Acórdão nº 332/07 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução29 de Maio de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 332/2007

Processo n.º 1045/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. Por despacho do Juiz do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Covilhã, de 19 de Março de 2004 (fls. 3457 do processo principal e fls. 89 destes autos), foi determinado o desentranhamento das alegações do recurso de apelação que A., SA, na qualidade de credora, interpusera do despacho de 26 de Novembro de 2003, que homologara a deliberação da assembleia definitiva de credores no processo especial de recuperação de empresa requerido por B., SA. Essa ordem de desentranhamento fundou-se no facto de a recorrente, apesar de “devidamente notificada (…) para proceder ao pagamento omitido da taxa de justiça e multa com a cominação inserta no n.º 2 do artigo 690.º-B do CPC”, ter apenas pago a multa devida, omitindo o pagamento da taxa de justiça em falta.

A A., notificada deste despacho, apresentou o requerimento de fls. 3463-3470 do processo principal (fls. 89-96 destes autos), em que requereu a sua revogação, com base, além do mais (falta de uma notificação essencial para o cumprimento do acto omitido e invocação de justo impedimento), em dever ser recusada a aplicação do disposto no artigo 690.º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), por padecer de inconstitucionalidade material, bem como do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que o aditou, por enfermar de inconstitucionalidade orgânica.

Este requerimento foi indeferido pelo despacho de 28 de Abril de 2004 (fls. 3671 do processo principal e 97 destes autos), que manteve “o despacho proferido a fls. 3457 nos seus precisos termos”.

1.2. Notificado do novo despacho, a A. veio interpor recurso, “que aparenta ser de agravo, mas que é de apelação por se suscitarem as inconstitucionalidades de normas” (requerimento de fls. 3694 do processo principal e 101 destes autos).

Remetido ao Tribunal da Relação de Coimbra, o respectivo Desembargador Relator, por despacho de 12 de Outubro de 2004 (fls. 154-156), qualificou o recurso como de agravo e – após consignar não ter a recorrente interposto recurso do despacho que determinou o desentranhamento das alegações, mas caber recurso do segundo despacho (de 28 de Abril de 2004), por, apesar de não se ter pronunciado expressamente (como devia) pelo menos quanto à arguição de nulidade e à invocação de justo impedimento, ter mantido a arguida nulidade da omissão de uma notificação –, constatando ter a recorrente, nas suas alegações, arguido a nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação de facto e de direito e por não ter conhecido das questões antes suscitadas, determinou a remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de o Juiz a quo, querendo, se pronunciar quanto às arguidas nulidades.

O Juiz a quo, por despacho de 21 de Outubro de 2004 (fls. 160), limitou-se a exarar que “por não se verificarem as alegadas nulidades, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação”.

1.3. Por acórdão de 19 de Abril de 2005 (fls. 204-225), o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

“Como é também sabido, proferido o despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa.

Sendo, porém, lícito ao Juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes no despacho e reformá-lo nos termos legais – artigo 666.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável aos despachos ex vi n.º 3 do mesmo preceito legal (sendo todas as disposições a seguir citadas, sem referência expressa, do mesmo diploma legal).

Pelo que, tal como já dito no despacho preliminar do relator, não tendo havido recurso do despacho que mandou a ora agravante desentranhar as alegações antes apresentadas (fls. 3457), transitou o mesmo, em princípio, em julgado.

Sendo certo não terem sido arguidas nulidades do próprio despacho, tal como se encontram previstas no artigo 668.º, n.º 1, as quais, a sê-lo, deveriam ter sido suscitadas no recurso que sobre ele viesse a recair e que não foi, na realidade, interposto – n.º 3 deste mesmo preceito legal.

Mas, posteriormente a tal despacho, e sem dele recorrer, veio a ora agravante arguir a falta de uma notificação essencial para o cumprimento, por sua banda, do acto omitido, o justo impedimento em relação ao mesmo acto, a inconstitucionalidade material do artigo 690.º, n.º 2 (deverá querer dizer artigo 690.º-B, n.º 2, também aqui se relevando tal lapso), e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.

Ora, a arguição de tais inconstitucionalidades têm directamente a ver com a aplicação do disposto no artigo 690.º-B, n.º 2, que o senhor Juiz a quo antes fez no dito despacho que transitou em julgado.

Pelo que neste recurso, e tal como são pela parte arguidas, não deverão ser conhecidas, esgotado que ficou, com o mesmo despacho, o poder jurisdicional do senhor Juiz de 1.ª instância – estamos a falar da aplicação do preceituado no dito artigo 690.º-B, o qual, no entender da ora agravante, depende de uma norma habilitante, o artigo 28.º do CCJ. Não podendo também tal despacho ser reapreciado por esta Relação na falta de recurso.

Restaria, porém, ao senhor Juiz a quo pronunciar-se sobre a nulidade e o justo impedimento arguidos.

Não o fez, de todo em todo, tendo omitido pronúncia sobre tal matéria, ao proferir o seu sucinto despacho que ora está em apreço (fls. 3671) – artigo 158.º. Sendo esse – e apenas esse, que não também o de fls. 3457 – de que a seguir curaremos.

Tal omissão, nos termos do preceituado no citado artigo 668.º, n.º 1, alínea d), acarreta a nulidade de tal despacho (o de fls. [3671]).

Devendo o Tribunal de recurso conhecer, de qualquer modo, do objecto do agravo, para tal dispondo os autos de elementos – artigo 715.º, n.ºs 1 e 2, ex vi do disposto no artigo 749.º.

Desnecessário sendo ouvir as partes, em obediência ao preceituado no n.º 3 do citado artigo 715.º, pois as mesmas sobre as questões em apreço já se pronunciaram, quer na alegação do recurso, quer na contra-alegação.

Não se podendo defender que tendo transitado o despacho de fls. 3457, o agravo perde o seu interesse, já que, provido eventualmente que ele seja, pode tal despacho ser anulado (não revogado, naturalmente).

Vejamos, pois:

Quanto à falta da notificação sucessiva da parte pela omissão do pagamento da taxa de justiça:

A omissão de tal formalidade, a verificar-se, é susceptível de constituir nulidade do respectivo acto – artigo 201.º.

Tendo a mesma sido suscitada mediante reclamação da interessada, no prazo legal – artigos 202.º, 205.º e 153.º.

Competindo, pois, conhecê-la.

O questionado artigo 690.º-B, tal como os artigos 150.º-A, 486.º-A e 512.º-B, todos eles relacionados quer com a comprovação do pagamento da taxa de justiça, quer com as consequências da sua omissão, foram aditados ao CPC pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 e que, além de ter alterado o CCJ, alterou ainda normas do CPC e do CPP.

Dispondo o aludido Decreto-Lei n.º 324/2003 que, sem prejuízo do disposto numa sua norma transitória, que aqui não releva, as alterações do CCJ nele constantes só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor. E que os pagamentos e depósitos a efectuar nos processos pendentes à data da sua entrada em vigor são efectuados de acordo com o disposto no mesmo – artigo 14.º, n.ºs 1 e 3.

Devendo, porém, entender-se que as normas do processo civil atrás aludidas, embora insertas no diploma que também alterou o CCJ, que estabelecem preclusões de carácter processual, nada regendo sobre a origem ou montante da dívida tributária nem sobre o modo do respectivo pagamento, não são uma mera alteração ao CCJ, mas antes uma alteração (in casu por aditamento às normas já existentes) ao CPC.

Aplicando-se as mesmas imediatamente, quer pela sua natureza publicística (…), quer pelo seu carácter instrumental.

Escrevendo, a propósito, Alberto dos Reis: «Quando se publica uma lei nova, isso significa que o Estado considera a lei anterior imperfeita e defeituosa para a administração da justiça ou para o regular funcionamento do poder judicial. Tanto basta para que a lei nova deva aplicar-se imediatamente» – Processo Ordinário e Sumário, 2.ª ed., p. 32.

Ensinando, a propósito, e em idêntica posição, Manuel de Andrade que o princípio da imediata aplicabilidade das leis do processo é justificado ainda pelo facto de as leis conterem implícito um doravante, um daqui para o futuro, o qual, quando aplicado às leis do processo, «significa naturalmente que os diversos actos processuais devem ter como lei reguladora a lei vigente ao tempo da sua prática» – Noções Elementares de Processo Civil, pp. 42 e 43. Navegando nas mesmas águas, entre outros, Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 47.

Daqui resultando que os preceitos atrás mencionados, tendo iniciado a sua vigência no dito dia 1 de Janeiro de 2004, se aplicam de imediato aos processos pendentes, aos actos neles praticados depois de tal entrada em vigor e que não contendam com aqueles cuja regularidade já foi aferida pelo anterior regime.

Ora, e aqui entramos propriamente no objecto do recurso, à data da apresentação da alegação pela também ora agravante já vigorava, seguramente, a obrigatoriedade da autoliquidação da taxa de justiça, devendo o documento comprovativo do respectivo pagamento ser entregue ou remetido ao Tribunal, nomeadamente, com a apresentação de tal peça processual – artigos 23.º e 24.º, n.º 1, alínea c), do CCJ, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-B/2000, de 15 de Dezembro, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2001.

A agravante apresentou a sua alegação de recurso em 23 de Janeiro de 2004 (fls. 3402), não tendo apresentado qualquer documento comprovativo da autoliquidação devida.

Por carta datada de 5 de Fevereiro de 2004, com referência ao processo ora em causa, foi...

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