Acórdão nº 182/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Março de 2006

Data08 Março 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 182/2006

Processo n.º 404/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A Caixa Geral de Depósitos intentou, em 6 de Março de 2003, no Tribunal Judicial da Comarca da Moita, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra A. e mulher, B., emergente de três contratos de mútuo com hipoteca, sendo um dele celebrado em 21 de Dezembro de 1999 e outros dois em 19 de Outubro de 2001, que estes teriam incumprido.

Por despacho de 2 de Maio de 2003 (fls. 72), foi ordenada a citação dos executados, através de via postal simples, para, decorrida a legal dilação, no prazo de 20 dias pagarem ao exequente, sob pena de o imóvel hipotecado ser penhorado (artigos 811.º, n.º 1, e 835.º do Código de Processo Civil – CPC).

A citação foi efectuada pela via indicada, para a morada dos executados constante das escrituras dos referidos contratos (…, …, Moita), constando dos autos menção desse envio, em 9 de Maio de 2003 (fls. 73), e tendo sido juntos os talões com a declaração do distribuidor do serviço postal de que, em 13 de Maio de 2003, havia procedido ao depósito das cartas de citação no receptáculo postal da referida morada (fls. 74 e 75).

O executado marido arguiu, em 8 de Abril de 2004, a nulidade da citação, afirmando nunca ter recebido a correspondente carta e ter tido conhecimento da pendência do presente processo apenas quando o comprador de um dos imóveis o registou, aduzindo que a morada indicada nos autos corresponde a uma quinta, não oferecendo o respectivo receptáculo postal (que se encontra a mais de 130 metros da residência e não é inspeccionado diariamente) qualquer garantia de inviolabilidade. Mais suscitou a questão da inconstitucionalidade, por violação dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da aplicação do regime da citação por via postal simples, estabelecido no artigo 236.º-A do CPC, às acções executivas.

A exequente respondeu, afirmando não corresponder à verdade o aduzido pelo executado quanto ao conhecimento da pendência da execução, pois ele já sabia há muito que tinha sido instaurada acção executiva, na sequência do que manteve vários contactos com a exequente, quer nas instalações na Moita, quer na Baixa da Banheira, tendo, numa reunião realizada em Novembro de 2003, solicitado à exequente a marcação de data para a celebração da escritura de compra e venda, altura em que liquidaria a quantia exequenda, mas, marcada a escritura para 19 de Novembro de 2003, os executados não compareceram. Quanto à sua residência, ela não constitui uma “quinta”, no sentido de terreno rústico com certo isolamento, mas moradia com piscina e jardim, local de morada dos executados, por eles indicada para efeitos fiscais e eleitorais, para a qual sempre foi remetida e recebida a correspondência relativa aos mútuos em causa e expedida, em 26 de Novembro de 2003, a carta registada de notificação do termo de penhora, que não foi devolvida, pelo que a arguição de nulidade da citação, efectuada em Abril de 2004, além de infundada, se mostrava manifestamente extemporânea.

Por despacho de 15 de Julho de 2004 (fls. 22 e 23), foi julgada improcedente a invocada excepção dilatória da falta de citação, reputando-se conforme à Constituição a apontada solução legislativa. Ponderou-se nesse despacho:

“A citação ordenada no despacho de fls. 46 e efectivada a fls. 48 e 49 (por depósito) colhe a sua base legal no artigo 236.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil (com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto), onde a morada dos executados nas escrituras de compra e venda de fls. 16 e 23 é a mesma que consta da petição inicial e sendo a acção executiva para pagamento de quantia certa, com escritura pública como título executivo, é esta acção que, por excelência, representa o cumprimento de obrigações pecuniárias (não distinguindo a lei entre acções declarativas e o processo especial de execução), por isso determinando o Tribunal o cumprimento desta forma de citação.

Prosseguindo-se a citação por via postal simples nos termos do artigo 236.º-A do Código de Processo Civil, não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade face ao artigo 20.º da CRP.

Com efeito, essa opção do legislador ordinário fundou-se, entre outras razões, na responsabilidade do cidadão em sociedade perante os compromissos que assume (os quais foram firmados em 19 de Outubro de 2001, ou seja, as escrituras foram celebradas em data posterior à entrada em vigor da opção legislativa taxada no artigo 236.º-A do Código de Processo Civil), onde se o mesmo indica uma morada e aí residindo (como continua a residir), torna-se responsável por essa indicação. Se o executado não verifica a caixa de correio diariamente, ou se achava que a mesma se encontrava demasiado distante da sua residência, tinha a obrigação de corrigir essa situação de incerteza, com as quais era conivente e unicamente a si imputável (razão porque não pode nunca operar a nulidade por falta de citação nos termos dos artigos 194.º, alínea a), e 195.º, alínea e), in fine, do Código de Processo Civil).

Não pode é, sem mais, lançar a incerteza, afirmando que não recebeu qualquer carta (que a lei processual, na altura em vigor, não admitia – cfr. artigo 236.º–A, n.º 2, do Código de Processo Civil) perante qualquer notificação que se lhe dirija judicial ou extrajudicial. Com efeito, a caixa de correio, merecendo actualmente tutela penal, pela sua privacidade (enquanto extensão social e pessoal do indivíduo), não deixa de o ser pela circunstância de os executados não a consultarem diariamente, ou acharem que a mesma se encontrava demasiado distante.

A solução legislativa que vigorou na redacção do artigo 236.º-A não criou qualquer incerteza ou injustiça entre as partes, antes promoveu a responsabilidade dos contraentes e a segurança nas relações jurídicas, não se encontrando de modo algum afectados quaisquer dos princípios plasmados no artigo 20.º da CRP.

Pelo exposto, tendo-se cumprido as formalidades legais e efectivando-se a citação do executado, inexiste qualquer nulidade por falta de citação nos termos dos artigos 194.º, alínea a), e 195.º, alínea e), ou sequer nulidade de citação nos termos do artigo 198.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que julgo improcedente a invocada excepção dilatória, dela absolvendo o exequente.”

Deste despacho agravou o executado para o Tribunal da Relação de Lisboa, reiterando nas respectivas alegações a tese de que “o disposto no artigo 236.º-A do CPC, em vigor na altura, a aplicar-se às acções executivas, é inconstitucional, por violar os princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.

Por acórdão de 24 de Fevereiro de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao agravo, com a seguinte fundamentação:

“Quer à data da instauração da execução quer da respectiva citação, encontrava-se em vigor o disposto no artigo 236.°-A do Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto.

Nos termos do artigo 811.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, quando não houvesse fundamento para indeferimento liminar ou aperfeiçoamento da petição executiva, o juiz deveria ordenar a citação do executado.

As normas reguladoras da acção executiva não definiam a forma como deveria ser efectuada a citação, preceituando o artigo 466.°, n.º 1, do...

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