Acórdão nº 217/07 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução23 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 217/2007

Processo n.º 645/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Em 20 de Setembro de 2004, a Inspecção Regional do Trabalho da Região Autónoma da Madeira instaurou processo de contra-ordenação contra A., S.A., o qual culminou na aplicação à arguida de uma coima no valor de 130.000,00 € (cento e trinta mil euros) “pelo não pagamento do acréscimo de 100% da retribuição/dia, devida aos seus 243 trabalhadores, pelo trabalho efectuado no dia 26 de Dezembro de 2003”.

    Inconformada, a arguida recorreu para o Tribunal de Trabalho do Funchal invocando nas suas alegações, em conclusão, o seguinte:

    “1.º

    Não deve ser aplicada qualquer coima à arguida, já que não há qualquer facto susceptível de ser punido como contra-ordenação,

    1. Pois o dia 26/12/2003 não é nem foi dia de feriado.

    2. Efectivamente, os dias de feriado eram os que estavam previstos nos artigos 18.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Fevereiro, e actualmente e na data da alegada infracção, no Código do Trabalho, não existindo à data qualquer norma jurídica que indicasse o dia 26/12/2003 como sendo feriado, ou que permitisse a alteração da Lei Geral da República relativamente aos feriados, através de Decreto Legislativo Regional.

    3. Por outro lado, ainda que se pudesse aplicar alguma coima ao comportamento da recorrente, o que apenas se aceita por mera hipótese académica, o montante nunca poderia ser de 130.000,00 €, pois é ilegal por não estar previsto no Decreto-Lei n.º 433/82.”

    4. E mantendo-se a decisão recorrida, está-se a violar os artigos 18.º e 19.º do citado Decreto-Lei, bem como o artigo 112º da Constituição da República Portuguesa.”

    Por sentença datada de 3 de Novembro de 2005, o Tribunal de Trabalho do Funchal decidiu revogar parcialmente a decisão da entidade administrativa recorrida, aplicando à recorrente “uma coima no montante de 2.500,00 € pela prática da contra-ordenação prevista e punível nos termos das disposições conjugadas do art.ºs 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro, e 687.º, n.º 1, e 620.º, n.º 3, b), ambos do Código do Trabalho, e da cláusula 25.ª, 2, da Convenção Colectiva de Trabalho para o sector da Segurança, Portaria e Vigilância, publicada no JORAM, III Série, n.º 5, de 1 de Setembro de 1993, e Portaria de Extensão publicada no JORAM, III Série, n.º 6, de 16 de Março de 1993”, e condenando a recorrente “a pagar aos trabalhadores a quantia de 3.842,14 €, e à Segurança Social a quantia de 1.507,77 €, conforme mapa de reposição – cfr. art.º 687.º, n.º 5, do Código do Trabalho”, fundamentando-se para tal na seguinte ordem de considerações:

    Dispõe o art.º 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Novembro (que entrou em vigor no dia 20 de Novembro de 2002, dado que foi publicado no dia 19 dos mesmos mês e ano – cfr. art.º 2.º), que “O dia 26 de Dezembro é feriado na Região Autónoma da Madeira.

    Segundo a recorrente, apenas com a entrada em vigor do actual Código do Trabalho e do Decreto Legislativo Regional n.º 3/2004/M, de 18 de Março, é que o dia em questão passou a ser feriado, sendo que à data dos factos que lhe são imputados não o era, pelo que não praticou qualquer contra-ordenação.

    Para fundamentar a sua posição, alega a recorrente que tal dia não se encontrava incluído nos feriados elencados no diploma que regulava até então esta questão, ou seja, o Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro.

    Efectivamente assiste razão à recorrente quando invoca que o dia 26 de Dezembro não está abrangido pelos feriados obrigatórios ou facultativos previstos, respectivamente, nos art.ºs 18.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro.

    Esquece-se, porém, que o diploma de cuja violação é acusada é um Decreto Legislativo Regional que, segundo o art.º 112.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa, é um acto normativo (de igual categoria) que versa sobre matérias de interesse específico para as regiões autónomas e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra os princípios fundamentais das leis gerais da República, sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 227.º (isto é, mesmo que seja matéria de reserva relativa, poderá haver autorização para sobre ela legislar).

    Se atentarmos nas matérias de reserva absoluta e de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. art.ºs 164.º e 165.º da Constituição da República Portuguesa) e de competência legislativa do Governo (cfr. art.º 197.º da Constituição da República Portuguesa), verificamos que a matéria em causa não se encontra abrangida.

    Por outro lado, o referido Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M foi decretado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 227.º da Constituição da República Portuguesa, o qual estipula que as regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais que têm, entre outros, o poder de “legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania” e nos termos da alínea o) do art.º 228.º, segundo o qual “para efeitos do disposto ao n.º 4 do artigo 112.º e nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 227.º, são matérias de interesse específico das regiões autónomas, designadamente: (…) o) outras matérias que respeitem exclusivamente à respectiva região ou que nela assumam particular configuração.”.

    Posto isto, há que concluir pela constitucionalidade material e orgânica do diploma em análise e que este se encontrava plenamente em vigor em Dezembro de 2003.

    Em consequência, e tendo em conta a factualidade que se mostra assente e o disposto na cláusula 25.º, n.º 2, da Convenção Colectiva de Trabalho para o sector da Segurança, Portaria e Vigilância, publicada no JORAM, III Série, n.º 5, de 1 de Setembro de 1993, e Portaria de Extensão publicada no JORAM, III Série, n.º 6, de 16 de Março de 1993, há também que concluir que a recorrente praticou a contra-ordenação que lhe vem imputada.

    AUTONUM 2.Inconformada com a decisão, A., S.A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando em conclusão o seguinte:

    1.º

    Não deve ser aplicada qualquer coima à recorrente, já que não há qualquer facto susceptível de ser punido como contra-ordenação,

    2.º

    Pois, o dia 26/12/2003 não é, nem foi dia de feriado.

    3.º

    Efectivamente, os dias de feriado eram os que estavam previstos nos artigos 18.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Fevereiro, e, na data da alegada infracção, não existia à data qualquer norma jurídica legal que configurasse o dia 26/12/2003 como sendo feriado, ou que permitisse a alteração da Lei Geral da República relativamente aos feriados, através de Decreto Legislativo Regional.

    4.º

    A Assembleia Legislativa Regional não poderia legislar sobre esta matéria, uma vez que não estava em causa matéria de interesse especifico, à luz da Constituição da República Portuguesa e fazendo-o violava a Lei Fundamental.

    5.º

    Não há qualquer diferença em matéria laboral na Região Autónoma da Madeira em relação ao restante território nacional.

    6.º

    O artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M, de 8 de Dezembro, é inconstitucional e violador da Lei Geral da República.

    7.º

    Não há pois qualquer violação da lei por parte da recorrente.

    8.º

    Deve, pelo exposto, a decisão ora recorrida ser revogada e consequentemente ser a recorrente absolvida do pagamento da coima, do acréscimo de remuneração a que os trabalhadores teriam alegadamente direito e do pagamento à segurança social, pois foram violados os artigos 18.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Fevereiro, e 5.º, 6.º e 227.º, n.º da Constituição da República Portuguesa.

    O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de Maio de 2006, decidiu “absolver a arguida da coima, bem como das importâncias em que foi condenada devidas aos trabalhadores mencionados nos mapas anexos ao auto de notícia e à Segurança Social.” Pode ler-se na respectiva fundamentação:

    (…)

    Em primeiro lugar, importa referir que o art.º 4.º, n.º 4, da Lei n.º 99/2003, de 27.08, que aprovou o Código do Trabalho, estabelece que “as regiões autónomas podem estabelecer, de acordo com as suas tradições, outros feriados, para além dos fixados no Código do Trabalho, desde que correspondam a usos e práticas já consagrados”.

    O Código do Trabalho, porém, só foi adaptado à Região Autónoma da Madeira através do Decreto Legislativo Regional n.º 3/2004/M, de 18.03, que entrou em vigor no dia 19.03.2004. E no artigo 7.º desse mesmo decreto regional estabeleceu-se que “o dia 26 de Dezembro é feriado regional da Região Autónoma da Madeira”.

    Assim, a partir de 19 de Março de 2004 nenhuma dúvida se suscita quanto à legalidade da deliberação que instituiu o dia 26 de Dezembro como feriado regional.

    Porém, a infracção imputada à arguida reporta-se ao dia 26 de Dezembro de 2003, consistindo no facto de a arguida não haver pago aos seus trabalhadores o acréscimo de 100% da retribuição/dia, conforme determina o n.º 2 da cls. 25 do CCT para o sector de segurança, portaria e vigilância, e respectiva portaria de extensão acima referidas, em virtude desse dia ser considerado feriado regional, nos termos do art.º 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 18/2002/M de 8 de Novembro.

    À data da edição deste diploma regional o regime jurídico das férias, feriados e faltas aplicável à generalidade das relações de trabalho prestado por efeito do contrato individual de trabalho constava do Dec-Lei n.º 874/76, de 28.12, com as alterações introduzidas pelos DL n.º 397/91, de 16.10, Lei n.º 118/99, de 11.08, que no seu artigo 18.º estabelece taxativamente os dias que são feriados obrigatórios e no art.º 19.º estipula que poderão ser observados como feriados facultativos: o feriado municipal da localidade ou, quando este não existir, o feriado...

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