Acórdão nº 262/06 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Abril de 2006

Data27 Abril 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 262/2006

Processo n.º 358/06

Plenário

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira requer, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciação preventiva da constitucionalidade de normas constantes do decreto legislativo regional que «Altera o Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de Janeiro, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira», aprovado pela Assembleia Legislativa em sessão plenária de 22 de Março de 2006 e recebido, para os efeitos previstos no artigo 233.º da CRP, no dia 30 do mesmo mês.

      O requerente suporta o pedido nos fundamentos seguintes:

      II - A participação democrática no ensino e o seu enquadramento constitucional e legal

      1 – (…).

      2 - Regendo sobre a participação democrática no ensino dispõe a Constituição no artigo 77° que “os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas nos termos da lei” (nº 1), e outrossim que “a lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de carácter científico na definição da política de ensino” (nº 2).

      3 - Não obstante existir uma grande margem de conformação legislativa na definição do conceito de “gestão democrática das escolas” por parte do legislador ordinário, segundo o entendimento prevalecente na doutrina emerge de tal conceito um núcleo essencial segundo o qual se pressupõe que a “gestão escolar não compete, no todo ou em parte, ao titular do estabelecimento escolar (Estado, etc.), ou a alguém por ele nomeado, mas sim a órgãos próprios da escola, eleitos pela colectividade escolar, com participação de professores e alunos”. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 375).

      4 - Em ordem à densificação e concretização do imperativo constitucional da gestão democrática das escolas, foi editada a Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), ulteriormente alterada pelas Leis nºs 115/97, de 19 de Setembro e 49/2005, de 30 de Agosto, a qual, nos seus artigos 46º a 49º, na numeração resultante da Lei nº 49/2005, rege sobre a administração do sistema educativo.

      5 - No artigo 46º, subordinado à epígrafe “Princípios gerais” prescreve-se no n° 1 que “a administração e gestão do sistema educativo devem assegurar o pleno respeito pelas regras de democraticidade e de participação que visem a consecução de objectivos pedagógicos e educativos, nomeadamente no domínio da formação social e cívica” (Sublinhado acrescentado).

      6 - E no artigo 48º, sob o título de administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino, determina-se no nº 2 que “em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino”. (Sublinhados acrescentados).

      7 - Por seu turno, no nº 4 do mesmo preceito, dispõe-se que “a direcção, de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores e alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino” (Sublinhados acrescentados).

      8 - Os princípios da democraticidade e da participação de todos os interessados no processo educativo e na vida das escolas plasmados na Lei de Bases do Sistema Educativo, vieram a ser desenvolvidos, nomeadamente, pelo Decreto-Lei nº 43/89, de 3 de Fevereiro, reportado ao Regime de autonomia das escolas oficiais dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário, pelo Decreto-Lei nº 172/91, de 10 de Maio, versando sobre o Regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, e pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio – depois alterado por apreciação parlamentar, pela Lei nº 24/99, de 22 de Abril – que definiu o Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, bem como dos respectivos agrupamentos (doravante, Regime de autonomia).

      9 - Este diploma, então editado para valer como lei geral da República, esteve na génese, como parâmetro de referência, do requerimento originador do já citado acórdão nº 161/2003 [Diário da República, I Série – A, de 6 de Maio], no qual aliás se procedeu a um aprofundado escrutínio da materialização daqueles princípios traduzidos no plano da autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação nele contemplados.

      10 - Entre os princípios orientadores da administração das escolas cumpre aqui destacar a “democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo”, bem como a “representatividade dos órgãos de administração e gestão da escola, garantida pela eleição democrática de representantes da comunidade educativa” sendo que os órgãos próprios de administração e gestão das escolas, concretamente a Assembleia, o Conselho executivo ou director, o Conselho pedagógico e o Conselho administrativo, devem obedecer na sua estrutura e modo de funcionamento àqueles princípios [Cfr. artigos 4º, nº 1, alíneas a) e c) e artigo 7º do Regime de Autonomia].

      11 - E, na sequência lógica da concretização destes princípios, prescreve-se no artigo 19º nº 1 deste diploma que “os membros do conselho executivo ou o director são eleitos em assembleia eleitoral, a constituir para o efeito, integrada pela totalidade do pessoal docente e não docente em exercício efectivo de funções na escola, por representantes dos alunos no ensino secundário, bem como por representantes dos pais e encarregados de educação”.

      12 - Nos artigos seguintes define-se a disciplina correspondente ao sistema de eleição, provimento e homologação dos resultados eleitorais, regime de duração e cessação do mandato. (Cfr. artigos 20º a 23º do mesmo Regime de Autonomia, com as alterações introduzidas pela Lei nº 24/99).

      13 - Ora, como já se referiu, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou o Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, que aprovou o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira (doravante, Regime de autonomia regional) nos termos do qual e por força das disposições conjugadas dos artigos 17º a 29º, deste regime se estatuiu, diferentemente, dos princípios consagrados no artigo 19º do Regime de Autonomia, que a direcção executiva ou director fosse recrutada mediante concurso promovido pela direcção executiva ou director cessantes. Na impossibilidade de recrutar a direcção executiva, competiria então ao Secretário Regional de Educação proceder à respectiva designação, ouvido o conselho de comunidade educativa.

      14 - Todavia, o Tribunal Constitucional, no já citado Acórdão 161/2003, e no quadro da competência legislativa das Assembleias Legislativas Regionais anterior à revisão constitucional de 2004 (Lei Constitucional n° 1/2004, de 24 de Julho), pronunciou-se no sentido de a forma de recrutamento dos membros da direcção executiva – concurso em lugar de eleição – não se harmonizar com os princípios relativos à democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo e à representatividade dos órgãos de administração e gestão das escolas como concretização do artigo 77º da Constituição e do artigo 45º da Lei n° 46/86, declarando, consequentemente, as respectivas normas ilegais, com força obrigatória geral.

      III - O decreto legislativo regional e as normas agora levadas

      à sindicância desse Tribunal

      1 - A Assembleia Legislativa, “ao abrigo da alínea c) do nº 1 e do nº 4 do artigo 227º da Constituição da República Portuguesa conjugados com a alínea e) do nº 1 do artigo 37º e do artigo 81º, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 130/99, de 21 de Agosto, e pela Lei nº 12/2000, de 21 de Junho, e no desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo aprovada pela Lei nº 46/86, de 14 de Outubro e alterada pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro” aprovou o decreto legislativo regional que, pelo seu artigo 1º, procedeu à alteração de diversas normas do Decreto Legislativo Regional n° 4/2000/M, podendo suscitar-se relativamente a algumas delas dúvidas sobre a sua legitimidade constitucional.

      2 - Com efeito, e desde logo, as alterações introduzidas nos preceitos relativos à designação do Conselho Executivo, criando uma disciplina normativa muito próxima daquela que foi declarada ilegal pelo Acórdão nº 161/2003, parecem contrariar os princípios nucleares a este respeito enunciados nas pertinentes bases da Lei nº 46/86.

      3 - Em conformidade com a nova redacção dada ao nº 1 do artigo 17º do Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, “O Conselho Executivo ou Director é seleccionado mediante procedimento desencadeado pelo Conselho da Comunidade Educativa e promovido pelo Conselho Executivo ou Director cessante” (Sublinhado acrescentado).

      4 - Depois de se regular a disciplina procedimental da selecção do Conselho Executivo ou Director (artigos 18º a 21º) dispõe-se no artigo 22º, sempre daquele diploma, que as candidaturas serão apreciadas por uma comissão constituída para o efeito, composta por três ou cinco docentes do quadro do...

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