nítida insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Extravasando completamente o desejável limite legal de interpretação, o douto ac[ó]rdão considera provada a existência de factos ilícitos não debatidos na audiência de discussão e julgamento, embora constem indiciariamente do douto despacho de pronúncia.
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O legislador, no artº 374 do CPP, impõe ao julgador a obrigação de enumerar especificamente os factos, provados e não provados, ou seja, o julgador tem que expressar claramente, em relação a todos eles a sua convicção (quer no sentido positivo quer no sentido negativo).
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O incumprimento deste normativo consubstancia a nulidade prevista no artº 379º al. a) do CPP.
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A detenção de estupefaciente e de tudo o mais que existia na Garagem, do seu conhecimento ou não, só por si, não é suficiente para concluir pelo cometimento do crime porque foi condenado (artº 21º e 24º al. c) DL 15/93). Não existem factos demonstrativos e concretos do preenchimento do artº 24º alínea c).
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Ao condenar o recorrente com a agravação do artº 24 al. c), o Tribunal a quo violou o principio in d [u]bio pro reo, uma vez que os elementos de prova não eram suficientes para a condenação do arguido nos termos em que foi.
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Não existe um único facto que possa sustentar a qualificação jurídica pela al. c) do artº 24º do DL 15/93. Não existe avultada compensação remuneratória. Vd. Ac. STJ de 05/12/2001 Pº 3643
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À imagem do recente Ac. Tribunal do C[í]rculo de Cascais, no proc. nº 969/99 TACSC, que correu pelo 2º Juízo Criminal e que se encontra junto a estes autos pelo próprio Mº Pº., deverão ser consideradas juridicamente inexistentes os autos de transcrição de gravações de intercepções telefónicas, não sendo valoradas como elementos de prova.
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O Tribunal 'a quo não valorou os Acórdãos n.º 407/97 e 299/01, que decidiram que seria inconstitucional uma interpretação do disposto no nº 1 do 188º do CPP que não impusesse que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após a escuta e levado ao conhecimento do juiz, tendo interpretado de forma inconstitucional o preceituado naquele dispositivo.
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Resulta do texto da decisão recorrida e da experiência comum, que a matéria provada, só por si, e sobretudo conjugada com os restantes elementos dos autos se mostra insuficiente para fundamentar a referida condenação, verificando-se ainda contradição insanável na fundamentação e nulidade do douto ac[ó]rdão.
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Tais v[í]cios, referidos no artº 410º nº 2 al. a) e b) do CPP determinam o reenvio do processo para novo julgamento, de acordo com o disposto no artº 426º do CPP.
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Sem conceder, em termos relativos e de Justiça equitativa a pena aplicada é severa, além de imerecida. A pena a aplicar não deveria exceder os seis anos de prisão para o arguido B. atenta a confissão, o tempo de prisão (4 anos) ininterruptamente cumprido com exemplar comportamento, circunstancialismo familiar (2 filhos menores), não possuir antecedentes criminais e fácil reintegração na sociedade.
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Mostram-se assim violados: artº 71º do C.P. e 21º e 24º al. ç) do DL 15/93 e, ainda, 125º, 127º, 374º nº 2, 379º al. a) do CPP..
Às motivações dos recursos interpostos pelos arguidos B. e A. para o Supremo Tribunal de Justiça respondeu o Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, nessa resposta, por um lado, reportadamente à impugnação do primeiro, suscitado a questão de se dever rejeitar o recurso, dado que teria sido «reeditada» toda a argumentação que já fora expendida aquando do recurso para a 2ª instância; por outro, no que concerne ao recurso do arguido A., suscitou a questão de dever ser tal recurso rejeitado, por intempestivo.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Janeiro de 2006, rejeitou os recursos interpostos pelos arguidos A. e B..
A esse aresto foi carreada a seguinte fundamentação:
( )
VI
Nos termos conjugados do disposto no art.º 419.º, n.º 4 a), 420.º, n.º1 e 414.º, n.º 2 do CPP, importa, desde já, tomar posição sobre se o recurso do A. é tempestivo.
Para t[a]nt[o], atentemos nos seguintes elementos dos autos:
O acórdão da relação foi proferido em 21.1.2004 (folhas 2628);
Ainda nesse dia, foi expedida carta de notificação ao Ex.mo Mandatário deste arguido (folhas 2632 e verso);
Em 5.2.2004, veio este requerer a correcção da sentença, pedindo que o tribunal aclarasse, esclarecesse ou corrigisse as ambiguidades que refere;
Este requerimento foi indeferido a folhas 2684;
Por despacho cuja notificação foi enviada a 29.3.2004 (folhas 2686);
Em 19.4.2004, veio este arguido arguir a nulidade do acórdão da relação que conheceu dos recursos da 1.a instância, invocando omissão de pronúncia;
Por despacho de folhas 2696 do Ex.mo Relator, foi ordenada a remessa dos autos à conferência;
Nesta, decidiu-se não conhecer da arguição por a sede própria desta ser o recurso (folhas 2702);
Em 20.12.04, foi expedida carta de notificação desta deliberação;
Em 11.1.2005, veio o arguido requerer a aclaração de tal...
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