Acórdão nº 195/06 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Março de 2006

Data15 Março 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 195/2006

Processo n.º 76/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.Por acórdão de 22 de Setembro de 2005, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu conceder parcial provimento ao recurso interposto por a. do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 2004, que, no âmbito do processo comum colectivo n.º 16783/01.8TDLSB, negou provimento ao recurso por ele interposto da decisão da 8.ª Vara Criminal de Lisboa (se bem que, em consequência de alteração legislativa superveniente, tivesse reduzido para 9 anos de prisão a pena correspondente ao crime de tráfico agravado de estupefacientes, e para 15 anos a pena correspondente ao cúmulo jurídico) que o havia condenado, como co-autor de um crime de associação criminosa e de um crime de tráfico agravado de drogas ilícitas, nas penas parcelares de 12 anos de prisão e de 10 anos de prisão e na pena conjunta de 16 anos de prisão. Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça reduziu as penas parcelares a que o arguido tinha sido condenado para 6 anos de prisão e 8 anos de prisão, respectivamente pelos crimes de colaboração prestada a associação criminosa e de tráfico comum (não agravado) de drogas ilícitas, e reduziu a pena conjunta para 10 anos de prisão. Pode ler-se nesse aresto:

    «5. QUESTÃO PRÉVIA

    5.1. O tribunal colectivo declarou perdidos a favor do Estado “todos os bens e direitos pertencentes aos arguidos e à sociedade “B. S.A.” e, designadamente, os bens apreendidos a fls. 346, incluindo o direito de crédito de fls. 353, de fls. 371 e 372, a mercadoria dos contentores apreendidos ….” e “….” o saldo já apreendido de duas contas tituladas pela firma “B.” no C., S.A. sob os números 49/372444 (20.424,45 €) e 90/1960950 (153.488,87 € + 27.837.92 USD + 64.012,03 USD + 123.900€)”. Porém, a Relação(11) limitou essa perda ao “dinheiro e direitos apreendidos à sociedade – o cheque de fls. 353 que foi passado à sua ordem e os saldos das contas bancárias que no acórdão se referem”:

    Cremos haver no acórdão recorrido um lapso quando se decreta o perdimento “de todos os bens e direitos pertencentes aos arguidos e à sociedade B., SA, designadamente os bens apreendidos”. A tomar-se à letra tal segmento do dispositivo, todo o património dos arguidos, conhecido ou não nos autos, seria confiscado e não parece ser esse o sentido da decisão: a palavra “designadamente” estará ali a mais, representando um lapso de escrita e deve assim ser suprimida, ao abrigo do preceituado no artigo 380.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do C.P.P. Entendida deste modo a decisão, estarão em causa apenas dinheiro e direitos apreendidos à sociedade – o cheque de fls. 353 que foi passado à sua ordem e os saldos das contas bancárias que no acórdão se referem.

    5.2. Sendo assim, só a “B.., SA” – além do MP(12) – teria legitimidade para recorrer dessa decisão: “Têm legitimidade para recorrer aqueles (...) que tiverem a defender um direito afectado pela decisão” (art. 401.º, n.º 1, al. d), do CPP).

    5.3. Mas já não o arguido, pois que tal decisão não foi “proferida contra ele [arguido]” (art.º 401.º, n.º 1, al. b)), mas contra a “B., SA”. É certo que era A. o “legal representante” da sua sucursal em Portugal (“B., SA – Sucursal em Portugal”), mas não foi nessa qualidade, mas na de “arguido”, que o recurso foi interposto.

    5.4. Termos em que – por ilegitimidade do recorrente – se não conhece, nessa parte, do recurso de A..

    1. QUESTÕES ADJECTIVAS

      6.1. Seria nulo o acórdão recorrido se não contivesse a assinatura dos respectivos juízes (omissão suprível pela recolha, enquanto fosse possível, das assinaturas em falta) – art.ºs 668.º, n.ºs 1, al. a), e 2, do CPC e 374.º, n.º 3, al. e), do CPP). O recorrente, porém, não invoca a omissão das assinaturas mas a “ilegibilidade” de duas delas, o que não configura “nulidade” (art.º 118.º, n.º 1, do CPP) nem, sequer, “irregularidade” (art.º 118.º, n.º 2). E, não se pondo em causa que “o arguido tem o direito de saber quem o julga e o condena”, bastar-lhe-á consultar, para tanto, a acta da audiência de julgamento(13).

      6.2. Insiste o recorrente em que “a omissão da contestação no acórdão da 8.ª Vara e a redução da acusação de 13 folhas para 4, sem explicitação de factos, causa nulidade que o TRL não atendeu”. No entanto, a Relação pronunciou-se detida e esgotantemente sobre essa questão(14) em termos que, em recurso para o Supremo, teria cabido ao recorrente contrariar, argumento por argumento, e não em termos genéricos e, até, concretamente ininteligíveis (“A fundamentação do TRL não é consonante com provas concretas e certezas inequívocas”). Aliás, o recorrente não indica agora – como não indicara já no recurso para a Relação (que, “percorrendo a acusação, se não deparou com omissão alguma, antes verificando que o tribunal colectivo sintetizara, de forma aceitável, o conjunto de factos articulados na acusação”) – “um único facto relevante que tenha sido omitido na decisão sobre matéria de facto”. Nem contesta que “quanto às questões jurídicas [suscitadas na contestação] ligadas à cláusula CIF, não podia o tribunal pronunciar-se sobre elas em sede de factos provados ou não provados”.

      6.3. Reclama o recorrente que “o TRL não procedeu ao reexame crítico requerido na conclusão 25.ª [15] nem apreciou os depoimentos das testemunhas indicadas in fine”. No entanto, o tribunal colectivo – perante essas provas (cujo reexame crítico ora acusa de omisso) – já havia concluído (conclusão que a Relação não pôs em causa) que «em 20 de Novembro de 2001, o arguido A. comunicou, em nome da “B.” à “G.” que ia devolver os contentores, tendo sido este arguido que se deslocou aos escritórios desta firma onde foram entregues os documentos dos contentores, tendo em 26 de Novembro de 2001 sido cancelados esses documentos pelo arguido H. em nome da “I., S.A.” e que “o transporte dos contentores estava sujeito à cláusula CIF – cost, insurance and freight – sendo o lugar de cumprimento o cais do porto de destino da mercadoria – Lisboa”. Não haveria, por isso, que reexaminar as provas documentais ou testemunhais que haviam conduzido o tribunal colectivo – sem concreta impugnação do recorrente – à comprovação de tais factos. A dedução – em termos de qualificação da sua conduta – que o recorrente pretendia que a Relação deles extraísse (contra aquela que 1.ª instância deles extraíra) não tem a ver com o reexame crítico da respectiva prova documental nem com a reapreciação dos “depoimentos das testemunhas indicadas in fine”.

      6.4. Insurge-se também o recorrente contra o acórdão da Relação por este não ter explicitado a razão por que, apesar de ele ter “rejeitado a mercadoria”, ainda assim o considerou “participante numa organização para introduzir cocaína”. Nem a razão por que “sendo a voluntas do recorrente importar parafina, alimentos, alumínios e produtos em geral (cfr. pacto social da B.)”, pôde ele ter pretendido “importar estupefaciente”. Nem “o motivo por que das paletes em alumínio que o recorrente importou e acabou por recusar, o tribunal retira a conclusão de que o recorrente quis introduzir drogas”. E nem a razão por que da “linguagem [utilizada] ao telefone” (“panelas”, “sapatilhas”) “o tribunal retirou a conclusão de que o recorrente quis introduzir drogas” e não a de que seriam alumínios (“metal branco com o qual se fazem utensílios domésticos, panelas por ex.”) e “paletes” (“em sentido popular, sapatos”) os bens a que essa linguagem se pretendia referir.

      6.5. Porém, a Relação a esse respeito foi bem explícita. Desde logo, ao remeter para o acórdão do tribunal colectivo (que considerou, a esse respeito, “amplamente explícito”), assumindo-a, a fundamentação das “razões” da comprovação do “conhecimento dos factos e articulação do plano de actuação dos arguidos e a sua integração numa organização criminosa”. Depois, ao repudiar a relevância jurídico-penal da invocada “cláusula CIF” por, além do mais, ser “de toda a evidência que, demonstrada através da prova abundantemente descrita no acórdão a vontade do recorrente de dar o seu concurso para a introdução, em Portugal, da cocaína expedida do Panamá”, “nada interessando”, por isso, “o conteúdo do contrato comercial, de aparência legal, sob o qual se procurava dissimular esse acto ilícito”. Depois, ao chamar a atenção para que “no tipo legal [de tráfico de drogas ilícitas], não se pune apenas a posse de estupefacientes, mas também a sua importação ou mesmo o simples fazer transitar produtos qualificados pela lei como tal”. Enfim, e quanto à questão da “rejeição da recepção dos contentores”, também a Relação se remeteu para a expressa referência, (“em termos que não merece[ra]m [à Relação] o mínimo reparo”) que o tribunal colectivo lhe fizera “em sede de apreciação da prova, desvalorizando-a enquanto eventualmente consubstancial da vontade de desistir do propósito criminoso”.(16)

      · “Note-se que, no dia da chegada dos contentores a Lisboa (15 de Novembro de 2001), o arguido A., em nome da B., tinha intenção de levantar os contentores, pelo que as razões constantes do fax referido só podem ser vistas como ilusão formal para justificar a mudança de posição da organização. Aliás, é de notar que foi o próprio arguido A. (que aparentemente nada queria ter a ver com o negócio, pois acabou por rejeitar a mercadoria) quem teve a ideia de reenviar tais contentores para Espanha, com destino a empresa a designar; encontrando-se a burocracia para tal fim já na posse dos arguidos, sendo do conhecimento de ambos, aquando da sua detenção. Assim, no dia 10 de Dezembro de 2001 ambos os arguidos conversaram por telefone, às 1:51-1:55, perguntando H.pelo alumínio e se A. não via inconveniente em tirá-lo, ao que este lhe sugeriu, demonstrando receio em desalfandegar a mercadoria, que se enviassem os contentores para Espanha, para uma empresa que lhe fosse indicada (cfr. sessão n.º 641, transcrita a fls. 583 a 589)”.

      · “Posteriormente...

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