Acórdão nº 45/06 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução13 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 45/06

Processo nº 963/2005.

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra.

1. Em 12 de Dezembro de 2005 o relator proferiu a seguinte decisão: –

“1. Por sentença proferida em 11 de Julho de 2003 pela Juíza do Tribunal de comarca do Redondo, foi o arguido A., por entre outros (os arguidos B. e C.), condenado – pela prática de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime, na forma continuada, de fraude fiscal, previsto e punível pela disposições combinadas dos artigos 30º, nº 2, do Código Penal e 23º, números 1 e 2, alíneas a), b) e c), e, 3, alíneas a), b) e e) e 4, primeira parte, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro – na pena de duzentos dias de multa à taxa de € 25, num montante global de € 5.000.

Inconformado com o assim decidido veio aquele arguido (juntamente com o arguido B.), por requerimento de 26 de Setembro de 2003, dar conta da sua intenção de vir a recorrer para o Tribunal da Relação de Évora, solicitando que o prazo de interposição do recurso fosse suspenso até que lhe fossem entregues os registos magnéticos e a respectiva transcrição integral da prova.

A Juíza do referido Tribunal, por despacho de 30 de Setembro de 2003, notificado aos sujeitos processuais em 2 de Outubro seguinte, admitiu o recurso do arguido C. e, no tocante às peticionadas suspensão e entrega da transcrição integral da prova efectuadas pelo arguido A. (e pelo arguido B.), indeferiu o solicitado; quanto à primeira, por a lei processual não prever a suspensão, e, quanto à segunda, porque, disse: – ‘a transcrição não é óbice à normal interposição do recurso nem para ele é necessária, dado que o recurso apenas precisa de fazer as especificações relativamente aos suportes técnicos; depois, a transcrição não se destina a satisfazer qualquer necessidade do recorrente, mas a auxiliar o Tribunal de recurso na sua decisão da matéria de facto e, por fim, porque a transcrição só terá lugar precisamente depois de se recorrer se tal recurso incluir a impugnação da matéria de facto’.

Desse despacho pretendeu o arguido A. (e o arguido B.) recorrer para o Tribunal da Relação de Évora, apresentando motivação em que formulou as seguintes «conclusões» (sic imediatamente abaixo transcritas): –

“A. – Na esteira do disposto no Assento Nº 2/2003 do STJ in DR 1ª Série de 30/01/2003 a fls. 622 e ss., cabe ao Tribunal – e não ao recorrente – o ónus das transcrições da matéria probatória.

  1. – Sendo que, tal Assento 2/2003, fixou jurisprudência no seguinte sentido;

    (…) ‘Sempre que o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, em conformidade com o disposto nos n.º 3 e 4 do artigo 412º do CPP, a transcrição ali referida incumbe ao tribunal’.

  2. – Ora, o processo penal rege-se, entre outros, pelo princípio da oficialidade segundo o qual cabe ao estado a investigação e a submissão a julgamento do arguido pela prática da infracção penal, o que, neste contexto, e atenta os valores de ordem pública em causa, Não será possível nem desejável deixar à mercê do interessado/recorrente um ónus e uma tarefa de tanto melindre como seja a de fornecer ao tribunal o material probatório que iria servir de base ao julgamento do feito ainda que em sede de recurso, (cfr. neste sentido Assento 2/2003 STJ)

  3. - Pelo que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 101º do CPP., importante se torna atingir-se a verdade material dos factos através de uma garantia de autenticidade e genuinidade dos procedimentos, a qual só poderá ser garantida se incumbir à autoridade pública/Tribunal tal ónus e não ao recorrente,

  4. – Tal postulado tem igualmente protecção constitucional prevista no direito ao recurso e nas garantias de defesa do arguido consagrados no artigo 32º da CRP.,

  5. – Donde, resulta daqueles princípios de natureza pública que as transcrições, para além de se destinarem ao tribunal superior, Também são destinadas ao recorrente, uma vez que este tem de indicar qual o facto que julga mal decidido e, fornecer as bases de facto em que se baseia para entender procedente solução diversa da decidida,

  6. – Neste sentido, dada a manifesta e notória incapacidade do tribunal, para, em tempo útil, no prazo legal do recurso, de facultar aos recorrentes as gravações da matéria probatória, e porque estavam em causa o exercício dos direitos de defesa dos recorrentes constitucionalmente garantidos, nomeadamente no artigo 32º da CRP., requereram estes a suspensão daquele prazo.

  7. – O fundamento legal, encontra-se previsto no n.º 2 do artigo 107º do CPP., uma vez que, manifesta e notoriamente, se verificava o justo impedimento ali previsto de, aos recorrentes, ser entregue pelo tribunal as referidas gravações em tempo útil do prazo legal do recurso.

    I. – Donde, com o devido respeito por diferente opinião, – que é muito – caberia à Douta Decisão ora recorrida, aceitar tal justo impedimento do tribunal até que fossem efectivamente entregues aos recorrentes as cópias daquelas gravações,

  8. – Uma vez que, as especificações da matéria de facto se fazem por referência aos referidos suportes técnicos, e, em face daqueles, algo surgindo que justifique uma impossibilidade de normal recurso, os recorrentes podem sempre socorrer-se do justo impedimento (cfr. neste sentido o mesmo Acórdão do STJ en que o Meritíssimo Juiz a quo fundamenta tal indeferimento Ac. STJ 07/05/2003 consultado em www.dgsi,pt)

  9. – Para além do disposto naquele n.º 2 do artigo 146º n.º 1 e 3 do CPC por aplicação do normativo previsto nos artigos 4º e 104º do CPP, tal incapacidade do tribunal constitui sempre manifesto e notório justo impedimento que impossibilita a defesa de impugnar, com certeza, rigor e segurança jurídica, a Douta Decisão no que respeita à matéria de facto, o que constitui manifesta coarcção aos direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente garantidos pelo artigo 32º da CRP.,

    L. – Donde, Não era possível à defesa sequer, poder, cumprir com o disposto no n.º 4 do artigo 412º do CPP., o que constitui Justo Impedimento de conhecimento oficioso (cfr. n.º 2 do artigo 107º do CPP., e n.º 1 do artigo 146º do CPC.,) que desde já igualmente se alega e Requer, (cfr. Ac. Nº 363/00 do TC de 5/7/2000 (Acs. TC. 47º-656) e Ac. STJ de 11/01/2001 in CJ, ano IX (STJ) 2001 tomo 1, 201)

  10. – Pelo que, a Douta Decisão ora recorrida de não conhecer o pedido de transcrição da prova e bem assim a de indeferir a prorrogação do prazo do recurso até que as cópias das gravações fossem efectivamente entregues aos recorrentes, – fundada no manifesto e notório justo impedimento previsto no n.º 2 do artigo 107º do CPP., –, em nosso modesto entendimento, violou os artigos 4º, 61º, 101º n.º 2, 107º n.º 2, 123º n.º 2, 412º, n.º 4, todos do CPP., os artigos 146º n.º 3 do CPC., por remissão daquele artigo 4º do CPP., o Assento n.º 2/2003 de STJ de 30/01/2003, e ainda os artigos 18º, 32º n.º 1, 202º n.º 2, 204º e 205º da CRP., o que constitui inconstitucionalidade que desde já se argui e alega,

  11. – Sendo por isso, inconstitucional a interpretação feita nas decisões ora recorridas de fls. 889 dos autos, devendo as mesmas serem revogadas e substituídas por outra que defira tal arguição e ordene a entrega da matéria probatória aos recorrentes e a consequente prorrogação – por interrupção – do prazo normal do recurso nos termos daquele justo impedimento previsto no n.º 2 do artigo 107º do CPP., até efectiva entrega daqueles suportes aos recorrentes, sem o qual não será possível a estes cumprirem com o n.º 4 do artigo 412º do CPP’.

    Em 1 de Outubro de 2003 deu entrada, via fax (cuja expedição ocorreu depois das 23 horas do anterior dia 30 de Setembro), na secretaria do Tribunal de comarca do Redondo, a motivação do recurso do arguido A. (e do arguido B.), visando a sentença de 11 de Julho de 2003, tendo os respectivos serviços consignado, no documento enviado por aquela via, que o mesmo tinha sido recebido incompleto.

    A indicada Juíza, por despacho de 18 de Novembro de 2003, determinou a notificação dos recorrentes para apresentarem o original da motivação dos recursos da sentença de 11 de Julho de 2003 e, no que concerne ao recurso interposto pelo arguido A. (e pelo arguido B.) incidente sobre o despacho de 30 de Setembro de 2003, considerando que o mesmo dele foi notificado em 2 de Outubro seguinte e que o requerimento de interposição de recurso a ele respeitante só deu entrada na secretaria, via fax, em 28 daquele mês de Outubro, julgou intempestivamente apresentado tal recurso.

    Do despacho de 18 de Novembro de 2003, na parte em que julgou extemporâneo o recurso respeitante ao despacho de 30 de Setembro de 2003 reclamou o arguido A. (e o arguido B.) para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora.

    Entretanto, o arguido A. (e o arguido B.), em 11 de Dezembro de 2003, fez juntar aos autos os originais da motivação do recurso visando a sentença de 11 de Julho de 2003 (introduzida com asserções das quais resultava petição de interposição do recurso desta sentença).

    Na aludida motivação o arguido A. (e o arguido B.) formularam as seguinte «conclusões» (sic transcritas): –

    “I. – Do Impedimento do Tribunal

  12. – Os ora recorrentes, com vista à impugnação da matéria de facto e de direito constante da Sentença objecto do presente Recurso, e porque estavam em causa o exercício dos direitos de defesa dos arguidos constitucionalmente garantidos, nomeadamente no artigo 32° da CRP., requerem atempadamente, dada a manifesta incapacidade do Tribunal para facultar as gravações e transcrições da matéria probatória em tempo útil, a suspensão do prazo para a apresentação do presente recurso, aguardando-se nesta data douta decisão ao requerimento acima referido.

  13. Ora, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º n.º 1 e 3 do CPC por aplicação do normativo previsto nos artigos 4º e 104º do CPP, tal incapacidade do tribunal constitui...

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