Acórdão nº 412/06 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução11 de Julho de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 412/2006

Processo nº 1016/05

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., Lda. e são recorridos B. e outros, foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).

      Foi utilizada a seguinte fundamentação:

      1. Da descrição do percurso processual acima relatado resulta que o recorrente não interpôs recurso do despacho que, deferindo pedido nesse sentido formulado pelos requerentes, determinou o prosseguimento da providência cautelar sem prévia audiência da requerida. Foi, porém, esta decisão, de 20 de Setembro de 2004, transcrita sob o ponto 2. do Relatório que antecede, que aplicou os artigos 385º, nº 1, e 412º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), referidos pela recorrente no presente recurso.

      Estabelece o primeiro dos preceitos, integrado em Secção intitulada “Procedimento cautelar comum” e aplicável aos procedimentos cautelares nominados, como o embargo de obra nova (artigo 392º, nº 1, do CPC), que “O tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”. Por seu turno, o nº 1 do artigo 412º do mesmo Código, que inicia a Subsecção dedicada ao Embargo de obra nova, estabelece que “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de trinta dias, a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.

      Considerado o objecto do presente recurso, tal como é definido pela recorrente – inconstitucionalidade da norma extraída por interpretação do nº 1 do artigo 385º, conjugada com o nº 1 do artigo 412º, ambos do Código de Processo Civil, e aplicada pelo tribunal a quo, enquanto entendida no sentido de o tribunal poder dispensar a citação prévia da requerida em caso de o requerente do embargo de obra nova saber dos factos em cuja ocorrência fundamenta a violação do direito alegado (servidão de vistas) trinta dias antes da apresentação, no tribunal judicial, do pedido do embargo e em caso em que a obra a levar a cabo se traduz na construção de um hotel que se encontra administrativamente licenciada e tal aprovação constitui facto público – resulta que a decisão visada é o referido despacho de 20 de Setembro e não a decisão que veio a decretar a providência, proferida quando a primeira questão (audiência prévia ou não da requerida) estava já ultrapassada (refere-se à distinção entre as duas decisões o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Julho de 1996, www.dgsi.pt).

      Por outro lado, tão pouco suscita dúvidas a possibilidade de impugnação de tal despacho. A propósito desta decisão de dispensa do contraditório nos procedimentos cautelares, escreveu Abrantes Geraldes:

      “(…) como ocorre com qualquer decisão judicial que não seja de puro expediente (e esta não se enquadra nesta categoria de actos, devido aos efeitos negativos que qualquer opção pode determinar na esfera jurídica do requerente ou do requerido), também esta deve ser fundamentada.

      Quer o juiz se pronuncie no sentido da dispensa do contraditório, quer conclua pelo indeferimento de pretensão contrária deduzida pelo requerente, estamos na presença de uma decisão que é passível de ser impugnada, nos termos gerais, com base na sua ilegalidade ou falta de fundamentação” (Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, vol. III, 2ª edição, p. 171; itálico aditado).

      Porém, a recorrente não interpôs recurso da decisão que dispensou o contraditório. Estando em causa decisão que admite recurso ordinário, era necessário que a recorrente tivesse interposto recurso do despacho de 20 de Setembro de 2004 – o que dispensou o contraditório –, esgotando os recursos no caso cabidos (artigo 70º, nº 2, da LTC), para que a questão de inconstitucionalidade identificada pudesse vir a ser objecto do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC.

      Como decorre do teor do Relatório que antecede, tal não foi o percurso da recorrente. A recorrente deduziu oposição à providência decretada e, subsequentemente, interpôs recurso da decisão que a manteve, decisão que constitui complemento e parte integrante daquela que decretou anteriormente a providência (artigo 388º, nº 2, do CPC) e que foi depois confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação.

      2. É certo que a decisão de primeira instância e, depois, a do Tribunal da Relação (ponto 6. do Relatório) mencionam os artigos 385º, nº 1, e 412º, nº 1, do CPC, já que a recorrente os referiu, do ponto de vista jurídico-constitucional, na oposição e no recurso. Não pode, porém, considerar-se que tal menção integra o conteúdo decisório.

      No que se refere à decisão do tribunal de comarca, considerados os limites e fundamentos da oposição (artigo 388º, nº 1, alínea b), do CPC), é evidente que nunca poderia estar em causa uma alteração do despacho que dispensou o contraditório. As considerações tecidas quanto à não audição da requerida, não têm, pois, conteúdo decisório. Consequentemente, interposto recurso para o Tribunal da Relação, tão-pouco a dispensa do contraditório integra o conteúdo das questões a decidir por este tribunal superior.

      Estas decisões, referindo embora os artigos 385º, nº 1, e 412º, nº 1, do CPC não fazem deles uma efectiva aplicação, em termos de os utilizarem para decidirem uma questão que lhes tenha sido colocada. Os preceitos são mencionados sem deles serem extraídas consequências decisórias. Aliás, nem tais consequências poderiam ser extraídas, face à problemática a decidir – a manutenção ou não da providência.

      No caso presente, o conhecimento da questão de constitucionalidade formulada pela recorrente sempre se traduziria numa absoluta inutilidade: “Sendo a referência à norma questionada mero obiter dictum, ou versando a decisão sobre outra questão, a intervenção do Tribunal Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma impugnada e não aplicada não se poderá reflectir utilmente no processo – sempre a decisão recorrida seria a mesma, ainda que a norma questionada seja declarada inconstitucional” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 496/99, não publicado)

      .

    2. Desta decisão reclamou a recorrente para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:

      (…) São dois, em síntese, os pressupostos de direito sobre os quais a decisão reclamada se encontra construída: de um lado, a afirmação de que não foram esgotados os recursos ordinários previstos no Código de Processo Civil para a providência cautelar em causa (embargo de obra nova); do outro, a asserção de que a norma constitucionalmente impugnada pela recorrente não constituiu verdadeira ratio decidendi.

      Ora, qualquer destes dois juízos está, salvo sempre o devido respeito, errado.

      Na verdade, ao contrário do sustentado na fundamentação da decisão reclamada, foram esgotados os meios, de recurso ordinários.

      Relativamente a esta matéria, impõe-se-nos fazer, desde já, uma distinção: se é verdade que o Tribunal Constitucional não está vinculado pela decisão do tribunal recorrido quanto à admissão do recurso (art.º 76°, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional – LTC), também não é menos certo que o Tribunal Constitucional se encontra vinculado aos termos como o tribunal recorrido entendeu a lei processual de que fez aplicação nos autos.

      É que o Tribunal Constitucional não pode controlar a correcção da interpretação e da aplicação que o tribunal recorrido fez do direito infraconstitucional.

      Ora, ao contrário do pressuposto pela decisão reclamada, é por demais evidente que a agora reclamante interpôs recurso do despacho do juiz que dispensou a audiência prévia da requerida (agora recorrente) e ordenou a inquirição das testemunhas oferecidas pelos requerentes do embargo de obra nova sem qualquer contraditório, em coerência lógico-consequente com a dispensa de prévio contraditório.

      O recurso – como dizem todos os processualistas – é um meio processual de impugnação das decisões judiciais para o tribunal superior da respectiva hierarquia.

      10°

      Ora, a ora reclamante impugnou expressamente no recurso interposto para a Relação de Coimbra a decisão do tribunal de comarca de dispensar a audiência prévia da requerida e a consequente produção da prova testemunhal sem o contraditório da mesma requerida, depois de, primeiro, ter confrontado o tribunal de 1ª instância com as ilegalidades e inconstitucionalidades cometidas numa fase anterior ao do conhecimento da existência do processo, efectuado através da sua notificação da decisão que decretou os embargos.

      11°

      E fê-lo convertendo essa questão numa questão central do recurso, como se colhe, de uma forma lapidar, do discurso da alínea a) das respectivas Conclusões de recurso (Aí se diz: a) A norma extraída por interpretação do n.º 7 do art.º 385°, conjugada com o n.º 1 do art.º 412°, ambos do CPC, e aplicada pelo tribunal a quo, enquanto entendida no sentido de o tribunal poder dispensar a citação prévia da requerida no caso de o requerente do embargo de obra nova ter sabido dos factos em cuja ocorrência fundamenta a violação do direito alegado de servidão de vistas trinta dias antes da apresentação do pedido do embargo e em que a obra a levar a cabo se trata de um hotel com 44 quartos e se encontra administrativamente licenciada e essa aprovação constitui facto público, é inconstitucional por violação do direito constitucional do acesso aos tribunais na sua dimensão de direito ao contraditório antecipado ínsito no direito fundamental do acesso aos tribunais consagrado no art.º 20° da Constituição, por...

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