Acórdão nº 107/07 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Fevereiro de 2007
Magistrado Responsável | Cons. Mota Pinto |
Data da Resolução | 14 de Fevereiro de 2007 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO N.º 107/2007 Processo n.º 777/04 2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto (Conselheiro Mário Torres)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
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Relatório
AUTONUM 1.No recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Maio de 2004, foi tirado, em 28 de Novembro de 2006, pela 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.º 657/2006, pelo qual se decidiu não julgar inconstitucional a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro), na interpretação de que permite a penhora de qualquer percentagem no salário de executados quando tal salário é inferior ao salário mínimo nacional ou quando, sendo superior, o remanescente disponível para os mesmos, após a penhora, fique aquém do salário mínimo nacional.
Notificado desta decisão, o Ministério Público veio dela interpor recurso para o plenário do Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional, visando dirimir o conflito jurisprudencial, decorrente do juízo de inconstitucionalidade normativa formulado no acórdão n.º 96/2004, em oposição ao juízo de constitucionalidade formulado neste acórdão n.º 657/2006.
O relator (por vencimento) ordenou a produção de alegações,
ficando recorrente e recorridos notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a eventualidade de se poder vir a não tomar conhecimento do recurso, por falta de identidade entre a norma não julgada inconstitucional no Acórdão recorrido e a norma julgada inconstitucional no Acórdão que é fundamento do recurso (o Acórdão n.º 94/2004), designadamente na parte em que este último se refere ao executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda.
O recorrente veio alegar dizendo:
1. Apreciação da questão prévia oficiosamente colocada
É inquestionável que o recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional visando a resolução de conflitos jurisprudenciais pressupõe uma colisão entre os julgamentos de constitucionalidade e inconstitucionalidade, constantes do acórdão recorrido e do acórdão fundamento: tal implica naturalmente que tenha sido a mesma dimensão normativa de certo preceito legal a ter sido contraditoriamente apreciada por um e outro de tais arestos.
No caso ora em apreciação, é certo que há uma diferença entre as formulações que constam da parte decisória dos acórdãos n.ºs 657/06 e 96/04 e que se expressa fundamentalmente no facto de este último condicionar expressamente o juízo de inconstitucionalidade da norma apreciada à circunstância de o executado não ser titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, ao passo que o acórdão proferido nestes autos é omisso sobre tal circunstância.
Tal omissão poderia, desde logo, resultar do facto de, no caso dos autos, não resultar (pelo menos explicitamente) da decisão recorrida que o executado não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda (estando, deste modo, em causa matéria de facto não apurada pelas instâncias).
Importa, porém, verificar se na lógica decisória do douto acórdão proferido nestes autos tal circunstância (a não titularidade de outros bens penhoráveis), não apurada pelas instâncias, se configura como relevante ou irrelevante para a formulação do juízo de constitucionalidade cometido a este Tribunal Constitucional: na verdade, a considerar-se que tal facto negativo é relevante para o sentido do julgamento de inconstitucionalidade, não haverá efectiva contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, já que as soluções (aparentemente antagónicas) alcançadas por um e outro radicariam, afinal, em particularidades ou especificidades normativamente relevantes de cada um dos casos ali apreciados e decididos.
Se, pelo contrário, se entender que, na lógica subjacente ao douto acórdão n.º 657/06, seria, afinal, irrelevante para o juízo de constitucionalidade a emitir a questão da existência e titularidade pelo executado de outros bens, já se poderá entender que ocorre efectiva contradição de soluções jurídico-constitucionais, uma vez que a solução de não inconstitucionalidade normativa seria a mesma, quer existissem ou não outros bens penhoráveis, para além do salário mínimo.
Ora, ao analisar tal douta decisão, interpretamos a formulação que consta da parte final de fls. 113/114 como implicando um tal juízo de irrelevância normativa da questão de facto da titularidade pelo executado de outros bens, ao afirmar-se que seja como for tal condicionamento a ressalvas carecidas de apreciação casuística apenas pode apontar no sentido de que a solução mais adequada será aquela que permita a consideração justamente dos casos concretos ou seja, não sendo, em si mesmo, inconstitucional o regime normativo que prevê a penhora de uma parcela do salário mínimo auferido pelo executado, a questão da possível existência de outros bens apenas relevaria no âmbito da formulação de uma concreta apreciação jurisdicional, permitida pela Lei Fundamental e situada num plano não normativo, portanto, estranho à questão de constitucionalidade.
Foi esta interpretação dos termos do douto acórdão, proferido nos autos, que levou à interposição do recurso previsto no artigo 79.º-D pesando ainda, como é evidente, a natureza obrigatória do mesmo, que determina que, em casos de dúvida, se imponha ao Ministério Público a opção pelo pedido de uniformização de jurisprudência.
2. Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada
Caso se entenda que ocorre efectiva contradição de acórdãos, considera-se em consonância, aliás, com a alegação apresentada nos presentes autos que o mesmo deverá ser resolvido através do julgamento de não inconstitucionalidade, formulado no acórdão recorrido, a cuja fundamentação inteiramente se adere.
3. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1 Não é inconstitucional a norma resultante da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do [Código de Processo Civil] Código das Custas Judiciais (na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro), na interpretação de que permite a penhora de percentagem do salário do executado quando tal salário é inferior ao salário mínimo nacional ou quando, sendo superior, o remanescente disponível fique aquém de tal salário mínimo competindo ao juiz valorar as circunstâncias concretas do caso, ao definir o âmbito e admissibilidade da penhora, incluindo a ponderação do relevo a atribuir à eventual existência de outros bens penhoráveis.
2 Termos em que deverá confirmar-se o juízo de constitucionalidade emitido pelo acórdão n.º 675/2006.
Por parte do recorrido não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
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Fundamentos
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Questão prévia
AUTONUM 2.Há que começar por tratar da questão prévia suscitada, relativa aos pressupostos para se poder tomar conhecimento do recurso para o plenário.
Resulta do artigo 79.º-D, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que cabe recurso para o plenário do Tribunal Constitucional quando este vier a julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma por qualquer das suas secções. É, pois, pressuposto deste recurso que exista uma decisão em sentido divergente sobre uma questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) relativa à mesma norma, devendo recordar-se que, quando está em causa apenas uma determinada dimensão interpretativa de um ou mais preceitos, é tal dimensão que deve ser considerada como uma norma autónoma.
No Acórdão n.º 657/2006, ora recorrido, decidiu-se:
[n]ão julgar inconstitucional a norma que resulta da conjugação do disposto na alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil (na redacção dada pelo Decreto Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro), na interpretação de que permite a penhora de qualquer percentagem no salário de executados quando tal salário é inferior ao salário mínimo nacional ou quando, sendo superior, o remanescente disponível para os mesmos, após a penhora, fique aquém do salário mínimo nacional.
Já o Acórdão n.º 96/2004, de 11 de Fevereiro, tirado na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional, julgou inconstitucional
por violação do princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de direito, constante das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, alínea a), e 63.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa a norma constante do artigo 824.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Código de Processo Civil (na redacção emergente da reforma de 1995/96), na parte em que permite a penhora de uma parcela do salário do executado que não é titular de outros bens penhoráveis suficientes para satisfazer a dívida exequenda, e na medida em que se priva o executado de dispor de rendimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional.
É certo que, como resulta da fundamentação do Acórdão recorrido, este se teve de confrontar com jurisprudência do Tribunal Constitucional em sentido divergente da decisão adoptada, entre a qual se contava o Acórdão n.º 96/2004, que constitui fundamento do presente recurso para o plenário. A análise dos fundamentos de tal jurisprudência divergente foi relevante para a fundamentação do Acórdão recorrido.
Como resulta logo da mera leitura das normas apreciadas nos Acórdãos n.ºs 657/2006 e 96/2004, existe, porém, entre as respectivas decisões uma diferença consistente no facto de o primeiro, ora recorrido, se referir apenas aosexecutados, e não ao facto de o executado não sertitular de outros bens penhoráveis suficientes para...
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