Acórdão nº 300/06 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução09 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 300/2006 Processo n.º 405/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. reclama para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Abril de 2006, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, contra o acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2006, que denegara a revisão do acórdão do Tribunal Judicial de Vieira do Minho, de 24 de Março de 2003, já transitado em julgado, que o condenara, pela prática de três crimes de receptação, previstos e punidos pelo artigo 231.º, dez crimes de falsificação, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, e nove crimes de burla, previstos e punidos pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1, todos do Código Penal, na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

1.1. O pedido de revisão foi formulado ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal (CPP) e apoiado na invocação de inimputabilidade do arguido ao tempo dos factos por que foi condenado, inimputabilidade não suscitada durante o processo. Realizada a perícia requerida, emitida informação judicial no sentido do indeferimento da pretensão e emitido parecer do Ministério Público no mesmo sentido (artigos 453.º, n.º 1, 454.º e 455.º, n.º 1, do CPP), o Supremo Tribunal de Justiça, pelo acórdão de 1 de Março de 2006, denegou a revisão, com a seguinte fundamentação:

“VIII – O recurso de revisão tem tradução no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, que, consignando-o, remete, no que respeita às suas condições, para a lei ordinária.

Somos, assim, conduzidos, no que agora nos interessa, ao artigo 449.º, n.º 1, alínea d), e n.º 3, do Código de Processo Penal.

E, então, levanta-se logo a primeira dúvida.

IX – Nos termos deste n.º 3, com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

Teremos aqui a ideia ventilada pelos autores espanhóis Emílio Orbaneja e Vicente Quemada, citados por Simas Santos e Leal Henriques em Recursos em Processo Penal, p. 215, no sentido de que a revisão só deve caber quando esteja em causa a relação condenação-absolvição.

Esta ideia foi recebida por este Tribunal, nomeadamente nos Acórdãos de 13 de Março de 2003 (Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano 2003, tomo I, p. 231) e de 20 de Novembro de 2003 (disponível em www.dgsi.pt).

Ora, se a acolhermos aqui, temos logo o naufrágio da pretensão. A imputabilidade atenuada referida pela perícia médica nunca poderá levar da condenação à absolvição, mas tão-só – e isso mesmo não seria seguro, como infra vamos referir – à minoração da pena.

Maia Gonçalves, na anotação a este artigo, alude a interpretação deste n.º 3 no sentido de que se pode admitir esta minoração da pena neste tipo de recurso, desde que este determine um diferente enquadramento jurídico-criminal dos factos.

Mas, mesmo se acolhêssemos esta interpretação, a improcedência aqui impor-se-ia, já que a falada imputabilidade atenuada não envolve qualquer alteração do enquadramento jurídico-penal dos factos.

X – Estas construções levantam, todavia, dúvidas de constitucionalidade, não obstante, como vimos, o texto constitucional remeter, quanto às condições de exercício deste direito, para a lei ordinária.

Na verdade, tal texto refere-se aos cidadãos «injustamente condenados» e tanto é injustamente condenado aquele que deveria ter sido absolvido como aquele que o é a pena de prisão mais longa do que a que lhe devia ter sido aplicada.

As «condições que a lei prescrever» podem, então, não ser as condições materiais. Estas estarão em tal texto constitucional, ínsitas na palavra «injustamente».

Para concretizarmos estas reservas sobre a constitucionalidade daquele n.º 3 do artigo 449.º, basta pensarmos em casos de condenação a penas severas em que, depois do trânsito em julgado, se adquire plena convicção de que havia que ter em conta factos integrantes de atenuantes que levariam a um abaixamento manifesto da pena concreta. Se o condenado a um ou dois anos de prisão pode obter a revisão de sentença para almejar a absolvição, mal se compreenderia – atento até o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição – que o condenado, por exemplo, a 15 anos de prisão não pudesse obter uma revisão de sentença para que a pena fosse diminuída para, ainda exemplificando, 10 anos de prisão.

XI – Estas dúvidas de constitucionalidade levam-nos a avançar para outro capítulo, qual seja o da necessária força que os fundamentos da revisão hão-de ter para abalarem a particular segurança que é apanágio do caso julgado.

Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal, de 12 de Maio de 2005 (também disponível em www.dgsi.pt):

Há-de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de acto em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.

[XII] – No nosso caso, temos novos factos e novas provas, ambos reportados à perícia levada a cabo.

O valor desta deve, para o que nos interessa, ser avaliado em três prismas diferentes:

No que respeita à perícia em si;

No que concerne ao seu conteúdo;

Nos possíveis efeitos da «imputabilidade atenuada».

[XIII] – A perícia em si é um meio de prova que tem sido considerado insuficiente por várias decisões deste tribunal para efeitos deste recurso. Assim, o Acórdão de 9 de Junho de 1997 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 469, p. 342), os acórdãos neste citados e, bem assim, o Acórdão de 16 de Outubro de 2002 (disponível também em www.dgsi.pt).

[XIV] – É certo que a perícia fundamentante do recurso de revisão pode assentar em factos novos ou pode constituir apenas um novo avaliar de uma situação já objecto de perícias tidas em conta na condenação. E que, nestas, a força da nova perícia será necessariamente menor.

[XV] – Vamos, pois, para o nosso caso, buscar a segurança para a decisão de improcedência ao conteúdo da perícia que serve de base ao presente recurso.

Os factos objecto de condenação reportam-se a 1996, 1997 ou 1998. A perícia referida foi feita em 29 de Julho de 2005 (folhas 349), 7 de Maio de 2005 (folhas 352) e Agosto de 2005 (folhas 365). Ou seja, mas de seis anos depois.

A mesma perícia incidiu sobre a avaliação da imputabilidade ao tempo dos factos.

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