Acórdão nº 40/07 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução23 de Janeiro de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 40/2007

Processo nº 380/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Ministério Público, representado pela Procuradora da República junto da 2.ª Secção do 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos art. 280.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 70.º, n.º 1, alínea a), 71.º, e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, estes da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho do Juiz daquele Tribunal de Trabalho, de 4 de Abril de 2005, pedindo a apreciação da inconstitucionalidade da norma extraída do art. 13.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, cuja aplicação foi recusada “atento o disposto no Exórdio” de tal diploma.

2 – Nas alegações apresentadas pelo Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, conclui este magistrado o seu discurso argumentativo do seguinte jeito:

1º - Constitui interpretação normativa desproporcionada – e, consequentemente, violadora do princípio do processo equitativo – do conceito de taxa de justiça do processo, prevista no artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, a que se traduz em colocar a cargo da parte – que já liquidou inteiramente a taxa de justiça por ela devida – a garantia do pagamento de uma parcela da taxa de justiça que, em termos definitivos, é devida pela parte contrária, com o consequente ónus de reclamar a respectiva restituição a título de custas de parte, suportando o risco da possível insolvabilidade do devedor das custas.

2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida

.

3 – Por seu lado, o recorrido A. contra-alegou, defendendo o sentido do julgado e concluindo do seguinte modo:

«1º

A norma legal cuja inconstitucionalidade foi suscitada no despacho recorrido – o artigo 13.º, n.º 2, do CCJ – a admitir uma interpretação conducente a um resultado como o supra descrito, é organicamente inconstitucional, por permitir a criação de um encargo para um particular que não tem a natureza bilateral característica da taxa, tendo antes a natureza unilateral característica do imposto. Sendo a criação de impostos matéria reservada à lei da Assembleia da República, o artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, por ter sido decretado pelo Governo, sem autorização legislativa, é organicamente inconstitucional, por violação do artigo 165.º, alínea i), da CRP.

  1. A norma em apreço viola, assim, o princípio da legalidade tributária, que se traduz no direito fundamental dos cidadãos plasmado no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, segundo o qual “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.”.

  2. O artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, ao permitir uma diferenciação entre o autor e a ré da acção no que toca aos deveres perante o Estado (sobrecarregando e onerando o autor, por um lado, e favorecendo a ré, por outro), quando nenhuma razão havia para um tratamento diferente, não obstante a lei, a vontade das partes e a sentença judicial determinarem o tratamento igual das partes em matéria de custas, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na vertente da proibição de discriminação, uma vez que esta não é materialmente fundada em qualquer motivo constitucionalmente legítimo.

  3. A mesma norma viola, ainda, a garantia do processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, que se traduz no princípio da igualdade de armas, uma vez que permite uma diferenciação intolerável entre os intervenientes processuais, obrigando injustificadamente uma das partes a proceder a um pagamento que é da responsabilidade da outra parte e a suportar sozinha o risco do insucesso da cobrança à parte que era efectivamente devedora.

  4. O artigo 13.º, n.º 2, do CCJ, ao permitir que o Estado, no exercício do seu poder de cobrador de custas judicias, abuse desse poder e obrigue uma das partes ao pagamento de uma quantia que não é da sua responsabilidade, transferindo assim para um particular (a parte pagadora) o ónus da cobrança e o risco do não pagamento pela parte devedora, desonerando-se na medida em que vê satisfeita parte do seu crédito, viola o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP. De facto, obrigar “o justo a pagar pelo pecador”, tratando as partes de forma manifestamente desigual, impondo sobre uma delas um sacrifício desnecessário e desproporcionado, consubstancia uma verdadeira violação da sujeição da Administração Pública ao respeito pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser confirmado o juízo proferido no Despacho recorrido e, consequentemente, declarada a inconstitucionalidade do artigo 13.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, na interpretação (a admitir-se que a mesma possa ser retirada daquela norma) que permita colocar a cargo da parte que já liquidou inteiramente a taxa de justiça por si devida a garantia do pagamento de uma parcela da taxa de justiça que, em termos definitivos, é devida pela parte contrária, com o consequente ónus de reclamar a respectiva restituição a título de custas de parte, correndo o risco (que para si foi transferido pelo Tribunal) do insucesso da cobrança à parte efectivamente devedora das custas,

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!».

B – Fundamentação

4.1 – A primeira questão que se coloca no presente recurso de constitucionalidade é a de saber se o Tribunal Constitucional deve tomar conhecimento do seu objecto.

Na verdade, poderá cogitar-se se o critério de decisão que foi erigido a objecto do recurso de constitucionalidade como constituindo o fundamento normativo do julgamento nela efectuado foi, nela, reportado a qualquer dos sentidos possíveis do preceito legal constante do artigo 13.º, n.º 2 do Código das Custas Judiciais, ou se, ao invés, lhes é totalmente alheio, sendo, antes, referido a outros quaisquer elementos do sistema jurídico.

E a colocação da dúvida tem todo o sentido, até, porque o Procurador-Geral Adjunto, no Tribunal Constitucional, não deixa de afirmar, nas suas alegações, que “é (…) discutível que tal solução (a adoptada pela decisão recorrida) se possa considerar consagrada na norma constante do referido artigo 13.º, n.º 2”; que o recorrido, nas suas contra-ordenações – ideia que levou ao artigo 1.º das respectivas conclusões, acima transcritas –, não obstante concordar com o sentido do decidido pelo tribunal a quo, não deixou, igualmente, de sustentar que “a haver no CCJ uma norma que permitisse aquela interpretação, essa norma seria a constante do artigo 31.º, n.º 1, e, eventualmente, do artigo 33.º, n.º 1”, e, finalmente, que o Tribunal Constitucional, em dois casos paralelos ao presente (Acórdãos nºs 530/06 e 653/06, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), considerou não ter a decisão precipitado em tal preceito de direito infraconstitucional a norma que constituiu a ratio decidendi do decidido.

4.2 – Em ordem ao melhor entendimento da questão posta, importa dar conta do circunstancionalismo do caso concreto.

O ora recorrido interpôs, no 1.º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho que veio a terminar, antes de apresentação de contestação, por transacção que veio a ser homologada por sentença, tendo-se nesta decretado que as custas ficavam a cargo de ambas as partes, nos termos por estas acordados, ou seja, que as custas em dívida a juízo seriam suportadas a meias.

Elaborada a conta, veio o A. requerer a sua reforma.

Apreciando e decidindo este pedido, assim discorreu a decisão ora recorrida:

Veio o A. reclamar da conta que faz fls. 77 e 78 porquanto entende que já pagou a taxa de justiça que era da sua responsabilidade uma vez que não é devida taxa de justiça subsequente e a taxa de justiça inicial já paga traduz o valor que cabe ao A. liquidar.

Na sequência desta reclamação veio o Exmo. Sr. Escrivão deste 1º juízo, 2ª secção emitir o douto parecer que faz fls. 94 no qual tece, em síntese, que:

- à presente acção é aplicável o novo Código das Custas Judiciais (CCJ) aprovado pelo DL nº 324/2003 de 27-12;

- assim, o A. não deveria reclamar da conta, elaborada em conformidade com o novo CCJ mas, antes, deveria reclamar a respectiva importância em sede de custas de parte.

A Digna Magistrada do MºPº subscreveu o douto parecer do Exmo. Sr. Escrivão da secção por, também, no seu douto entendimento, considerar que a conta fora elaborada de acordo com as novas regras introduzidas pelo novo CCJ.

Analisando e decidindo.

Diz o art. 13º nº 2 do CCJ vigente quea taxa de...

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