Acórdão nº 61/07 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução30 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 61/2007

Processo n.º 642/06

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Por acórdão do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Vedras de 22 de Novembro de 2005, de fls. 403, os arguidos A. e B. foram condenados pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho), nas penas de, respectivamente, 9 e 7 meses de prisão; os mesmos arguidos foram ainda condenados, pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto e punido no artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, nas penas de, respectivamente, 10 e 8 meses de prisão; em cúmulo jurídico das referidas penas, A. foi condenada na pena única de 14 meses de prisão e B.foi condenado na pena única de 12 meses de prisão.

    A execução das referidas penas foi suspensa pelo período de 4 anos, "suspensão condicionada à obrigação de os arguidos procederem, no mesmo prazo, à reposição aos ofendidos das prestações omitidas".

    A arguida C., Lda., foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, cometido na forma continuada, previsto e punido no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 25 euros e ainda, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, cometido na forma continuada, previsto e punido no artigo 107.º, n.º 1, do RGIT, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 25 euros. Em cúmulo jurídico, foi condenada na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de 25 euros.

    Finalmente, todos os arguidos foram solidariamente condenados a pagar ao demandante Instituto da Segurança Social, IP, a quantia de 241.048,13 euros, acrescida de juros vencidos desde Fevereiro de 2005 e vincendos até integral pagamento.

    Inconformados, os arguidos A. e B. recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, Tribunal que, por acórdão de 31 de Maio de 2006, de fls. 516, concedeu parcial provimento ao recurso e alterou a decisão recorrida, alargando o prazo de suspensão da execução para 5 anos.

    Para o que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou o seguinte:

    IV. No plano do direito e a respeito da inconstitucionalidade material dos artºs 105° e 107°, do RGIT (Regulamento Geral das Infracções Tributárias) (…), a consciência colectiva adquiriu o sentimento de que o não pagamento de impostos é ofensivo da igualdade tributária dos cidadãos, da proporcionalidade contributiva, inviabilizando a fuga aos impostos a realização das finalidades do Estado, fazendo-as recair agravadamente sobre outros, inscrevendo-se o direito penal fiscal num movimento de eticização, obediente aos princípios da legalidade, igualdade e justiça social, com apoio nos art.°s 101º a 104°, da CRP.

    O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza; a tributação do património pessoal ou real deve concorrer para a igualdade entre os cidadãos ( art.°s 103º nº 1 e 104° n° 3, da CRP).

    Nestes termos é da maior evidência, quer no plano teórico quer no plano prático, que o lançamento dos impostos, mostrando-se a coberto da tutela da lei ordinária e sustentada pela lei fundamental, reclama para sua cobrança um regime punitivo deferido ao Estado, sem o qual aquela superior e pública finalidade se mostraria seriamente comprometida integrando-se, como se integra, o delito de fuga aos impostos naquilo que se apelida de “delinquência patrimonial de astúcia” (cfr. Ac. deste STJ, de 9.3.2005, P.° n.° 346/05, desta 3.ªSec.) O revigoramento do direito a essa cobrança através do recurso a reacções sejam de índole criminal ou contraordenacional, não surge desproporcionado (…)..

    Nos termos do art. 2.° do RGIT as infracções tributárias dividem-se em crimes e contra-ordenações, estas simples ou graves, nos termos do art. 23°, do RGIT. (…)

    V. Transpondo o que se invoca para justificação do problema “desesperadamente controverso” da justificação das escutas telefónicas, se poderá afirmar que, sendo ou tendo sido causa de ruína nacional a fuga aos impostos, se assiste a um momentoso “estado de necessidade” de punição, face à “dramatização” do fenómeno, sensibilizando o legislador (…), apontando para a adopção de medidas severas.

    Por isso o “jus puniendi” de que o Estado se mostra detentor na luta contra os devedores de impostos e contribuições devidas à Segurança Social, quando aos credores particulares do Estado lhes é denegada igual tutela, enquanto figura incumpridora e em mora nas suas obrigações, não reveste qualquer tratamento chocante, forma diferenciada ou desproporcionada, em colisão com os princípios com dignidade constitucional sedeados ao nível da igualdade dos cidadãos e da menor compressão dos direitos fundamentais – art.°s 13.° n.° 1 e 18.°, n.° 2, da CRP.

    Trata-se de assegurar tratamento diferenciado e desigual, de todos aceite, justificado e inteiramente compreensível, numa área e a uma entidade vocacionada à realização de fins públicos, de prossecução de incontornáveis interesses de índole financeira, nacionais e comunitários, de subsistência colectiva, de justa repartição dos rendimentos, objectivos ocupantes na pirâmide de interesses posição de topo, superiorizando-se aos privados, que extrapolam, em muito, a mera responsabilidade contratual, caso em que, se fosse essa tal natureza, então existiria manifesto excesso se se privasse de liberdade o agente da infracção, em derrogação do princípio estabelecido no art.° 1.º do Protocolo n.°4, Adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, proibindo a privação de liberdade pela única razão de se não poder cumprir uma obrigação contratual.

    Ora a obrigação em causa não emerge de um contrato, mas antes deriva da própria lei estabelecendo a obrigação de pagamento de impostos, achando-se o seu devedor em posição aproximada à de fiel depositário, no caso particular do IVA e do Imposto sobre os Rendimentos Singulares, sendo de “levar em conta este aspecto peculiar da posição dos responsáveis tributários, que não comporta uma pura obrigação contratual porque decorre da lei”, além de que a impossibilidade de incumprimento não é elemento constitutivo do crime de abuso de confiança fiscal previsto no art.° 105.°, do RGIT (o mesmo se podendo dizer quanto ao art.° 24.°, do RJIFNA) escreveu-se no Acórdão do TC n.° 312/00, in DR II Série, de 17.10.2000, seguido, de perto pelo AC. do TC n.° 54/2004, de 20.1.2004, P.° n.° 640/03, onde – como em outros, cfr. os n.°s 663/98 e 516 /00, in DR II Série, de 15.1.99 e 31.1.2001, daquele TC, respectivamente –, se teve como pressuposto legal a falta dolosa de entrega de prestações à administração fiscal e a sua não correspondência à consagração de um caso de prisão por dívidas.

    O Estado, consoante a sensibilidade à natureza e grandeza dos interesses a acautelar, ao seu grau e prática de ofensividade, na abertura e compreensão à realidade (…) assim lhes confere tutela penal ou, reconhecendo a sua marca de ausência de associalidade, descriminaliza ou, e ainda, atenta a sua repercussão ética, mas de grau menor, relega para o mundo das contra-ordenações certos comportamentos (…).

    É ao poder político-legislativo, segundo a premência, importância, gravidade e reiteração de lesividade de interesses, que cabe definir a natureza do ilícito, incumbindo ao poder judicial somente aplicar a lei, de que aquele é único fautor e responsável.

    VI. A descriminalização é a forma mais radical de extinção do procedimento criminal, por essa via se significando que, da parte do Estado, perdeu o facto a carga de associalidade, da necessidade de intervenção, ainda que subsidiária, do direito penal, e opera tanto por via de determinação expressa ou inferência tácita da lei ou por manipulação dos elementos da factualidade típica.

    Vejamos o que o artº 24º do RJIFNA preceitua:

    "1. Quem se apropriar, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigada a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até 3 anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.

    2. Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.

    3. É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente."

    Do artº 105 do RGIT respiga-se que:

    "1. Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.

    2. Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se, também, prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.

    3. É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente".

    O abuso de confiança fiscal contra a segurança social mostrava-se previsto nos art.°s 27.º B e 6.º do Dec.°-Lei n.° 20-A/90, de 15/1, alterado pelo Dec.°-Lei n.° 394/93, de 24/3 e Dec.°-Lei n.° 140/95, de 14/6, a que corresponde no quadro do RGIT o art.° 107.°, cujo n.° 1 dispõe que as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregam, total ou parcialmente, às...

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