Acórdão nº 552/06 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Outubro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Moura Ramos
Data da Resolução11 de Outubro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 552/2006

Processo nº 479/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos

Acordam, em conferência na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. foi condenado, por Acórdão proferido aos 11 de Janeiro de 2005 pela 8ª Vara Criminal do Círculo Judicial de Lisboa, pela prática, como co-autor, de três crimes de falsificação, previstos pelo art.256º, n.º1, al.a) e n.º4, do Código Penal, nas penas parcelares de um ano e seis meses de prisão por cada um deles e, por efeito do operado cúmulo jurídico destas penas com a pena de 4 anos e 6 meses de prisão imposta no âmbito do processo n.º1200/00.9JFLSB, da 2ª Vara Criminal de Lisboa, na pena única de 6 anos de prisão.

    Inconformado, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão datado de 17 de Novembro de 2005, negou provimento ao recurso, confirmando nos seus integrais termos a decisão proferida em primeira instância.

    Deste Acórdão, interpôs o arguido recurso para o Tribunal Constitucional, o que fez nos termos que seguidamente se transcrevem:

    A., arguido nos autos à margem identificados interpõe, pela forma seguinte RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL do douto acórdão final proferido:

    1. Fundamento do recurso: artigo 70º, n.º1, alínea b), da Lei do TC.

    2. Normas jurídicas cuja inconstitucionalidade se suscita: os artigos 256º, n.º1, do Código Penal e 358º, n.º1 e 379º, n.º1, al.b) do CPP, quando permitem que um arguido seja condenado por um crime de falsificação com dolo específico de enriquecimento ilegítimo, quando vinha pronunciado pelo crime de falsificação com dolo específico de prejuízo, sem que o arguido seja, em audiência, em acto prévio à sentença, confrontado com essa possibilidade de alteração, para que dela se possa defender.

    3. Normas da CRP violadas: artigo 32º, n.º1, da CRP [direito de defesa] e também n.º5 [acusatório].

    4. Acto processual no qual a norma em causa foi aplicada: o acórdão recorrido.

    […]

    .

    2. Por se haver entendido que não podia conhecer-se do objecto do recurso, foi proferida a decisão sumária ora reclamada.

    De tal decisão fez-se constar, no que releva para a decisão a proferir, a seguinte fundamentação:

    «Conforme vem sendo pacífica e reiteradamente afirmado por este Tribunal, o controlo de constitucionalidade, tal como entre nós se encontra concebido, assume natureza estritamente normativa, ou seja, dirige-se à apreciação de questões de desarmonia constitucional imputadas a normas jurídicas objecto de aplicação pelas instâncias, tanto podendo versar sobre as próprias normas jurídicas qua tale, como sobre o particular sentido em que as mesmas foram interpretadas no âmbito de uma determinada actividade subsuntiva e, portanto, sobre a interpretação normativa que no “tribunal a quo” lhes houver sido associada.

    Nesta última hipótese – que é, de resto, a presente – «(…) a norma é tomada, não com o sentido genérico e objectivo, plasmado no preceito (ou fonte) que a contém, mas em função do modo como foi perspectivada e aplicada à dirimição de certo caso pelo julgador». Na presença de «preceitos, disposições ou comandos jurídicos susceptíveis de várias interpretações, o controlo do Tribunal Constitucional vai ser exercido sobre o resultado de uma dada interpretação judicial da norma que – na óptica de alguma das partes – afronta determinados princípios ou preceitos constitucionais e foi efectivamente aplicada à dirimição do litígio» (Lopes do Rego, Jurisprudência Constitucional, n.º3, Julho-Setembro 2004).

    Por outro lado, tratando-se, como sucede no presente caso, de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.70º da LTC, a possibilidade da respectiva admissão encontra-se dependente da verificação cumulativa dos requisitos enunciados no n.º2 do art.72º do referido diploma, ou seja, de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”, exigindo-se ainda, quando o objecto da sindicância pretendida consista numa determinada interpretação normativa, que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente.

    Quer isto significar que a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da al.b) do n.º1 do art.70 da LCT se não basta com a oportuna e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade, necessário igualmente se tornando, ainda na formulação seguida no Acórdão nº 674/99 (in www.tribunalconstitucional.pt), «que essa mesma norma tenha sido efectivamente aplicada na decisão recorrida e, no caso de se contestar a constitucionalidade da norma em causa apenas com uma dada interpretação, (…) que ela tenha sido aplicada in casu com essa mesma interpretação».

    Daí que se vincule o recorrente, quando questionada é a conformidade constitucional de uma determinada interpretação normativa, ao isolamento da dimensão ou sentido normativo contraditado, exigindo-se-lhe que o enuncie de forma a que, «no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição» (cfr. Acórdão n.º 367/94, www.tribunalconstitucional.pt).

    Pois bem.

    De que o aludido ónus de identificação foi cabalmente observado pelo recorrente parece não restarem dúvidas no caso presente.

    Com efeito, quer na motivação com que fundamentou o recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa do Acórdão proferido em primeira instância, quer no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, o recorrente deixou claro que a sua pretensão é a de ver declaradas inconstitucionais as normas correspondentes aos «artigos 256º, n.º1, do Código Penal e 358º, n.º1 e 379º, n.º1, al.b) do CPP», quando interpretadas no sentido de permitir que «um arguido seja condenado por crime de falsificação com dolo específico de enriquecimento ilegítimo, quando vinha pronunciado pelo crime de falsificação com dolo específico de prejuízo, sem que o arguido seja, em audiência, em acto prévio à sentença, confrontado com essa possibilidade de alteração, para que dela se possa defender».

    Identificada que assim está a dimensão normativa que, por referência aos preceitos legais indicados, o recorrente pretende sindicar através do accionamento da jurisdição constitucional, a questão essencial a resolver consiste em saber se, conforme se viu já ser exigido, a decisão recorrida interpretou no sentido que o recorrente reputa de inconstitucional qualquer uma das normas mencionadas e, como sua ratio decidendi, de tal interpretação fez derivar o pronunciamento que conduziu à confirmação do Acórdão proferido em primeira instância na parte em que aí se condenou o arguido pelo cometimento, como co-autor, de três crimes de falsificação, previstos pelo art.256º, n.º1, al.a) e n.º4, do Código Penal.

    A resposta, tal como é dada pelo teor da argumentação expendida na própria decisão recorrida, é claramente negativa.

    Com efeito, embora estabeleça o recorrente, como premissa básica de suscitação, que, no âmbito da respectiva actividade subsuntiva, o Tribunal de primeira instância, prescindindo do accionamento prévio do mecanismo previsto no art.358º, n.º1, do Cód. de Processo Penal, condenou o arguido “por crime de falsificação com dolo específico de enriquecimento ilegítimo quando o mesmo vinha pronunciado pelo crime de falsificação com dolo específico de prejuízo”, em tais termos aplicando o art.256º, n.1º, do Cód. Penal, o certo é que, sem exclusão de qualquer um dos três ilícitos-típicos em presença, a efectiva ocorrência de tal alegada convolação não só não foi reconhecida pelo tribunal a quo, como se encontra categoricamente refutada no excerto que o Acórdão recorrido reservou à apreciação da invocada “alteração substancial e/ou não substancial dos factos fora da disciplina do art.358º do CPP”, tema este em que o próprio recorrente inscreveu a suscitada questão de inconstitucionalidade.

    Efectivamente, ao afirmar que «da leitura dos factos descritos na pronúncia e dos factos considerados provados conclui-se que nada de verdadeiramente novo, de essencialmente diferente, foi trazido ao processo», apenas tendo existido «“redução” da matéria de facto, e diferente composição ou arrumação da matéria de facto, que nem sequer chegou a implicar, enquadramento jurídico diverso, no que ao crime de falsificação se refere”» (sublinhado nosso), o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou, de forma suficientemente expressiva e inequívoca, a tese defendida pelo recorrente no que diz respeito à alegada modificação, pelo aresto recorrido, dos termos em que o despacho de pronúncia havia perspectivado o “dolo” correspondente aos imputados crimes de falsificação de documento, assim recusando que qualquer um dos preceitos que vêm indicados houvesse sido objecto da interpretação que o recorrente reputa de inconstitucional.

    Esta visão segundo a qual, uma vez confrontado com a dupla via alternativamente prevista no tipo incriminador para aquilo que, de um ponto de vista conceptual, o recorrente faz corresponder a possíveis modalidades do dolo, o Tribunal de primeira instância não substituiu a perspectiva resultante da fase de instrução é, de...

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