Acórdão nº 70/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução30 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 70/2007

Processo n.º 307/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    AUTONUM 1.Por acórdão de 11 de Janeiro de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu negar provimento ao recurso interposto por A. da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que, no âmbito do processo comum colectivo n.º 272/99.1TBLRA, confirmou a decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria que o havia condenado como autor do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo artigo 132.º, n.º 2, al. c), do Código Penal de 1982, na pena de 8 anos de prisão (sendo que, ao abrigo do disposto no art.º 8.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, lhe foi declarado perdoado um sexto da pena, ou seja, 16 meses de prisão). Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão recorrida. Pode ler-se nesse aresto, para o que ora importa:

    […]

    VII

    Nos termos do art.º 434.º do CPP, e sem prejuízo do disposto no art.º 410.°, n.ºs 2 e 3, o recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    No que respeita à primeira das questões enunciadas em V, importa distinguir:

    A fixação factual levada a cabo pelas instâncias, na medida em que se apoiou em convicção ou mesmo presunção natural;

    A fixação factual na vertente em que para se alcançar se observaram ou não observaram normas jurídicas que tinham que se observar.

    No primeiro caso, estamos em sede factual e, consequentemente, imune à sindicância deste STJ.

    Mas no segundo, não obstante se aludir a fixação factual, estamos perante questões de direito (Assim, já escreveu este tribunal que “pretendendo o recorrente que o Supremo Tribunal indague ... se o tribunal recorrido deu cobertura a um procedimento ilegal na formação da convicção a que chegou, não está a pedir que se aprecie matéria de facto, antes a ilegalidade do processo da sua aquisição – Ac. de 15.1.2004 – CJ STJ, XII, 1, 170 – podendo ver-se no mesmo sentido, em www.dgsi.pt, a fundamentação 7.ª do Ac., também deste tribunal, de 15.1.2004).

    Sendo matéria de direito, nada obsta ao seu conhecimento pelo STJ.

    VIII

    De acordo com o art.º 412.°, n.ºs 3 e 4, na parte que agora nos interessa, quando seja impugnada a matéria de facto:

    Há-de o recorrente indicar:

    Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

    As provas que impõem decisão diversa da recorrida.

    Aquele n.º 3 alude ainda a transcrição, mas esta – embora, sem dúvida face ao Ac. Uniformizador de 16.1.2003, publicado no Diário da República, I-A, de 30.1., a cargo do tribunal – só teria que vir a lume após a motivação com impugnação da matéria de facto ou, noutros entendimentos, após requerimento a manifestar essa intenção.

    Temos, pois, três etapas que importa não confundir, sendo de afastar, nomeadamente, a confusão entre as duas primeiras e a terceira. Esta só pode ganhar foros de realidade se observadas as duas primeiras. Não o sendo, não se deve raciocinar sobre ela.

    Por outro lado, não devemos perder de vista a “ratio legis” das alíneas a) e b) daquele n.º 3 do art.º 412.°.

    Visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos.

    IX

    Isto posto, atentemos no presente caso.

    Na motivação do recurso da 1.ª instância para a Relação – pois é esse que interessa para a presente questão – o recorrente não só não precisa, convenientemente, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como não alude, concretizando, às provas com referência ao suporte técnico que eram as cassetes.

    Talvez se possa depreender que sustenta que o arguido empunhava a arma, que o antagonista deitou a mão a esta e que ela se disparou então, sem que aquele quisesse. Mas fá-lo de modo particularmente vago, quando tinha até os factos enumerados e concisos e tinha também por aí o caminho facilitado para dizer o que queria ou não queria a nível factual. O mesmo se passando relativamente à demais matéria que põe em causa, sendo ainda certo que, conforme os factos provados, a diferença de estaturas entre o arguido e a vítima não tem interesse.

    Mas onde nos parece mais nítido o incumprimento é na necessidade de indicação das provas. Limita-se a remeter para a gravação do depoimento da testemunha B., aludindo ainda à confirmação da versão dela por parte do arguido, para depois dizer “conforme se pode verificar pelas cassetes e da necessária transcrição das mesmas” e referir, finalmente, o depoimento da testemunha C., sem qualquer alusão ao suporte técnico.

    Ou seja, seguiu o caminho que o legislador pretendeu evitar e a que nos reportámos no número anterior a propósito da “ratio legis”.

    X

    Pecando a motivação por inobservância destes elementos, seria possível o entendimento de que a Relação devia convidar o recorrente a supri-los e só, na ausência de suprimento, rejeitar, nesta parte, o recurso.

    Decisões houve do TC que impuseram convite no sentido do suprimento da omissão das menções a que aludem as várias alíneas do n.º 2 do art.º 412.° (Cfr-se, por todos, o Ac., com força obrigatória geral, n.º 320/2002, de 9.7, que se pode ver no sítio daquele tribunal).

    Mas é o próprio Tribunal Constitucional que no acórdão n.º 140/2004, de 10.3 (também acessível em tal sítio), acentua a diferença relativamente ao incumprimento do exigido pelo n.ºs 3, b), e 4 daquele art.º 412.°, indo para a solução de que, no plano constitucional, não há que exigir o mencionado convite.

    É que, enquanto as menções do n.º 2 respeitam à forma da motivação, as do n.º 3 situam-se na sua essência. Secundamos aqui as palavras que podemos ler em tal aresto:

    “As menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 412.° do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impenda, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto”.

    Este modo de ver as coisas não pode deixar de valer no campo da lei ordinária, já que só se pode convidar a corrigir o que está mal cumprido e não o que tem de se considerar incumprido.

    Temos, então, que nada há a censurar no acórdão recorrido quando recusou nova valoração probatória e considerou fixada a matéria de facto, tal como vinha da 1.ª instância. […]

    .

    Notificado do teor desse acórdão, o arguido/recorrente requereu a sua aclaração, afirmando não entender “como se pode afirmar, como no mesmo se faz, que ‘a Relação recusou a segunda atenuação especial, com base no art.º 72.º, n.º 3, do CP agora vigente’, constante de fls. 16, quando tal não corresponde à verdade”, sendo tal lapso “factor de peso na determinação da moldura da pena aplicável e, consequentemente, na medida da pena”, e ainda que tal decisão padece de nulidade por omissão de pronúncia “já que esse Venerando Tribunal não cuidou de apreciar a questão da irregularidade arguida pelo arguido a propósito da...

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