Acórdão nº 5/06 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Janeiro de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução03 de Janeiro de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 5/06 Processo n.º 912/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A., SA, instaurou, em 6 de Abril de 2005, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Viseu, “processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, nos termos dos artigos 109.º a 111.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro (CPTA), contra o INGA – Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrária, pedindo a intimação do requerido para que se abstenha de proceder à execução da garantia bancária no valor de € 233 255,68, com a ref.ª 125-02-0087086, de 15 de Julho de 1999, do BANCO b., SA, até ao trânsito em julgado da decisão final na acção administrativa especial (n.º 312/2001) de impugnação da deliberação do Conselho de Administração do INGA, de 15 de Outubro de 2004, que lhe determinou a reposição da quantia de € 1 885 881,98, relativa a ajuda comunitária, considerada indevidamente recebida. Para fundamentar esse pedido, aduziu, em suma, o seguinte: (i) em 11 de Janeiro de 2005, intentou a referida acção administrativa especial, que ainda não foi decidida; (ii) em 18 de Janeiro de 2005, como incidente dessa acção, interpôs processo cautelar de suspensão de eficácia, que foi indeferido por decisão proferida em 25 de Fevereiro de 2005, que ainda não transitou em julgado, encontrando-se pendente recurso no Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN); (iii) em 29 de Março de 2005, o requerido interpelou o referido Banco para, ao abrigo da mencionada garantia, pagar a quantia de € 233 244,68, por alegado incumprimento por parte do afiançado do contrato respectivo; (iv) existe fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado a partir de uma decisão administrativa ilegal e ilícita (ferida de nulidade por ofender o conteúdo essencial de direito fundamental), que será causa provável de prejuízos de difícil reparação, designadamente no seu direito ao bom nome e reputação, inexistindo interesse público legítimo em executar (ao menos até decisão final de improvimento da acção de impugnação do acto administrativo ilegal) o que já está garantido.

Por sentença de 13 de Maio de 2005 do TAF de Viseu o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi indeferido por, dispondo o artigo 109.º, n.º 1, do CPTA que essa intimação pode ser requerida “quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar”, no caso não se verificava o requisito legal constante da parte final deste preceito, já que “para protecção dos direitos, liberdades e garantias enunciados pela requerente teria sido possível e suficiente o decretamento provisório de pedido cautelar, designadamente antecipatório (intimação para abstenção de uma conduta por parte do ora requerido)”.

A requerente interpôs recurso desta sentença para o TCAN, alegando, além do mais, que “a dimensão normativa encontrada para a norma contida no artigo 109.º do CPTA, na interpretação restritiva aplicada pela sentença recorrida, padece de inconstitucionalidade material por contravenção do disposto nos artigos 20.º, n.º 5, e 26.º da Constituição da República Portuguesa”.

Por acórdão de 29 de Setembro de 2005 do TCAN foi negado provimento a esse recurso jurisdicional, tendo, no que concerne à questão de inconstitucionalidade suscitada, sido expendido o seguinte:

“3.2.2. Invoca a recorrente, como fundamento material de recurso, que a decisão recorrida contraria o que decorre dos artigos 109.º do CPTA e 20.º, n.º 5, e 26.º, ambos da CRP, já que, segundo sustenta, «(…) a interpretação restritiva aplicada pela sentença recorrida (…)» (a propósito da previsão e âmbito do artigo 109.º do CPTA) «(…) padece de inconstitucionalidade material por contravenção do disposto nos artigos 20.º, n.º 5, e 26.º da Constituição da República Portuguesa».

Vejamos da pertinência da tese sustentada pela recorrente.

Decorre do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA que: «A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º».

Este meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5, da CRP quando nele se estatui que para «(…) defesa dos direitos, liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos», normativo este que constitui uma das mais relevantes inovações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97 (cf. Maria Fernanda Maçãs, “As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Revista do Ministério Público, ano 25.º, n.º 100, Outubro/Dezembro 2004, pp. 41 e seguintes, em especial pp. 48 a 53; e Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª edição, pp. 273 e 274).

Note-se que no n.º 5 do referido normativo não está em questão a criação de um qualquer meio cautelar, porquanto o que se visa seria a concretização de um direito a processos céleres e prioritários, de molde a obter-se uma eficaz e atempada protecção jurisdicional contra ameaças ou atentados aos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos.

Com efeito, do comando constitucional em referência decorre a exigência de um programa completo de instrumentos processuais que integralmente satisfaçam a necessidade da tutela efectiva de quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos.

O que essencialmente se pretende é que a justiça, no caso a justiça administrativa, tenha sempre resposta, em termos procedimentais, à solicitação de tutela de direitos ou interesses; trata-se, afinal, de fazer corresponder a todo o direito uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo (cf. artigo 2.º, n.º 2, quer do CPTA quer do CPC).

Já, porém, o comando constitucional não condiciona o legislador, respeitado que se mostre o modelo organizatório judicialista e a tutela efectiva dos direitos dos administrados, na sua opção pelas fórmulas de instituição da justiça administrativa e, muito menos, na articulação dos diversos meios processuais que disponibiliza ao administrado ou na fixação de pressupostos processuais de cada um deles, de que eventualmente resulte a preferência por um determinado meio que, em concreto, assegure a tutela efectiva, reclamada, do direito ou do interesse.

Não pode e não se extrai da previsão do artigo 20.º, n.º 5, na sua conjugação com o artigo 268.º, n.ºs 4 e 5, ambos da CRP, que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis, porquanto o que ressalta dos mesmos comandos é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente.

É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados, não se enquadrando necessariamente nesta ideia de total garantia jurisdicional uma duplicação ou alternatividade de instrumentos e/ou meios processuais de reacção a uma dada actuação da Administração.

Daí que, seguindo os ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª edição, pp. 499 e 500), estamos em presença de um «(…) direito constitucional de amparo de direitos a efectivar através das vias judiciais normais (…)» (vide ainda do mesmo ilustre Professor, Estudos sobre Direitos Fundamentais, 2004, p. 79).

Como doutamente se sustentou, a propósito da previsão do artigo 109.º do CPTA, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 18 de Novembro de 2004 (Proc. n.º 978/04 – in www.dgsi.pt/jsta), cuja jurisprudência e entendimento aqui se acolhem:

«(…) Pretendeu-se consagrar uma tutela jurisdicional reforçada nas situações tipificadas no já mencionado preceito, deste modo vincando a posição do cidadão como sujeito de direitos e liberdades, dando a tais direitos, liberdades e garantias um estatuto de “prefered position” (…).

Podemos, assim, encarar o regime acolhido nos já referidos artigos 109.º a 111.º do CPTA como uma clara manifestação da incidência e projecção de uma parcela nuclear do Direito Constitucional sobre institutos de Direito Processual Administrativo, assumindo-se, por isso, o contencioso administrativo como um dos elementos de garantia dos direitos fundamentais.

Os mencionados preceitos concedem ao juiz administrativo um poder de injunção, ainda que limitado às situações em que esteja em causa a protecção de direitos, liberdades e garantias, habilitando-o a adoptar todas as medidas necessárias a salvaguardar o exercício, em tempo útil, dos direitos, liberdades e garantias, deste modo o dotando dos meios de acção indispensáveis a assegurar a defesa das “liberdades” dos “particulares”.

O legislador ordinário, dando cumprimento à imposição veiculada no n.º 5 do artigo 20.º do CRP, procedeu à revalorização fundamental do papel do juiz administrativo no campo da protecção dos direitos, liberdades e garantias, dando-lhe meios para obviar, rápida e eficazmente, às ameaças aos direitos...

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