Acórdão nº 226/06 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2006
Magistrado Responsável | Cons. Fernanda Palma |
Data da Resolução | 23 de Março de 2006 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 226/2006
Processo nº 998/2005
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Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
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1. Nos presentes autos, o Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo proferiu a seguinte decisão:
Vem o arguido acusado de no dia 27 de Maio de 2004, na barreira de portagem de Montemor-Oeste, comarca de Montemor-o-Novo, sublanço Marateca/Vendas Novas da A 6, Auto-estrada Marateca/Elvas, se ter recusado a pagar a taxa de portagem devida no montante de 4, 30 euros.
Na referida acusação é-lhe imputada a prática da contravenção prevista e punida nos nº 1° da base XVIII anexa ao D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro. Dispõe o mencionado preceito que “a falta de pagamento de qualquer taxa de portagem é punida com multa, cujo montante mínimo será igual a 10 vezes o valor da respectiva taxa de portagem, mas nunca inferior a 5 000$00 e o máximo o quíntuplo do mínimo”,
Esta norma encontra-se inserta num diploma elaborado pelo Governo ao abrigo do disposto no art. 198, n° 1, al. A) da Constituição da República Portuguesa.
Ou seja, no exercício das funções legislativas que lhe permite fazer Decretos-Leis em matérias não reservadas à Assembleia da República.
De facto, o escopo fundamental do D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro é o de regular a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas.
Por esse motivo, não terá sido solicitada qualquer autorização à Assembleia da República.
No entanto, o diploma “supra” referido tem inserta uma norma que estipula expressamente a aplicação de uma pena de multa.
Constitui, por esse motivo uma tipificação ao nível do direito criminal ou de mero ilícito de ordenação social.
Ora, a possibilidade de legislar sobre estas matérias está vedada ao Governo, pois face ao estipulado nas als. C) e d) do n° 1 do artigo 165 “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre a definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal e sobre o regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo”.
Ou seja, o Governo legislou sobre a aplicação de uma multa, matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da república sem ter tido autorização prévia para o efeito.
Mais, a norma que atribui competência aos portageiros para levantarem autos de notícia, equiparando-os a funcionários públicos também se encontra inserta no D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro que regula a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas.
Esta norma não podia ter sido elaborada pelo Governo pois também se encontra no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Note-se que tais autos, fazem fé um juízo.
A necessidade de a Assembleia da República autorizar o Governo a legislar sobre tais matérias já foi até reconhecida pelo legislador quando através da Lei n° 20/90, de 3 de Agosto foi concedida autorização ao governo para legislar sobre processamento e julgamento de contravenções e transgressões.
Foi com base nessa Lei que o Governo, posteriormente elaborou o Decreto-Lei n° 17/91, de 10 de Janeiro no qual se estabeleceram as normas para o processamento das contravenções e transgressões.
Resulta expressamente da mencionada Lei de autorização legislativa que a autorização em causa é dada ao abrigo do art. 168, n° 1, als. C) e d) da CRP (ou seja, o correspondente ao actual 165 n° 1, als. C) e d) da CRP).
Ou seja, o legislador não tem qualquer dúvida que a matéria das contravenções constitui matéria de competência relativa da AR.
Mais, segundo Gomes Canotilho (in Constituição Anotada), o artigo 165 da CRP “ao referir o ilícito de mera ordenação social, omitindo toda a referência à figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao Código Penal de 1982), a Constituição deixa entender claramente que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que subsistirem ou que forem de novo criadas) têm de ser tratadas de acordo com a natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social).
Do “supra” referido resulta que a norma referida na acusação que imputa ao arguido a prática da contravenção prevista e punida na base XVIII anexa ao D.L. n° 294/97, de 24 de Outubro padece do vício da inconstitucionalidade orgânica.
Cabe a este Tribunal efectuar um controlo difuso e concreto da...
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