Acórdão nº 197/07 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução14 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 197/2007

Processo n.º 1095/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Na 4. ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, o Ministério Público acusou A. pela prática, em co-autoria material com outrem, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e II-A, anexas ao referido diploma.

    No decorrer da audiência de julgamento com data do dia 4 de Abril de 2006, foi proferido o seguinte despacho, conforme consta da acta de fls. 1220 e segs. dos autos:

    DESPACHO

    Suspendo a presente audiência para uma curta interrupção.

    Retomada a audiência, foi pedida a palavra pelo ilustre Mandatário do arguido A., que no seu uso disse: O Ministério Público indicou como prova da acusação, para além do mais, nos seguintes autos transcrição correspondentes às intercepções telefónicas das sessões 228, 412, 425, 427, 453, 465 e 636 do apenso 1; das sessões 208, 923 e 1341 do apenso 2; e 24, 59, 84, 85 e 105 do apenso 3.

    Ora, resulta dos autos que tais transcrições, para além de outras não indicadas pelo M.ºP.°, provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde. Com efeito, feita esta constatação, e para tradução das conversas em questão logo o Sr. Inspector B. que foi instrutor do processo a fls. 40 e 41 dos autos sugeriu a nomeação do Sr. C., que no seu dizer é Subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde destacado na sua congénere portuguesa.

    Em consequência, por despacho de fls. 84, viria o referido senhor a ser nomeado e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC por forma a que se procedesse à audição das sessões em causa com tradução simultânea. De facto, como melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, assim sucedeu logo nesse mesmo dia. A verdade é que a partir de então ele passou a intervir nos autos, nomeadamente a ouvir e traduzir conversações telefónicas interceptadas e a assinar os autos de transcrição juntos ao processo, sem que lhe tenha sido tomado o compromisso a que aludem os números 2 e 3 do art.º 91.º do CPP.

    No entanto, ignora-se, e não está documentado de qualquer forma nos autos ,qual o vínculo funcional ou jurídico e o respectivo quadro legal que insere o Sr. Subinspector C. da Polícia Judiciária de Cabo Verde no funcionalismo público português, se é que assim acontece de facto. Inquirido em audiência sobre o facto, o Sr. Inspector B. nada soube acrescentar ou esclarecer sobre esta questão.

    Assim sendo, e porque tal questão pode influir definitivamente na validade daquele meio de prova, uma vez que estão em causa direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente protegidos, requer que se oficie ao Director-Geral da Polícia Judiciária no sentido de o mesmo fornecer nos autos informação sobre se o Sr. C., alegadamente Subinspector da Polícia Judiciária de Cabo Verde destacado na Polícia Judiciária portuguesa, é também funcionário público português por força de qualquer vínculo que através daquela polícia ou outro organismo o ligue ao Estado Português e, não o sendo, informe qual é o quadro jurídico que o insere na orgânica da Polícia Judiciária portuguesa.

    Em consequência, caso se venha a apurar que o referido senhor não é, como cremos, funcionário público do Estado Português e que ele ao desempenhar as funções de intérprete para que foi nomeado nos autos interveio fora do exercício das suas funções, devem, nos termos do n.º 8 do art.º 32º e n.º 4 do art.º 34°, que são preceitos de aplicação imediata por força do art.º 18º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, serem declarados nulas as transcrições juntas aos autos e cujas conversas foram originariamente mantidas em criolo.

    Após o que o Mm.º Juiz proferiu o seguinte:

    DESPACHO

    Suspendo a presente audiência para a efectivação de diligências.

    Por ordem do Mm.º Juiz Presidente, durante esta curta interrupção, foram feitas diligências junto da Direcção Nacional da Polícia Judiciária, no sentido de apurar se o Sr. C. faz parte dos quadros da Polícia Judiciária portuguesa ou se é funcionário público português e a qual título, se está cá sob o abrigo de algum acordo de cooperação e qual. Através do n.º 218644800 contactei com o Departamento de Recursos Humanos da P. J., tendo sido atendida pela Sra. F., fui informada de que esse nome não consta dos ficheiros dos funcionários portugueses da Polícia Judiciária; de seguida, contactei com o Departamento de Cooperação Internacional, onde me foi dito que não têm noção que tenha cá estado alguém de Cabo Verde nos últimos anos.

    *

    Retomada a audiência, foi dada a palavra à digna Magistrada do Ministério Público, a qual no seu uso disse: Parece-nos não existir necessidade de verificar sobre a existência do vínculo que o intérprete C. tem com o Estado Português, nomeadamente se é funcionário público. Parece-nos que, tal como foi alegado pelo Mandatário do arguido A., no caso de se verificar a falta de juramento na sua qualidade de intérprete, o Sr. C., tal falta não afectará a validade das funções por ele levadas a cabo nos termos do art.º 91.º do CPP. Pelo que se mantêm válidas as traduções efectuadas pelo mesmo.

    Seguidamente, pelo Mm. Juiz foi proferido o seguinte:

    DESPACHO

    Dos apensos 1, 2 e 3 do presente processo, encontram-se transcritas várias conversações telefónicas, que foram objecto de intercepção e gravação durante o inquérito e foram indicadas pelo M.º P.º como prova dos factos alegados na acusação. Algumas dessas conversas estão assinaladas como tendo sido efectuadas em crioulo, tendo sido nomeado, por despacho do M.º P.º a fls. 84 dos autos, tradutor, para o efeito da transposição dessas conversas para a língua portuguesa a pessoa referida no requerimento do arguido A.. Tanto quanto se consegue vislumbrar, o referido tradutor não prestou o compromisso de honra a que se refere o art.º 91.º do CPP e dos contactos telefónicos tidos com a P. J. não foi possível averiguar que tal pessoa seja membro desse organismo ou a qualquer título funcionário português.

    O cerne da questão suscitada pelo ilustre Mandatário do arguido A. resume-se a saber se a omissão do referido compromisso de honra é ou não de molde, por si só, e não se verificando os pressupostos de dispensa do compromisso, a afectar a validade das traduções realizadas pelo tradutor não ajuramentado e a determinar a inutilização das conversas traduzidas como meio de prova.

    Salvo melhor opinião, tal questão deverá ser respondida negativamente. Na verdade, a exigência do compromisso de honra não representa uma garantia de defesa do arguido ou de qualquer sujeito processual, mas antes tem por função responsabilizar acrescidamente a pessoa que o preste. Nesta ordem de ideias, não estando expressamente cominada em qualquer disposição da lei processual a nulidade da intervenção do tradutor que não tenha prestado compromisso, quando devesse tê-lo prestado, a referida omissão deve ser remetida para o domínio das meras irregularidades processuais. A arguição das irregularidades está regulada pelo n.º 1 do art.º 123.º do CPP e, de acordo com esta disposição, terá de ter lugar no próprio acto ou, se o sujeito interessado a ele não tiver assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tenha sido notificado em acto nele praticado. Tendo em conta que o processo, na fase de inquérito, se encontra em segredo de justiça e os arguidos não têm acesso ao seu conteúdo, a arguição em causa deveria ter sido efectuada nos três dias subsequentes à notificação da acusação ao arguido.

    Em nosso entendimento, a intervenção do tradutor só seria de molde a pôr em causa as garantias de defesa do arguido se houvesse razões para crer na existência de alguma desconformidade entre o texto transcrito nos apensos, em língua portuguesa, e a conversa original tida em crioulo. A falta do compromisso de honra não determina por si só a existência de qualquer desconformidade, nem a defesa do arguido invocou a verificação de alguma.

    Pelo exposto, decide-se, não obstante a falta do compromisso de honra, não declarar nulas as traduções efectuadas pelo tradutor não ajuramentado, referenciado no requerimento da defesa do arguido.

    Inconformado, A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo concluído como segue:

    a) Emerge o presente recurso do despacho vertido na acta da sessão de julgamento do dia 4 de Abril de 2006, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade das transcrições de escutas telefónicas juntas aos autos cujas conversas foram originariamente mantidas em dialecto crioulo de Cabo Verde;

    b) Aquele despacho, douto aliás, peca por errada interpretação e aplicação dos art.°s 91.º, 92.°, 120.º, n.° 2, al. e), e 126.°, n.° 3, todos do C.P.P. e, bem assim, dos art.°s 2.°, 32.°, n.°s 1 e 8, e 34.º n.°s 1 e 4, da C.R.P., que, de resto, são preceitos de aplicação imediata, visto o art.º 18.º do mesmo diploma fundamental;

    c) Com efeito, o Ministério Público indicou como prova dos factos alegados na acusação, para além do mais, vários autos de transcrição de intercepções telefónicas juntas aos autos nos Apensos I, II e III que provêm de conversas que foram tidas pelos respectivos interlocutores em dialecto crioulo de Cabo Verde;

    d) Para tradução das mesmas foi sugerida a nomeação de intérprete nos autos, mais concretamente o Senhor C., que a fls. 40/4 1 é apresentado como sendo Subinpector da Polícia Judiciária de Cabo Verde, destacado na Polícia Judiciária Portuguesa;

    e) Em consequência, por despacho da Mª. J.I.C. de fls. 84 viria o mesmo a ser nomeado intérprete e ordenada a sua convocação para comparecer no TIC a fim de se proceder a audição das sessões em causa com tradução simultânea, o que, como melhor se alcança de fls. 85 e 86 dos autos, sucedeu logo nesse mesmo dia;

    f) Sendo que a partir daí ele passou a...

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