Acórdão nº 0714723 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Outubro de 2007

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução15 de Outubro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto Autos de instrução n.º .../06.0GAVLG, do .º Juízo de Valongo B.........., residente na Rua .........., ..., .......... - Valongo, apresentou queixa-crime contra C.......... e mulher D........., residentes na Rua .........., ..., .......... - Valongo, pela prática de factos que poderão integrar um crime de injúria em concurso com um crime de ameaça.

A queixosa, que se constituiu assistente, notificada para tal, veio deduzir acusação particular, imputando aos arguidos "em co-autoria material e na forma consumada, dois crimes de injúrias p. e p. no n.º 1 do art.º 181º e art.º 182º do C.P.".

A fls. 67 lavrou o M.º P.º o seguinte despacho: "B.......... apresentou queixa contra C.......... e D.......... alegando, além do mais e em síntese: No dia 17.05.2006, cerca das 07h00m, na Rua .........., em .........., nesta comarca, os denunciados terão dito à queixosa que a iam foder e que a matariam.

Os factos cuja autoria a queixosa atribui aos denunciados são susceptíveis de integrar eventualmente a prática de um Crime de Ameaça p. e p. no art. 153º, 1 e 2 do Código Penal (CP).

Foi inquirida a queixosa que confirmou o teor da queixa.

Foram interrogados como arguidos os denunciados que negaram a prática dos factos que lhes são imputados.

Foi inquirido como testemunha E.........., id. a fls. 16, companheiro da queixosa, que referiu que os denunciados terão dito à queixosa que lhe cortavam o pescoço com um foucinhão.

Não se vislumbram novas diligências a efectuar com utilidade em vista do esclarecimento dos factos sendo certo que, face aos elementos recolhidos nos autos, não existe uma probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada qualquer pena em julgamento pela prática do crime referido [art. 283º, 2 do Código de Processo Penal (CPP)].

Com efeito, não só os arguidos negaram a prática dos factos, como a testemunha inquirida, além de ter uma relação de proximidade afectiva com a queixosa, o que naturalmente lhe retira a necessária credibilidade, referiu ter ouvido uma expressão que nem sequer corresponde àquela que a ofendida imputa aos denunciados na queixa que formulou.

Em face do que determino, nesta parte, o arquivamento dos autos (art. 277º, 2 do CPP).

(...) O Ministério Público acompanha a acusação deduzida pela assistente".

A assistente requereu a abertura da instrução imputando aos arguidos a prática dos seguintes factos: No dia 17 de Maio de 2006, pelas 07h00, na Rua .........., em .........., Valongo, quando a assistente saiu de casa para ligar o motor do poço de água, que abastece a sua casa, foi interpelada pelos arguidos, que lhe atiraram um balde de água suja para cima.

E, dirigindo-se à Assistente, afirmaram que a "iriam foder" e que a matariam, afirmando que lhe cortariam o pescoço com um foucinhão.

Tendo-o feito com a intenção de criar no espírito da assistente o medo e o receio de que o crime pronunciado se verificará (n.º 37).

Tais factos configuram a prática de um crime de ameaça p. e p. no art.º 153º, n.º 1 e 2 do C. Penal.

Efectuado o debate instrutório, o Sr. Juiz lavrou despacho de não pronúncia, assim fundamentado: "A prolação de despacho de pronúncia depende da existência de indícios suficientes, obtidos através do inquérito e da instrução, de se terem verificado pressupostos exigidos para aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, nos termos do art. 308.°, n.° 1, do CPP. Os indícios são suficientes quando deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena ou medida de segurança, conforme resulta dos arts. 283.°, n.° 2, e 308.°, n.° 2, do CPP.

Dos factos objectivos indiciados Atenta a prova produzida, concretamente os depoimentos coincidentes da assistente (inquirida a fls. 9 e 103) e da testemunha E.......... (inquirido a fls. 16), resulta suficientemente indiciado que, tal como sensivelmente consta do requerimento de abertura de instrução, a arguida D.........., nas circunstâncias de tempo e lugar aí descritas, dirigiu-se à assistente e, entre outras expressões, disse que «lhe cortaria o pescoço com uma foucinha».

Apesar de a arguida negar tal episódio, o certo é que os depoimentos da assistente e da testemunha referida são coincidentes, sendo de relevar que estes depoimentos já eram de certa forma coincidentes na fase de inquérito, pelo menos quanto ao significado das expressões, tendo a inquirição da assistente na fase de instrução a virtualidade de precisar com mais acuidade a compaginação de ambos os depoimentos aludidos.

Além disso, importa notar que na fase de instrução, dado a prova ser eminentemente escrita, não é possível avaliar com rigor a credibilidade intrínseca de cada depoente, o que será viável apenas em julgamento, onde presidem os princípios da oralidade e da imediação.

Acontece que, quanto ao arguido C.........., além de este negar que tenha proferido qualquer ameaça, as declarações prestadas pela própria assistente nesta fase de instrução (cfr. fls. 103 a 104) são adequadas a corroborar a versão do arguido, pelo menos nesta parte. Note-se que é a própria assistente que afirma que o arguido C.........., apesar de a ter injuriado e de ter dito que ela tinha de sair de casa, não a ameaçou.

Dos factos e do Direito Vem requerida a pronúncia dos arguidos pela prática do crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153.° do CP.

Dispõe o art. 153.°, n.° 1, do CP, que, «quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias».

Através da incriminação da ameaça, pretendeu o legislador reprimir jurídico-penalmente os ataques ou afectações ilícitas da liberdade individual, acolhendo-a como bem jurídico intrassocial, e tutelando-a enquanto interesse jurídico individual e próprio de cada indivíduo à imperturbada formação e actuação da sua vontade, à possibilidade de, nas múltiplas formas de interacção social, tranquilamente se conformar e dispor de si mesmo, dentro dos limites traçados pela lei.

Do ponto de vista da conduta descrita e no sentido que interessa ao preenchimento do tipo legal, ameaçar corresponde ao acto de prometer ou pronunciar um mal futuro, anunciando, de modo explícito ou implícito, a intenção de causar uma determinada ofensa na esfera jurídica de outrem, consistente em danos físicos, económicos ou morais, necessariamente futuros, independentemente do concreto prazo eventualmente assinalado para a concretização da ameaça. Posto é que, ao olhos do homem comum, dotado das características individuais do ameaçado, a concretização futura do mal anunciado seja credível e dependa ou apareça dependente da vontade do agente.

O mal ameaçado tem, além do mais, de configurar em si mesmo um facto ilícito e típico, por referência directa a determinados bens criminalmente tutelados.

Além disso, para o...

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