Acórdão nº 47/06 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução17 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 47/2006

Processo n.º 627/04

  1. Secção

    Relatora: Conselheira Maria João Antunes

    Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

    1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes a A., S. A. e a Região Autónoma dos Açores e recorrida a Comissão de Trabalhadores da A., S. A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Abril de 2004.

      Este Tribunal recusou a aplicação do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, e dos estatutos da A., anexos ao Decreto-Lei nº 276/00, de 10 de Novembro, na parte em que revogam, expressa (Decreto-Lei nº 558/99) e tacitamente (estatutos) os normativos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril e dos anteriores estatutos, que consagravam a participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., por enfermarem de inconstitucionalidade por acção, na medida em que infringem os artigos 89º e 54º, nº 5, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.

    2. A Comissão de Trabalhadores da A., S. A. propôs, no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, acção contra a A. e a Região Autónoma dos Açores, pedindo, nomeadamente, que fosse reconhecido aos trabalhadores da A. o direito de terem um representante nos órgãos sociais da empresa (Conselho de Administração e Conselho Fiscal). Proferido saneador-sentença, que julgou a acção procedente, as ora recorrentes apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a decisão recorrida.

      Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, esta instância decidiu conceder parcialmente a revista, condenando as rés a reconhecerem o direito dos trabalhadores a terem um seu representante no Conselho de Administração da A., considerando que ficaram provados pelas outras instâncias os seguintes factos:

      “1º. A autora é o órgão representativo dos trabalhadores da A. e desde 1989 promoveu sucessivamente à eleição de representantes dos trabalhadores para o Conselho de Administração, designando também um representante para o Conselho Fiscal.

      1. Assim, em 17 de Agosto de 2000, foi eleito pelos trabalhadores um representante dos trabalhadores para o Conselho de Administração da A., o qual foi empossado pelo Senhor Secretário Regional da Economia em 10 de Outubro de 2000.

      2. E passou a exercer funções até ao passado dia 9 de Dezembro; nesta data, reuniu a Assembleia Geral da sociedade, tendo aí sido deliberado eleger os membros dos órgãos sociais.

      3. Destes órgãos não consta qualquer representante dos trabalhadores da A..

      4. Esta deliberação foi tomada com a presença e voto do único sócio da A., a ré Região Autónoma dos Açores.

      5. Antes da deliberação referida, a autora contactou o Governo Regional dos Açores, através do Director Regional do Orçamento e Tesouro, e comunicou-lhe que indicava, para fazer parte do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da Sociedade Anónima, os mesmos trabalhadores que haviam sido eleitos para o Conselho de Administração e para a Comissão de Fiscalização cessantes”.

      Para o que agora releva, importa destacar o seguinte da fundamentação jurídica constante do acórdão:

      “2ª Questão:

      A participação dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas é referida nos art.ºs 89° e 54° n° 5 al. f), da Constituição da República Portuguesa.

      Redacção do art.º 89°:

      ‘Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão’.

      Redacção do art.º 54° n° 5 al. f):

      ‘Constitui direito das Comissões de Trabalhadores promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei’.

      Este último preceito não confere directamente aos trabalhadores o direito de integrar os órgãos sociais das empresas do Estado ou outras entidades públicas, antes pressupõe a existência de tal direito e, partindo desse pressuposto, atribui à Comissão de Trabalhadores o direito de promover a eleição dos respectivos representantes para os aludidos órgãos sociais.

      É aquele art.º 89° que consagra a participação efectiva dos trabalhadores na gestão das empresas públicas. Este preceito está inserido na Parte II da C.R.P., dedicada à organização económica do Estado.

      É nesta parte da nossa Lei Fundamental que é garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção, o sector público, o privado e o cooperativo e social, definindo-se que o sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas (art.º 82 da C.R.P.).

      Este art.º 89° da C.R.P. não é directamente aplicável e muito menos imediatamente exequível, pelo que necessita da mediação do legislador ordinário para tal.

      Já o art.º 54° da C.R.P. está inserido no Título II da C.R.P., que define o regime dos direitos, liberdades e garantias (art.º 17° da C.R.P.).

      Segundo o art. 18° da C.R.P. os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, constituindo normas preceptivas.

      Dentro destas normas preceptivas, os Constitucionalistas distinguem, ainda, as normas completas e imediatamente exequíveis das incompletas e inexequíveis sem a mediação da lei ordinária. Aquele art. 54° n° 5 al. f) pertence a este último grupo, como inequivocamente resulta do respectivo texto, última parte, onde se remete para a lei ordinária (Constitui direito das Comissões de Trabalhadores promover a eleição de representantes dos trabalhadores para órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei).

      Com isto pretende-se mostrar que, mesmo para quem entenda ser o art.º 54° n° 5 al. f) da C.R.P. a consagrar o direito dos trabalhadores a integrar os órgãos sociais das empresas do sector público, o resultado é o mesmo, pois também este preceito precisa da mediação da lei ordinária para se tornar exequível.

      Decide-se, pois, esta 2ª questão no sentido da necessidade da concretização da norma constitucional pelo legislador ordinário para que o direito dos trabalhadores se torne exequível.

  2. Questão:

    As instâncias entenderam que os trabalhadores tinham o direito de ter um representante nos órgãos sociais da ré A., quer por aplicação directa do preceito constitucional, como fez a 1ª instância, quer por imposição da lei ordinária concretizadora do texto constitucional, a Lei 46/79, de 12 de Setembro, art.ºs 30° e 31º, como parece ter feito o Tribunal da Relação.

    Já vimos que os preceitos constitucionais, só por si, não chegam para fundamentar a procedência da acção.

    A invocação dos preceitos constitucionais, complementada com os art.ºs 30° e 31º da Lei 46/79, como parece ter feito o Tribunal da Relação, já o seria, caso se conclua que esta lei é aplicável à situação, que é a lei concretizadora do texto constitucional.

    Esta lei teve por objectivo regular a constituição das comissões de trabalhadores, como resulta do n° 3 do seu art.º 1º.

    Os referidos art.ºs 30° e 31º, que aludem aos representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas do sector empresarial do Estado, remetem a concretização do direito dos trabalhadores a estarem aí representados para os estatutos das respectivas empresas.

    É efectivamente nas leis de base do sector empresarial do Estado e demais entidades públicas e nos estatutos das empresas a ele pertencentes que devemos buscar a complementaridade da norma constitucional.

    O DL 260/76, de 8 de Abril, veio definir os princípios fundamentais a que devem obedecer os estatutos das empresas públicas, como se afirma no n° 2 do respectivo preâmbulo.

    Nos seus art.ºs 8° n° 1 e 10° n° 5 consagra-se a participação de representantes dos trabalhadores no Conselho Geral e na Comissão de Fiscalização.

    O DL 490/80, de 17 de Outubro, extinguiu A A., S.A.R.L. e criou, em sua substituição, a empresa pública A. E.P..

    Em anexo a este DL foram publicados os estatutos pelos quais se passou a reger a empresa pública acabada de criar, A., E.P. .

    No art. 4° n° 1 al. g) destes estatutos diz-se que o Conselho Geral é constituído, entre outros, por dois representantes dos trabalhadores da empresa.

    No seu art.º 7° n° 3 refere-se que um dos vogais do Conselho de Gerência será o representante dos trabalhadores da empresa.

    No seu art.º 11º, nºs 1 e 2, consagra-se que um dos três membros da Comissão de Fiscalização será indicado pelos trabalhadores da empresa.

    Antes da publicação deste diploma legal foram ouvidos os órgãos do Governo Regional dos Açores, em cumprimento do preceituado pelo n° 2 do art.º 229° da C.R.P., como resulta da leitura do seu preâmbulo.

    Contrariamente ao defendido pela ré Região Autónoma dos Açores, o legislador ordinário concretizou o direito de participação dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., E.P..

    Aliás, consta da matéria de facto provada que a autora, desde 1989 promoveu sucessivamente a eleição de representantes dos trabalhadores para o Conselho de Administração, designando também um representante para o Conselho Fiscal (nº 1 dos factos provados).

    Houve concretização da norma constitucional pelo legislador ordinário e houve acatamento pela ré da prescrição legal, desde 1989 até 9 de Dezembro de 2000.

    O DL 260/76 foi expressamente revogado pelo DL 558/99, de 17 de Dezembro, conforme art.º 40° n° 1, deste diploma.

    O DL 276/2000 transformou a A., E.P., em sociedade anónima, com a denominação A., S.A., pertencendo à Região Autónoma dos Açores todas as suas acções.

    Foram publicados em anexo a este DL os novos estatutos da A., S.A..

    Tanto aquele DL como estes estatutos não contemplam a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., S.A., revogando o DL 260/76 e os estatutos publicados em anexo...

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