Acórdão nº 409/07 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução11 de Julho de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 409/2007

Processos n.º 306/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. A. intentou, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra o Instituto de Estradas de Portugal (ex-ICERR), pedindo: (a) se declare ilícito e nulo o seu despedimento; (b) se declare que é trabalhadora do réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde 7 de Junho de 2001; (c) a condenação do réu a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade [tendo vindo, no decurso da audiência de julgamento, a optar, “em substituição da reintegração, pela indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, nos termos legais”]; (d) a condenação do réu a pagar-lhe os salários e subsídios que se vencerem desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento de cada uma dessas importâncias e até efectivo e integral pagamento, bem como a quantia de € 1471,68, correspondente a férias não gozadas, subsídio de férias e subsídio de Natal, que não lhe foram pagos.

Essencialmente, a autora assentou a sua pretensão no entendimento de que a celebração sucessiva, a partir de 7 de Junho de 2001, de contratos de trabalho a termo, de contrato de prestação se serviços e de contrato de trabalho temporário, para satisfazer sempre as mesmas necessidade do instituto público réu (onde a autora sempre exerceu as funções de secretariado e de apoio à gestão na “Área de Planos”), determina a sua conversão em contrato sem termo, conforme decorre do artigo 41.º-A do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designada por LCCT), idêntico efeito derivando da circunstância de o réu se ter limitado, no que tange à invocação do motivo justificativo para a celebração de contrato a termo, a uma simples remissão para os termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º da LCCT, ao que acresce que não se verificou, no caso, nenhum motivo justificativo desse tipo de contratação, não sendo verdadeiro o motivo invocado. Neste contexto, a comunicação, feita pelo réu à autora, em 7 de Novembro de 2002, de não renovação do contrato de trabalho a termo configura um despedimento ilícito, sem instauração de qualquer processo disciplinar.

1.2. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de 22 de Junho de 2005 do Tribunal do Trabalho de Coimbra, que declarou a ilicitude do despedimento e condenou o réu a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 7 de Junho de 2001, e a pagar à autora a quantia de € 7548,35, “a título de remunerações e indemnização acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação (9 de Dezembro de 2003), até integral e efectivo pagamento”.

Quando à questão da conversão do contrato em contrato sem termo e consequente ilicitude da sua cessação, a sentença – considerando que: (i) o ICERR, instituto ao serviço do qual a autora fora admitida originalmente, foi entretanto integrado, por fusão, no IEP (Instituto das Estradas de Portugal), ut artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro; (ii) o IEP é um instituto público, dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio, sendo que o seu pessoal está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho (artigo 13.º, n.º 1, dos seus Estatutos, plasmados no referido diploma); (iii) assim, aplica-se aos seus trabalhadores a disciplina do contrato individual de trabalho, do regime privado; (iv) esta consta da LCCT, dispondo sobre a contratação a termo as normas constantes do seu Capítulo VII, complementadas pelo artigo 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto; (v) admitido que foi dado conhecimento à autora, previamente à sua contratação, de que ia celebrar com o réu um contrato de trabalho a termo certo e o respectivo conteúdo, mas não deixando de ser certo que falta a menção clara e concreta do motivo da contratação (formalidade ad substantiam, cuja omissão é incontornável), quando o réu comunicou à autora, a 7 de Novembro de 2002, a rescisão do contrato, fazendo-o o cessar, “está sem dúvida a proceder a uma cessação unilateral e ilícita do contrato, o que consubstancia um despedimento ilícito, porque efectuado no âmbito de um contrato sem termo, sem existência de justa causa e sem a precedência de um processo disciplinar válido”; (vi) não tem qualquer fundamento a invocação do “contrato de prestação de serviços” celebrado a seguir, uma vez que de tal contrato apenas tem a designação, tendo a autora continuado a exercer as mesmas funções que exercia antes, em iguais termos e condições, de igual modo sujeita às ordens e direcção do réu, cumprindo assiduamente o mesmo horário de trabalho; (vii) o diploma entretanto publicado (o Decreto-Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho), que também abrangeria o réu, não se aplica ao caso dos autos, por força do princípio geral e universal da não retroactividade da aplicação das leis, constante do artigo 12.° do Código Civil e compaginado com o teor do artigo 26.° do novo regime – concluiu que o novo regime não se aplica ao caso dos autos, mantendo-se plenamente válida a disciplina contida nos Estatutos do réu, em cujos termos se determina a aplicação do regime jurídico do contrato individual de trabalho, sem qualquer reserva ou limitação quanto à constituição de um vínculo laboral por tempo indeterminado.

1.3. Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, alegando (além de manifestar divergência quanto à forma de determinação do subsídio de Natal, da “indemnização de antiguidade” e dos juros de mora) que: (i) a proibição da conversão do contrato a termo firmado entre as partes em contrato por tempo indeterminado resulta do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho; (ii) o erro ou lapso na redacção do contrato quanto à não concretização do motivo justificativo do termo apenas impõe a sua rectificação e não a cominação estabelecida no n.º 3 do artigo 42.° da LCCT; (iii) a autora, ao celebrar posteriormente à cessação do contrato de trabalho a termo um contrato de prestação de serviços com o réu, sem apor quaisquer reservas, renunciou a quaisquer créditos emergentes da anterior relação.

Por acórdão de 8 de Março de 2006, o Tribunal da Relação de Coimbra concedeu provimento à apelação, revogou a sentença impugnada e absolveu o réu do pedido, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:

“Com efeito:

– O réu é um instituto público, dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, a quem compete exercer os deveres do Estado no identificado domínio, desenvolvendo a sua acção na dependência e sob a superintendência do Ministro da respectiva tutela.

– Através de sucessivas intervenções legislativas (v. g., Decretos-Leis n.º 35/80, n.º 140/81 e n.º 184/89), foi sendo proibida a celebração de contratos de trabalho sem termo na Administração Pública …

… Até que, no desenvolvimento da disciplina jurídica estabelecida neste último, se concentrou no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública.

O Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho, lembrando preambularmente as linhas de referência definidas naquele diploma (maxime a consagração da existência de três tipos de vínculo possível na Administração Pública: a nomeação, o contrato administrativo de provimento e o contrato a termo certo), visou o aperfeiçoamento do regime instituído, intervindo nomeadamente ao nível das regras relativas à contratação a termo certo, cuja incorrecta prática vinha pervertendo as condições de utilização de tal prevista figura, transformando-a indevidamente num instrumento normal de contratação de pessoal... – cf. respectivo preâmbulo.

E, assim, a nova redacção dada ao artigo 18.º daquele diploma pelo artigo único deste, além de passar a conter a noção de contrato de trabalho a termo certo (é o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada), estabeleceu os casos de admissibilidade de celebração deste tipo de vínculo e prescreveu lapidarmente na previsão dos seus n.ºs 4 e 5 que «O contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo», sendo que a celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no presente diploma implica a sua nulidade … e constitui os dirigentes em responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos …

(A jurisprudência do STJ era já segura ao apontar categoricamente este caminho, podendo ver-se, por todos, o acórdão do STJ, de 28 de Outubro de 1998, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 480, p. 236, em cujo sumário se contém que «… É nulo o contrato de trabalho a termo certo celebrado pela Administração Pública e um trabalhador, que exceda o prazo máximo previsto nos artigos 18.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 427/89, este último com a redacção do Decreto-Lei n.º 407/91 …

… Mais se adiantando que não se transforma em contrato sem prazo o contrato de trabalho a termo certo … mesmo que celebrado sob justificação diversa do motivo realmente verificado).

É fora de dúvida o carácter imperativo das normas do Decreto-Lei n.º 427/89.

As únicas modalidades previstas são a nomeação e o contrato de pessoal (este nas formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo, sendo que o primeiro conferia ao outorgante a qualidade de agente...

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