Acórdão nº 450/06 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Julho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 450/2006

Processo n.º 366/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam Na 2.ª Secção Do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por acórdão de 23 de Fevereiro de 2006, o Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou os recursos interpostos por A., e outro, da decisão instrutória proferida em 5 de Dezembro de 2005 pelo 2.º Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa que, no âmbito do processo de instrução n.º 32/04.0JDLSB, o pronunciou, entre outros, pela prática em autoria material e concurso real efectivo de um crime de associação criminosa (previsto e punido pelo artigo 299.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), um crime de falsificação (artigo 269.º, n.º 1, do mesmo diploma), dois crimes de falsificação (artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, com referência ao disposto no artigo 255.º, alínea c), todos do Código Penal), em co-autoria, de vinte e oito crimes de falsificação, de um crime de receptação (artigo 231.º, n.º 1, do Código Penal), e de um crime de auxílio à imigração ilegal (previsto e punido pelo artigo 134.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro). Pode ler-se no referido aresto de 23 de Fevereiro de 2006:

    I.

    No processo de instrução nuipc.º 32/04.0JDLSB do 2.º Juízo de Instrução Criminal da Comarca de Lisboa, os arguidos B. e A., inconformados com a decisão instrutória proferida nos presentes autos, vêm interpor recurso com os fundamentos constantes das respectivas motivações e conclusões (idênticas) que consubstanciam, em síntese, as seguintes questões:

    1 – É flagrante a falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas nos artigos 187.° e 188.° do C.P.P. que leva à arguição expressa da nulidade de todas as intercepções telefónicas dos autos.

    2 – Há falta de fundamentação dos despachos judiciais que determinaram e autorizaram as intercepções telefónicas, bem como daqueles que prorrogaram os prazos das referidas escutas, não resultando demonstrada quer a necessidade das mesmas quer a impossibilidade de obter prova através de outros meios menos danosos, em violação do disposto no art.º 97.°, n.º 4, do C.P.P..

    3 – Não existiu um mínimo controlo judicial das escutas, sendo certo que tudo o que ultrapasse o prazo de 48 horas está fora da letra da lei que fala em apresentação imediata ao Juiz de Instrução.

    4 – Os despachos judiciais que decidem prorrogar os prazos das escutas telefónicas fazem-no quando esses prazos já terminaram, pelo que deveria antes ser concedida nova autorização para realização das escutas telefónicas.

    5 – O Juiz limitou-se a ordenar a transcrição das escutas sugerida pela polícia, não chegando sequer a ouvir a totalidade das sessões presentes.

    6 – A decisão recorrida violou os art.ºs 187.° e 188.º do C.P.P. e 32.º, n.º 4, 34.º, n.º 4, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP.

    O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

    Foi dado cumprimento ao artigo 417.º do C.P.Penal.

    II.

    Efectuado o exame preliminar foi considerado haver razões para a rejeição do recurso por manifesta improcedência (art.ºs 412.º, 414.º e 420..º, n.º 1, do Código de Processo Penal), sendo por isso determinada a remessa dos autos aos vistos para subsequente julgamento na conferência.

    A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes diversas: rejeição formal que se prende com a insatisfação dos requisitos prescritos no art.º 412.º, n.º 2, e a rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.

    A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos tribunais superiores, é patente a sem razão do recorrente. É o caso dos autos.

    ***

    Cumpre decidir.

    O despacho recorrido, proferido pelo Mm.º Juiz de Instrução Criminal e com cópia nos presentes autos, aborda as questões arguidas nos presentes recursos e anteriormente arguidas em sede de instrução de uma forma lapidar e com uma correcção técnica e poder de síntese de elogiar, pelo que nos louvamos no mesmo.

    Sempre se dirá que:

    1. a falta de cumprimento dos requisitos e condições consignadas nos artigos 187.º e 188.º do C.P.P..

    Os crimes investigados e pelos quais os arguidos vieram a ser pronunciados são os de associação criminosa, falsificação, receptação e auxílio à emigração ilegal. Todos eles se enquadram na previsão do artigo 187.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P..

    Por outro lado, é competente para ordenar ou autorizar a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas o juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação telefónica mas também da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se de crime de associação criminosa, o que se verificava no caso.

    Todas as escutas foram sempre autorizadas por juiz, para investigação de crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, tendo sido invocado, nos respectivos despachos de autorização, o manifesto interesse das escutas telefónicas para obtenção da prova relativamente ao crime investigado.

    2. falta de fundamentação dos despachos judiciais que determinaram e autorizaram as intercepções telefónicas, bem como daqueles que prorrogaram os prazos das referidas escutas, não resultando demonstrada quer a necessidade das mesmas quer a impossibilidade de obter prova através de outros meios menos danosos.

    A lei exige tão-só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão.

    Verifica-se que todos os despachos judiciais ora invocados remetem para uma promoção do Ministério Público e para um relatório circunstanciado realizado pela autoridade policial e para o manifesto interesse das escutas telefónicas para obtenção da prova relativamente ao crime investigado.

    A emissão do juízo jurídico-substantivo plasmado nos despachos surge como plenamente clarividente, explicando cristalinamente as razões da decisão.

    Ademais, todas essas premissas e dados factuais e jurídicos, bem como o discurso lógico-discursivo e decisório correspondente, se encontram inequivocamente enunciados e descritos.

    E o raciocínio nos mesmos plasmado revela-se perfeitamente cristalino e clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica.

    Não se verifica, em consequência, falta de fundamentação.

    3. não existiu um mínimo controlo judicial das escutas, sendo certo que tudo o que ultrapasse o prazo de 48 horas está fora da letra da lei que fala em apresentação imediata ao Juiz de Instrução.

    Repetindo o que produziu este colectivo em recente acórdão, diremos que, na redacção dos art.ºs 187.° e 188.° do CPP (redacção anterior ao D.L. n.º 320-C/2000), dispunha-se o seguinte:

    Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação.

    Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, fá-los juntar ao processo; caso contrário ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.

    No tocante às operações de gravação das conversas telefónicas, as mesmas, uma vez efectuada a intercepção do telefone, passam a ser efectuadas automaticamente através de um sistema informático centralizado existente na Polícia Judiciária, sendo tal gravação feita em “disco rígido” de grande capacidade, suporte informático este que congrega, em simultâneo, inúmeras gravações de chamadas telefónicas respeitantes a múltiplos processos de inquérito em investigação.

    Todas as intercepções telefónicas e consequentes gravações de conversas ficam documentadas no “auto” de inquérito e o órgão de polícia criminal apresenta ao juiz competente as gravações das conversas telefónicas.

    Porém, como a audição pelo juiz do conteúdo dos registos de sons implicaria longo trabalho daquele magistrado em funções executivas de recolha de prova, em prejuízo do exercício de outras funções que lhe são próprias, entendeu o legislador de 1987 que o mencionado auto deveria incluir a transcrição integral ou sumária do conteúdo das comunicações interceptadas.

    Na verdade, não só a proposta de Lei de autorização legislativa para a aprovação do CPP de 1987 falava na transcrição das conversações interceptadas, como o n.º 3 do art.º 188.º do CPP pressupunha claramente que aquele auto continha tais transcrições, pois só assim se compreenderia a possibilidade do arguido e do assistente poderem verificar a conformidade das gravações com o conteúdo do referido auto.

    E o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 407/97, decidiu que seria inconstitucional uma interpretação que não impusesse que o auto de intercepção e gravação de conversações telefónicas fosse imediatamente lavrado após toda a escuta efectuada e levado ao conhecimento do juiz, com a necessária transcrição das conversações...

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