Acórdão nº 143/06 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Fevereiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução21 de Fevereiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 143/2006

Processo n.º 274/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

O Ministério Público deduziu acusação, em 21 de Março de 2003, contra A., advogado, imputando-lhe a autoria de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, alínea b), do Código Penal, por, em suma, tendo sido constituído, em 28 de Março de 1995, mandatário da ora assistente B., para a representar na acção cível n.º 2173/97 da 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, e tendo comunicado à sua cliente, em Maio de 1998, que os autores dessa acção aceitariam um acordo, mediante o pagamento de uma indemnização no valor de Esc. 6 000 000$00, na sequência do que esta emitiu e entregou ao arguido três cheques totalizando esse valor, destinados a serem entregues aos autores da acção, o arguido não procedeu a essa entrega, fazendo seus os aludidos valores, bem sabendo que não lhe pertenciam, que se destinavam a proceder ao pagamento da indemnização na acção cível e que, com a sua conduta, causava prejuízos à sua proprietária (fls. 182 e 183).

A assistente B., nos termos do artigo 284.º do Código de Processo Penal (CPP), aderiu à acusação deduzida pelo Ministério Público (fls. 191).

A acusação foi notificada ao arguido por via postal simples com prova de depósito, efectuado em 11 de Abril de 2003 (fls. 189 e 190), tendo o arguido, em 3 de Maio de 2003, procedido à consulta do processo na Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal do Distrito Judicial de Lisboa, onde o inquérito estava pendente (cf. cota de fls. 198).

Não tendo sido requerida instrução, foram os autos remetidos para distribuição, tendo, por despacho de 14 de Outubro de 2003 do Juiz da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, sido designado para julgamento o dia 20 de Janeiro de 2004. Este despacho foi notificado aos diversos intervenientes processuais, sendo ao arguido por via postal simples com prova de depósito (fls. 213-214) para a morada constante do termo de identidade e residência por ele prestado (Avenida …, n.º …, .., .., ….-… Lisboa – cf. fls. 82) e a defensora oficiosa por via postal registada (fls. 215), ambas expedidas em 16 de Outubro de 2003. Encontra-se junto aos autos (fls. 224) o talão do depósito da notificação endereçada ao arguido, contendo declaração do distribuidor do serviço postal no sentido de que em 17 de Outubro de 2003 depositara no receptáculo postal domiciliário da referida morada a notificação em causa.

Em 19 de Novembro de 2003, o arguido apresentou contestação (fls. 235 a 243), subscrita por mandatária então constituída (cf. procuração de fls. 246), onde, além de outras questões, argui a irregularidade da sua notificação e suscita questão de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

“Notificação irregular:

  1. Do penúltimo parágrafo da notificação enviada ao arguido, por via postal simples, comunicando prazo para apresentar contestação, consta que o prazo se inicia a partir do quinto dia posterior à data do depósito na caixa do correio do destinatário, constante do sobrescrito (artigo 113.º, n.º 3, do CPP), conforme fotocópia que ora se junta como documento n.º 1.

    2. Sucede que no sobrescrito depositado na caixa do correio do arguido não foi escrita a data em que ocorreu tal depósito, conforme fotocópia que ora se junta como documento n.º 2.

    3. O arguido encontrou a notificação na sua caixa de correio em 12 de Novembro de 2003 e por cautela contesta na presente data, mas fá-lo com a desvantagem de não saber qual o dia em que efectivamente se iniciou o prazo para contestar e deixando de apresentar de imediato documentos que suportem os factos alegados.

    4. Pelo exposto, o arguido argui a nulidade da respectiva notificação, requerendo a V. Ex.a a repetição do acto.

    Inconstitucionalidade:

  2. Por outro lado, o arguido não pode deixar de arguir a inconstitucionalidade das normas do CPP, artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, na medida em que, preconizando a comunicação da data de julgamento e prazo para contestar por meio de tal modo falível e impessoal, não acautelam devidamente o direito de defesa dos arguidos, violando assim a norma do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  3. No caso dos autos, as normas do CPP, artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, conduziram a que o arguido elaborasse a sua contestação num momento de incerteza e apreensão quanto à tempestividade da mesma, prejudicando a organização da respectiva defesa.”

    Sobre estas questões recaiu o despacho judicial de 10 de Dezembro de 2003 (fls. 257), do seguinte teor:

    “No respeitante à notificação efectuada com referência ao despacho de fls. 209 e seguinte e junto agora o sobrescrito de fls. 256, conclui-se efectivamente que não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 113.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, atendendo a que não foi preenchida a declaração de depósito, impedindo, por esse efeito, que tivesse havido desconhecimento [ter-se-á querido escrever «conhecimento»] do prazo para apresentar contestação, no sentido de se ignorar o dia a partir do qual seria contado.

    Em consequência, verifica-se, em conformidade com os artigos 118.º, n.ºs 1 e 2, e 123.º do Código de Processo Penal, uma irregularidade, na medida em que afectou a garantia da defesa no âmbito aludido.

    Tal irregularidade deve, porém, considerar-se sanada, mediante a apresentação da contestação ora efectivada, tornando-se desnecessária, por inútil, a repetição da notificação, ao abrigo do artigo 123.º

    Quanto à alegada inconstitucionalidade, dir-se-á apenas que a mesma só se verificaria se a pessoa a notificar não dispusesse de meios para reagir a eventual irregularidade que se verifique, em conjugação com as obrigações que impendem sobre a mesma de manter a sua morada actualizada e, mormente, quando tenha a qualidade de arguido em processo criminal.”

    Efectuado o julgamento, com sessões de audiência em 20 de Janeiro e 3 e 20 de Fevereiro de 2004, foi nesta última data proferido o acórdão do Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa (fls. 415 a 427), que condenou o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º s 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, tendo sido logo declarado perdoado um ano de prisão, por força do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio.

    Deste acórdão interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, entre outras questões, suscitou a assim sintetizada nas conclusões 25.ª, 54.ª e 55.ª da respectiva motivação:

    “25.ª – As normas do CPP, artigo 113.º, n.ºs 1, alínea c), e 3, conjugadas com a decisão do Tribunal recorrido de fls. 263, de não ordenar a repetição da notificação para contestar, conduziram a que o arguido elaborasse a sua contestação durante um prazo de incerteza e apreensão quanto à tempestividade da mesma, prejudicando a organização da respectiva defesa. A referida preterição do direito de defesa do arguido implica não só a nulidade da decisão final proferida nos autos, como a nulidade de todos os actos processados após a designação de data para audiência de julgamento.

    (...)

    1. – O facto de o arguido ter sido irregularmente notificado nos termos das normas inconstitucionais do CPP, artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, sem que o acto fosse devidamente repetido, implica a nulidade de tudo o processado nos autos após a notificação de fls. 213.

    2. – Deve ser declarada a inconstitucionalidade das normas do CPP, artigo 113.°, n.ºs 1, alínea c), 3 e 4, na medida em que, preconizando a comunicação da data de julgamento e prazo para contestar por meio de modo falível e impessoal que o arguido pode chegar a não se aperceber da existência de julgamento de um processo contra si instaurado, reduzem os respectivos direitos fundamentais de defesa, violando a norma do artigo 32.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.”

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 7 de Outubro de 2004, negou provimento ao recurso, tendo, a propósito da questão da irregularidade da notificação, consignado o seguinte:

    G Quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 113.º, n.ºs 3 e 4, do CPP por violação do artigo 32.º da CRP, a notificação por via postal simples é permitida nos termos do disposto no artigos 313.°, n.ºs 2 e 3, do CPP, e vem regulamentada no artigo 113.°, n.ºs 1 alínea c), 3 e 4, do mesmo diploma legal. O regime das notificações por via postal simples responde a premências no que respeita ao regular andamento processual veja-se a discussão na Assembleia da República (Diário da Assembleia da República, de 13 de Outubro de 2000), particularmente a exposição do Ministro da Justiça, bem como a exposição de motivos da Proposta de Lei n.° 41/VIII, onde se acentua a consideração de que o arguido tem, obviamente, o direito à defesa, mas não tem o direito de se furtar à acusação nem o de impedir o julgamento. Note-se que o arguido apresentou...

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