Acórdão nº 0743751 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelOLGA MAURÍCIO
Data da Resolução31 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1.

B.......... foi condenado pelo tribunal judicial de Matosinhos em três anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de incêndio, previsto e punido pelo artigo 272.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pena cuja execução ficou suspensa pelo período de três anos.

Mais foi condenado a pagar a C.......... a quantia de 3.625 € euros a título de indemnização civil, e a Companhia de Seguros D.........., S.A., a quantia de 293,06 euros, acrescida dos juros legais vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

  1. Inconformados com o resultado o arguido e o Ministério Público recorreram, aquele da condenação e este da pena medida da pena aplicada e da decisão de suspender a sua execução.

    O arguido apresentou as seguintes conclusões: «1º - A decisão em apreço não respeitou o comando processual previsto no art.º 374º do Código de Processo Penal; 2º - Omitindo a enumeração e discriminação das provas que sustentam a convicção e a formulação do juízo de valor conducente à decisão condenatória; 3º - O Mtº Juiz "a quo" está obrigado a enunciar e a examinar de forma crítica as provas e a fundamentar, ainda que de forma concisa, tais factos probatórios, dentro de um raciocínio lógico e racional; 4º - Bem como a concretizar os elementos de facto que o levaram à convicção de uma decisão condenatória; 5º - Não basta a livre convicção do julgador; impõe-se a fundamentação dessa convicção e o escalpelizar das provas que a sustenta; 6º - No caso em apreço, a sentença não refere qualquer prova ou facto susceptível de induzir o julgador no sentido de que o arguido procedeu, ele próprio, ao incêndio do carro da assistente; 7º - Limitando-se a afirmar que esse incêndio ocorreu, sem contudo sustentar por qualquer meio que o seu autor tenha sido o arguido; 8º - Pelo que, ainda que se dê de barato ter o arguido proferido determinadas expressões, a verdade é que nada nos autos transparece quanto à identidade da pessoa que incendiou o veículo automóvel da assistente; 9º - Não havendo qualquer alusão a estes factos, nem fundamentação criteriosa sobre o processo-lógico ou mental que orientou o julgador, a decisão é nula (art.º 374º n.º 2 e art.º 379º n.º 1 al. a) do Código Processo Penal).

    10º - A prova produzida e reproduzida em gravação áudio é manifestamente insuficiente para conduzir à condenação; 11º - Não existe qualquer elemento probatório sério que permita a decisão da matéria de facto em causa; 12º - Ninguém viu ou tem conhecimento de quem foi o autor do incêndio; 13º - E os episódios do telefonema e da mensagem, eventualmente realizados pelo arguido para o telemóvel da assistente, são de todo desinteressantes, diminutos e insuficientes para sustentar qualquer certeza sobre a autoria do incêndio; 14º - O Mtº juiz não pode decidir apenas com base na probabilidade ou convicção; 15º - Tem de formular o seu juízo em certezas, e não as tendo deve dar primazia ao primado estruturante da presunção da inocência do arguido consagrado no art.º 32º n.º 2 da C.R.P.; 16º - Sem certezas, com prova insuficiente ou nula o juiz deve decidir sempre em respeito do princípio "in dubio pro reo"; 17º - Detecta-se ainda, e na sequência do exposto, contradição entre o que foi decidido e a respectiva fundamentação; 18º - A sentença não fundamenta os motivos ou razões da conclusão decisória, fazendo uma apreciação arbitrária e ilógica da prova recolhida em audiência de julgamento; 19º - Assentando essa arbitrariedade e falta de raciocínio lógico numa apreciação errada da prova produzida; 20º - A análise e apreciação da prova é feita sem qualquer critério, o que leva a tirar uma conclusão onde ela não existe; 21º - Mostrando haver erro evidente e notório na avaliação e ponderação da prova; 22º - A matéria de facto, conforme se constata dos registos áudios, é no sentido de que nenhum elemento seguro e sério leva ao juízo certo de ter sido o Recorrente quem incendiou o veículo automóvel - Opel .......... - da assistente; 23º - Existe erro notório na apreciação da prova em flagrante violação do princípio da presunção de inocência. Havendo dúvida, ou seja, em caso de falta de certeza sólida e firme, deve funcionar essa dúvida a favor do arguido; 24º - Sendo flagrante a falta de seriedade do depoimento da testemunha E.........., que confrontada com a realidade do que diz ter ouvido se apresta a dizer o que de facto não ouviu nem aconteceu; 25º - Toda a prova produzida é no sentido de uma decisão diversa; 26º - A presente decisão do Tribunal "a quo" violou o disposto nos art.º 127º; 374º; 379º; 410º do Código Processo Penal e art.º 272º do Código Penal; 27º - Para além de a decisão em análise ser inconstitucional por violação notória dos comandos expressos nos art.º 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa; 28º - E assim, por manifesta falta de enunciação e análise de provas, deve a presente sentença ser anulada nos termos do disposto no art.º 379º do Código de Processo Penal; 29º - E se assim se não entender deve a mesma decisão ser revogada e substituída por outra que, tendo em consideração a prova produzida, insuficiente e inexistente para produzir o efeito de condenação, absolva o arguido da prática do crime por que foi condenado; 30º - E, consequentemente, julgue improcedente os pedidos de indemnização civil formulados».

    Por seu turno, o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões: «1 - Nos presentes autos, foi o arguido B.......... condenado pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de incêndio, pº e pº pelo art. 272º, nº 1, a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, a qual foi suspensa pelo período de 3 anos.

    2 - Desde já se afirma que a nossa discordância relativamente à douta sentença se cinge aos seguintes aspectos; - à medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido, 3 anos e 6 meses de prisão, e ao facto da execução da mesma não pode ser suspensa, pois o art. 50º do Código Penal estabelece que só uma pena de prisão não superior a 3 anos é que pode ter a sua execução suspensa, tendo o tribunal "a quo", violado o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º e 71º do Código Penal; - considerando nós ser de aplicar ao arguido a pena de 3 anos de prisão, com a sua execução suspensa por um igual período de tempo.

    3 - Efectivamente, e no que concerne à medida concreta da pena de prisão a aplicar ao arguido pela prática do crime de incêndio, convém, antes de mais, relembrar os critérios que presidem à determinação da medida da pena, atendendo ao disposto nos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal. As finalidades das penas estão expressas no artigo 40º do Código Penal. A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa de intimidação, mas como prevenção positiva de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida. A prevenção especial visa satisfazer as exigências de ressocialização do agente, com vista à sua recuperação e integração na comunidade.

    4 - Vejamos agora a moldura abstracta da pena em causa nos presentes autos.

    O crime de incêndio, pº e pº pelo art. 272º, nº 1, a) do Código Penal, é punível com pena de prisão de 3 anos a 10 anos. Dentro desta moldura legal, importa achar a medida concreta da pena.

    5 - Seguindo de perto a lição do Prof. Figueiredo Dias (Das Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 234 e segs.), a medida concreta da pena é encontrada dentro da moldura da prevenção. Esta moldura da prevenção comporta um ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos, ponto esse que nunca poderá ultrapassar a medida da culpa, e um ponto mínimo, comunitariamente suportável de tutela dos bens jurídicos. Entre os pontos máximo e mínimo, devem actuar os factores de prevenção especial visando a ressocialização e recuperação do delinquente para a sociedade, devendo ter-se em conta que a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa e que esta é também o suporte da pena, "nulla poena sine culpa".

    6 - Tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, devemos atender às seguintes circunstâncias relativas ao caso sub judice; ao elevado grau de ilicitude dos factos, pois o arguido incendiou dois veículos, destruindo um deles por completo; ao acentuado grau de culpa, pois o arguido actuou com dolo directo, agindo por vingança por não se conformar com o fim da relação havida entre si e a assistente; às exigências de prevenção geral, que são relativamente elevadas, dado que nesta comarca o número de crimes de perigo comum e contra o património têm vindo a aumentar e causar algum alarme social; a favor do arguido deve ponderar-se que o mesmo não tem antecedentes criminais; está social, familiar e profissionalmente inserido e o seu comportamento posterior aos factos é positivo, não se tendo verificado a prática de actos hostis por parte do arguido, nomeadamente contra a assistente.

    7 - Ponderando todas estas circunstâncias, somos do parecer ser possível e adequada a aplicação ao arguido da pena de 3 anos de prisão, por ser adequada à situação em análise, correspondendo às exigências de prevenção, sem ultrapassar a medida da culpa.

    8 - Os factores que influem na medida concreta da pena, e que são favoráveis ao arguido, fazem diminuir fortemente as exigências de prevenção, principalmente a especial, e sugerem que se faça um juízo de prognose favorável acerca da sensibilidade do arguido quanto aos efeitos da aplicação da pena.

    9 - Estipula o artigo 50º, nº 1 do Código Penal que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir...

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