Acórdão nº 170/06 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução06 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 170/2006

Processo n.º176/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

    “1. A., melhor identificado nos autos, foi julgado no Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, no processo comum singular n.º 133/02.9TAACB do 2º Juízo, tendo sido condenado, por sentença de 8 de Janeiro de 2003, pela prática de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 170.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos.

    O arguido interpôs recurso do despacho proferido em audiência de julgamento (fls. 401), que indeferiu a nulidade arguida quanto à busca realizada aos quartos, anexos à discoteca, onde ocorriam os actos sexuais, e ainda da sentença condenatória.

  2. Na motivação do recurso intercalar o recorrente sustentou o seguinte [segue transcrição das conclusões da motivação do recurso]:

    ‘1. Conforme resulta do douto despacho, de que se recorre, e da douta sentença, já proferida, nos quartos anexos à discoteca travavam-se actos sexuais entre pessoas do sexo feminino e masculino.

  3. No momento da realização da busca as testemunhas B. e C. foram surpreendidas, por elementos da polícia, a manter relações sexuais com indivíduos do sexo masculino.

  4. Os actos praticados nos quartos anexos à discoteca eram do foro íntimo dos cidadãos.

  5. Este espaço, fechado e reservado, deverá ser considerado como habitação ou sua dependência fechada para os efeitos do n.º1 do art. 177 do CPP.

  6. Na verdade, os art. 26.º e 34.ºda CRP, não se confinam apenas em proteger o domicílio em sentido civi1ístico, mas sim com uma dimensão mais ampla abrangendo também todo o espaço fechado e vedado a estranhos, onde recatada e livremente, se desenvolve uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e comum.

  7. Concatenando os autos resulta ser entendimento da Polícia Judiciária, do MP e do Juiz que a busca àquele local necessitava de autorização judicial.

    7. A busca realizada fora do prazo estabelecido na Constituição e Código de Processo Penal (artigo 34.º, n.º 3 e 177.º, n.º 1, respectivamente) equivale à inexistência de ordem judicial.

  8. Acresce que a autorização do arguido não legitima a realização da busca, porquanto não é ele o portador do direito à reserva da privacidade e intimidade.

  9. Este direito é pertença das pessoas que, naquele momento ocupavam os quartos, pois, só assim esse direito terá conteúdo.

    10. Dir-se-á ainda que o arguido podia autorizar a realização da busca à discoteca e já não aos quartos.

  10. Mesmo a entender-se que, sendo o arguido arrendatário do local buscado, tinha a sua disponibilidade, sempre se diria que o consentimento para a realização da busca necessitava da autorização das pessoas que naquele momento possuíam legalmente os quartos.

  11. Por outro lado o vício da não autorização judicial ou o consentimento das pessoas que o podiam dar, constitui uma nulidade insanável porquanto, sendo o direito à privacidade e intimidade protegidos constitucionalmente, são directamente aplicáveis.

  12. De resto estes vícios contendem a substância – direitos liberdade e garantias – e não com meros procedimentos processuais.

  13. Sempre se dirá que a violação do disposto no art. 126.º do CPP, decorrendo de uma proibição constitucional (art. 26.º e 34.º, da CRP), não segue o regime previsto no art. 118.º, do mesmo Código.

  14. Com efeito, nesta perspectiva, estar-se-ia perante uma proibição de prova e por isso também invocável a todo o tempo.

  15. É esta a melhor interpretação a dar aos art. 118.º, 126.º e 177.º, do CPP, pois, a dar-se-lhes outra então essas normas são inconstitucionais por contenderem com o estatuído nos art. 18.º,26.º,32.º e 34.º, da CRP.’

    Quanto ao recurso da decisão condenatória, concluiu o recorrente que [segue transcrição das conclusões da motivação do recurso]:

    1. O recorrente manifesta interesse no seu recurso intercalar, dando assim cumprimento ao disposto no art. 412.º, n.º 5 do CPP

    2. Pretendia o arguido impugnar a matéria de facto dada como provada. Todavia, não o pode fazer adequadamente, uma vez que, o depoimento da testemunha B. apresenta partes omissas.

    3. Com efeito, como resulta das transcrições efectuadas por uma empresa escolhida pelo tribunal, várias das respostas dessa testemunha são imperceptíveis.

    4. Em consequência se invoca a irregularidade da falta de gravação das partes aludidas que determinaram a invalidade da audiência de julgamento, bem como a respectiva acta e sentença.

    5. A busca à discoteca … não foi validada pelo tribunal estando inquinada de nulidade absoluta.

    6. É esta a melhor interpretação a dar aos art. 126.º, 174.º e 177.º, todos do CPP, pois outra interpretação colide com o disposto nos art. 18.º, 32.º e 34.º da CRP.

    7. Dos factos dados como provados não resultam preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito previstos no art. 170.º, n.º 1 do CPP.

    8. Com efeito, não se deu como provado que o arguido tenha fomentado a prática da prostituição.

    9. Também da matéria assente não resulta que o recorrente tenha favorecido ou facilitado essa actividade.

    10. A conduta do recorrente enquadra-se mais no que se designa por rufianismo.

    11. Sempre se dirá que o art. 170.º n.º1 do CPP é inconstitucional.

    12. O bem jurídico protegido, pela referida norma, é a autodeterminação sexual ou residualmente a moral e os bons costumes.

    13. Resulta do art. 18.º n.º2, da CRP, que os direitos, liberdades e garantias se devem limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

    14. As violações morais não conformam a lesão de um autêntico bem jurídico, não podendo, por isso, integrar o conceito material de crime.

    15. Por outro lado a liberdade sexual não se mostra ofendida pelas condutas cominadas no art. 170.º n.º 1.

    16. É esta a melhor interpretação a dar à norma citada, pois, a dar-se-lhe outra a mesma padece de inconstitucionalidade material por contender com o estatuído no art. 18.º, n.º 2, da CRP;

    17. Por dever de patrocínio sempre se dirá que a pena aplicada ao recorrente se mostra exagerada.

    18. O arguido conta 50 anos de idade, sendo primário.

    19. Confessou parcialmente os factos.

    20. Está familiar e socialmente inserido.

    21. Não se vislumbram motivos para a pena se afastar do mínimo legal

    .

    O Ministério Público respondeu pugnando pela improcedência dos recursos.

  16. Por acórdão de 10 de Novembro de 2004, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu julgar improcedente o recurso do despacho proferido em audiência de julgamento, a fls. 401, que indeferiu a nulidade arguida quanto à busca realizada aos quartos anexos à discoteca/“boite” a que se referem os autos, bem como o recurso do acórdão [sentença] condenatório, confirmando-o nos termos em que foi proferido.

    Este aresto fundamentou-se no seguinte:

    (…)

    I. Recurso que indeferiu a nulidade da busca

    a) Da nulidade da busca e tempestividade da sua arguição.

    O despacho que indeferiu a nulidade constante de fls. 401 e 402, foi proferido na audiência de julgamento de 19/12/2003, na sequência da arguição ali feita pelo defensor do arguido.

    A busca foi efectuada em 7/09/2001.

    Do elenco das nulidades insanáveis, constantes do art. 119.º, do CPP, as quais podem ser declaradas em qualquer fase do procedimento, não consta a arguida nestes autos.

    Não se tratando de uma nulidade prevista no artigo atrás mencionado, a mesma, dizendo respeito à fase de inquérito, devia ter sido arguida até 24/06/2003, data em que ocorreu o encerramento do debate instrutório, conforme consta de fls. 274 e segts., por força do art.120.º, n.º 3, al. C), do CPP.

    O arguido interveio na instrução e nada requereu quanto à busca efectuada.

    Assim, ficou preterida a oportunidade de arguição da aludida nulidade.

    Mas mesmo que a arguição fosse tempestiva, a busca nunca seria nula.

    Não pode ser nula a busca efectuada, ao abrigo do art. 126.º, n.º 3, do CPP, enquanto método proibido de prova, uma vez que não estamos perante prova obtida mediante intromissão na vida privada ou no domicílio e além disso foi realizada com o seu consentimento, o que nunca foi posto em causa.

    Salvo o devido respeito pelo parecer do ilustre Prof. D., junto de fls. 528 a 561, os quartos aos quais as “alternadeiras”, B. e C., entre outras, se deslocavam com seus clientes, para com eles praticarem actos sexuais, não podem ser considerados como domicílio ou habitação.

    E não podem ser considerados como domicílio ou habitação, pois as mesmas não residiam ali e não recebiam ali os clientes, como se refere no douto parecer.

    As ditas alternadeiras “angariavam” os clientes na discoteca ou mais precisamente “boite” e depois dirigiam-se para os “anexos”ou “reservados”, sem os quais não fazia sentido a actividade do arguido.

    De tal forma os anexos, onde funcionavam os quartos para as práticas sexuais, faziam parte da “boite” que estavam ligados com acesso directo, como decorre das declarações da testemunha E. (Inspector da Polícia Judiciária e que participou na busca à discoteca …), o qual relatou que, no decorre desta, “viu um casal a sair de uma casa de banho, desconfiou e, com o capitão F., introduziram-se nela, constataram que as instalações sanitárias davam acesso a uns anexos traseiros onde se encontravam quartos.

    Depois, refere ainda que tendo-se deslocado aos quartos, entrou num deles, tendo vislumbrado despidos um homem e uma mulher deitados na cama, ele por cima dela.

    O arguido vem acusado da prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art. 17.º, do CP, por profissionalmente e com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição.

    É claro que a actividade de prostituição se desenvolve no estabelecimento discoteca ou boite, do qual fazem parte o espaço onde convivem as prostitutas com os...

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